quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 20

A princesa se levantou da cadeira e deu às costas a Simon, que pela primeira vez não teve uma brincadeira para quebrar a briga entre eles. O olhar de Simon ficou pesaroso. Ele deu a volta pela mesa e passou o braço por volta da cintura de Lira pelas costas, encostando seu queixo no ombro da princesa, de modo que sua boca sussurrava ao ouvida de sua esposa:

- Então é isso que a atormenta, meu anjo? A guerra contra o Leste? Me perdoe de verdade, mas tenho um compromisso com teu pai. Sou um homem de palavra, minha Lira, não posso voltar atrás. Só quero que você saiba que o que mais me importa em tudo isso é você. Quando conquistarmos o Leste, te prometo... te dou minha palavra que não colocarei nossos reinos em guerra nunca mais, se não for preciso. Eu te darei paz quando for rei, e você for minha rainha.

Lira se virou e ficou cara a cara com Simon. Seu olhar era melancólico:
- E se você não voltar do Leste?
- Vou ficar vivo Lira. Não vou abandonar você!
- Simon... existem mais coisas do que você ima...
- Lira... - cortou Simon, pousando levemento um dedo nos lábios de Lira - eu amo você. Não vou morrer nessa guerra. Isso é uma promessa, será que pode aceitar só dessa vez?
- Sair vivo de uma guerra não é uma coisa que se possa prometer.
- Eu prometo somente aquilo que sei que posso cumprir... não é o bastante?
- Não quando algo dentro de mim se rasga me implorando pra te acorrentar na cama e não te deixar ir para essa guerra!
- Hahahahahaha - riu Simon, dando outro ar a conversa - então a senhora está com más intenções.
- O quê? - perguntou Lira sem entender.
- Me acorrentar na cama - disse Simon galantemente, estreitando os braços em volta de Lira - você é uma esposinha cruel. Mas confesso que adoraria ficar acorrentado esperando pra ver o que você faria comigo!
- Ora Simon, francamente... - disse Lira, ficando vermelha quando entendeu as palavras do marido.
- Diga, diga que não quer que eu morra porque me ama... diga... - pediu Simon, sussurrando no ouvido de Lira.
- Pare Simon - disse Lira, se derretendo e delirando nos braços largos de Simon - está bem, está bem... eu te amo Simon Castella, amo mais do que poderia imaginar... está contente agora?
- Agora sim! - disse Simon largando Lira e se dirigindo para fora da sala de estar.

Lira ficou olhando perplexa enquanto Simon se dirigia à saída. Foi quando chegou à porta que ele riu, deu a volta e correu a abraçar Lira novamente:
- Isso é só pra te mostrar que agora que sei o quanto me ama vai ser quase impossível se livrar de mim. - disse Simon, beijando Lira. - Tenho que ir, vejo minha amada no almoço. - e dessa vez ele realmente se retirou da sala de jantar.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 19

O sol rasgava o horizonte negro com raios laranjados. A manhã nascia bela e com vontade de trazer mais um belo dia de primavera. Mas um vento incomum vinha do leste, trazendo consigo algumas nuvens. Não que as nuvens fossem o bastante para acabar com o belo dia de primavera que estava nascendo, mas assombrava como um aviso de que o sol encadescente não venceria o céu sempre.

Os primeiros raios de sol entraram pela janela do grande quarto branco e dourado. A luz reluzente dos detalhes de ouro lançavam reflexo no rosto branco de boneca de Lira. O grande lençol de seda branca cintilante cobria o corpo delicado e nu da princesa, enquanto o sol tocava já as bordas douradas da cama. Lira apertou os olhos e então despertou. Fitou o quarto claro e então puxou o lençol para se sentar na grande cama. Do seu lado direito, a cama desarrumada estava vazia. Simon já tinha se levantado e se retirado do quarto. Lira se levantou, se lavou, colocou o vestido azul escuro e se direcionou à escada a fim de descê-la:

- Bom dia Alteza! - disse humildemente Jequibeth, que subia as escadas com uma bandeija de café da manhã nas mãos.
- Bom dia Jequibeth. Sabe onde está o príncipe Simon?
- O senhor Castella? Bom, ele acordou cedo junto com seu pai, o rei. Tomaram café e desde a manhãzinha estão trancados no gabinete real. Pelo que estavam falando, são os últimos preparativos para a expedição ao Leste.
- Mal nos casamos e ele já vai pra guerra?
- Bom, até onde eu sei ele se casou com vossa alteza para representar oficialmente os reinos Norte e Sul nessa política de expansão.
- Claro... aliança... bom, e Irian, já está perambulando por aí?
- Ele já acordou e está no jardim com Péricles, dando coordenadas para o adorno do já tão antigo jardim de sua mãe... ele nunca deixou de cuidar desse jardim...
- Bem Jequibeth... - cortou Lira, se sentindo incomodada com a forma como Irian já começara a lhe chantagear com a memória de sua mãe.- ... esse café da manhã é para mim?
- É sim senhora!
- Não vou tomá-lo no quarto, como pode ver. Leve para a sala de jantar. Vou logo atrás de você.

Na grande sala de jantar, Jequibeth serviu o café da bandeija, enquanto Lira fitava a xícara e vagava mentalmente para as confusões e medos de sua mente. Ao ver o estado de espírito perdido de Lira, Jequibeth deixou a sala, e foi cuidar de outros afazeres. Lira continuou a fitar a xícara fumegante:
- Está um dia quente para uma boquinha tão delicada tomar café fervendo. Por que não troca o café pelo suco de laranja? - perguntou Simon, entrando na sala de jantar.

Os olhos de Lira se iluminaram a vê-lo, e ela teve de reprimir o sorriso que lhe vinha urgente aos lábios.
- Bom dia para o senhor também, vossa alteza príncipe do norte! - disse Lira sarcasticamente.
- Ora, ora, acordamos amarguinhos esta manhã? Pensei que depois da noite passada a veria daqui pra frente radiante e iluminada como o sol. - respondeu Simon, em seu tom brincalhão.
- Pensou errado. Não existe cura para meu mau humor.
- Sei bem, esposa minha, que não és de todo pura amargura. Ontem provei do mais doce mel em teus braços de fada. Quando a deixei dormindo, ainda era a criatura angelical que suspirou meu nome a noite toda. E agora encontro você nessa armadura?
- Não sou uma fada. Não tenho nem ao menos uma varinha de condão.
- O que a deixou perturbada, meu amor? Foi o fato de deixá-la acordar sozinha? Me perdoe, queria ter ficado e despertá-la com um beijo, mas o dever me chamava.
- Claro, guerras, guerras e guerras. Malditas guerras. Você é igual meu pai, um insano sedento de sangue! Então vá para a sua maldita guerra e não se preocupe mais comigo. Já tem de mim o que queria. A aliança oficial para representar norte e sul nessa batalha contra o leste! - resmungou Lira, perturbada.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 18

A música animada combinava com o ritmo dos casais que dançavam no centro do grande saguão. No meio deles, um casal de branco brilhava e se destacava. O vestido longo de Lira rodopiava fazendo parecer com que ela estivesse flutuando no chão. Simon a segurava perto de si, guiando cada passo seu numa sintonia perfeita:
- Você dança muito bem, senhora Castella! - Simon elogiou.
- Agora vai ficar me chamando de senhora Castella o tempo todo? - perguntou Lira, com sua costumeira rispidez.
- Só até levá-la para cima e ter mais intimidade para lhe chamar de "meu amor" bem de pertinho. - falou Simon com seu tom galante.
- Ora... - resmungou Lira, ficando encabulada - realmente não acho apropriado ficar me falando essas coisas!
- Hahahahahaha - gargalhou Simon - você agora é minha esposa, me pertence... nada do que eu fizer com você será inapropriado senhora Castella!
- Fale baixo, quer que o reino todo saiba que você é um pervertido?
- Hahahahahaha .... você é mesmo a coisinha nervosa mais linda que eu poderia ter escolhido como esposa.

Lira baixou os olhos, dessa vez não de vergonha, mas para rir do Simon falava. Era incrível como Lira se sentia completa naquele momento, alí nos braços de Simon, rindo das bobagens e ameaças tolas que ele fazia, balançando pelo salão. Simon não era o almofadinha metido a conquistador que ela achava. Ele era um príncipe guerreiro de príncipios, que não deixava nada abalá-lo. Um homem que sabia ser romântico e ao mesmo tempo sabia fazê-la rir. Naquele momento Lira sabia que Simon era tudo o que ela precisava para ser feliz. E junto com a felicidade, o desespero de seus planos atormentavam seu coração. No canto do saguão, Irian fitava Lira com seus olhos acusadores, de braços cruzados. Lira deitou o rosto nos ombros de Simon, para esquecer os olhos de Irian.

A noite do baile correu rápido. Quando Lira deu por si estava na segunda sala ao lado do quarto que agora pertenceria a ela e Simon. Estava em sua camisola rosa-bebe, com uma fita cintilante amarrando a cintura. O cabelos soltos até seus ombros brancos e delicados. Quando olhou no grande espelho da sala, revirou os olhos. Não acreditava que realmente estivesse apaixonada pelo garbo que lhe arranjaram como marido. Pensamentos obscuros vieram-lhe atormentar a alma. Lira choacoalhou a cabeça para espantá-los. Essa noite, pelos menos essa noite, ela queria esquecer os problemas, os planos de assassinato, Irian e a promessa. Essa noite ela queria ser quem seu coração implorava para ser.

No grande quarto decorado de branco e dourado, Simon estava encostado na janela ao lado da cama. Estava um pouco escuro, apenas algumas velas acesas, o que permitia que a lua daquela noite de primavera iluminasse o quarto em sua luz azulada, fazendo que o dourada refletisse uma luz prateada. Lira entrou em seus passos suaves, deslizando pelo quarto. Simon virou sua cabeça para olhá-la:
- Boa noite senhora Castella!
- Boa noite, senhor Castella... - respondeu Lira em seu tom rispido.
- Como você fica linda com poucas roupas. - disse Simon em seu tom brincalhão.

Antes que Lira pudesse cruzar os braços e lançar para Simon seu olhar atravessado, ele a puxou para si, entrelaçando os braços em sua cintura fina e beijando com amor seus lábios vermelhos. E a fita cintilante caiu ao chão.

domingo, 27 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 17

O grande dia chegou. O castelo decorado, uma multidão de condes, duques e homens da alta sociedade entravam e tomavam seus lugares para o grande baile. O rei Marshall estava contente, porque finalmente a aliança com o Norte seria consolidada com o casamente de Lira e Simon.

Simon já esperava no grande altar decorado. Sua roupa era deslumbrante. Não estava usando sua costumeira roupa negra com capa vermelha, e sim uma roupa principesca branca com detalhes dourados. O cabelo médio bem penteado e o cavanhaque impecável. Todos que entravam ficavam admirados com a beleza do príncipe do Norte que, acostumado com os olhares, mantinha seu aspecto vitorioso e o rosto tranquilo.

A marcha nupcial rasgava as extremidades do castelo que incentivou todos à voltarem seus olhares à porta principal. Lira apareceu em seu deslumbrante vestido branco cheio de detalhes de renda, os ombros caídos deixando sua perfeita pele de leite entrar em sintonia com a clareza de todo o castelo. O véu delicado cobría-lhe o rosto de boneca deixando seus traços transparecerem vagamente aos olhos dos convidados. Seus passos de anjo à dirigiam angelicalmente até o altar, onde Simon esperava, agora não mais com seu ar vitorioso e sim deslumbrado como a maioria dos presentes.

Quando Lira chegou ao altar, Simon estendeu a mão para sua noiva. Ela pousou a delicada mão na dele:
- Está linda senhora Castella. - murmurou Simon.
- Ainda não sou sua esposa. - resmungou Lira.
- Hahahaha - riu Simon, baixo - até no dia do nosso casamento vai me contrariar?

E a silenciosa conversa dos dois foi quebrada pelo discurso nupcial.

Então chegou a hora das perguntas:
- Príncipe Simon Henrique Montreviere de Castella, aceita a Princesa Lira Marie Garvoni Amasis como sua legítima esposa?
- Aceito! - disse Simon, alto e claro.
- Princesa Lira Marie Garvoni Amasis, aceita o Príncipe Simon Henrique Montreviere de Castella como seu legítimo esposo?

E o silêncio tomou conta do castelo. Lira estava perdida em pensamentos. Casar com Simon seria assinar seu atestado de óbito. E ela o amava. Mas se não o fizesse, não poderia prosseguir com seus planos de salvação. Simon olhou para Lira com as sombrancelhas unidas, exigindo dela a resposta. Da ponta do altar o rei Marshall olhava desesperado para Lira. Até que uma resposta quebrou todo o pânico do momento:
- Aceito! - falou Lira finalmente.

Suspiros de alívio surgiram de todos os lados. Simon sorriu vitoriosamente quando ouviu o "eu os declaro marido e mulher". Virou para Lira e puxou o véu que cobria seu rosto, beijando-lhe a testa. Levantaram-se e ficaram diante dos convidades que admiravam o belíssimo casal. E todos se encaminharam para o baile.

sábado, 26 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 16

Faltava apenas um dia para o casamento de Lira e Simon. O castelo já estava decorado, e as cartas aos convidados já haviam sido mandadas. Em todo o castelo víasse detalhes de enfeites brancos, flores claras e tapetes longos. O vestido de Lira, pronto, estava já dependurado em seu quarto.

Lira estava pensativa naquela tarde. Não quis a presença de Irian por perto o dia todo. Irian ficou preocupado pensando se ela realmente desistiria de cumprir a promessa. Mas por estar próximo o casamento, resolveu não atormentá-la, pois logo iria por em prática seu plano de ameaças e apelo emocional.

Lira estava encostada no parapeito da grande janela aberta da sala de música. Estava com um belo vestido vinho com detalhes de renda por toda saia, um espartilho delicado que terminava deixando que detalhes da roupa debaixo branca transparecesse aos ombros caídos. Simon passou pela entrada da sala em sua roupa real de príncipe preta e branca, e viu Lira recostada na janela iluminada pelo sol da primavera. Como ela era linda quando estava calma, quieta e com o rosto pensativo. Não mais bonita do que quando estava brava brigando com ele ou teimando com o pai. Mas de qualquer forma, ela parecia um anjo. Não resistindo à tentação, Simon entrou na sala de música, passando suavemente pelo piano indo em silêncio até perto da janela:
- Que belo fim de tarde de primavera!- disse Simon alegremente.
- Como consegue estar sempre alegre? - disse Lira, dessa vez sem se assustar com a presença repentina de Simon.
- Bom, ultimamente tenho estado sempre de bom humor. Desde que cheguei ao reino do sul.
- Por que vai herdar dois imperios?
- Também, mas principalmente porque ganhei de presente na sorte um dos anjos que roubaram do céu.
- De anjo não tenho nada!
- Concordo que a vida terrena tenha-lhe roubado o temperamento angelical sereno que deveria ter. Mas a aparência divina ainda lhe faz jus. Devo admitir que seus ataques de histeria me encantam mais do que qualquer serenidade que poderia compor sua personalidade.
- Então você é um babaca masoquista.
- Não, sou um domador de leões... hahahahahaha!
- Leão é a senhora sua mãe!
- Ei ei ei, uma menina que preza a imagem de mãe não deveria xingar a dos outros!
- Vai pro inferno Simon Castella!
- Terceira vez que me manda pro inferno. Se falar isso mais uma vez vou ser obrigado a lhe dar uma lição! - disse Simon sarcasticamente.
- VAI PRO INFERNO, VAI PRO INFERNO, VAI PRO... -os gritos de Lira foram interrompidos pelo beijo de Simon.

Foi imediato que pegou Lira de surpresa. A fúria ainda ardia em seu sangue fazendo com que ele desse soquinhos inúteis no peito largo do forte príncipe que a segurava com força em seus braços enquanto a beijava. Foi quando algo mudou em Lira. Aquilo que ardia no sangue dela não era fúria. Era paixão. Era amor, o mesmo amor que ardia em Simon. Nesse momento, Lira desistiu de se enganar com a raiva, e deixou os punhos se abrirem, retribuindo o beijo. Simon afastou o rosto de Lira, para olhá-la nos olhos, enquanto ainda a segurava nos braços:
- E você ainda vai negar que me ama? - disse Simon em seu tom grave de vitória.
- Se você já sabe a resposta, por que é tão cretino de me perguntar? - respondeu Lira, perdida entre a defensiva e a doçura.
- Você ainda tenta me contrariar mesmo quando é tão óbvia? Bom, princesa... eu confesso que te amo! - disse Simon finalmente, deixando Lira sem palavras. - E já que não tem o que me responder vou ser obrigado a lhe arrancar um "eu também te amo" com outro beijo!

E ele deitou o rosto novamente sobre o de Lira em seu doce beijo apaixonado. Mas algo atormentava Lira no fundo de sua consciência. Como poderia amá-lo se estava prestes a mandar matá-lo?

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 15

O sol ainda estava aparecendo no horizonte. Lira dormia na grande cama de seda rosa diante da grande janela por onde o sol ainda não raiava. O vento da primavera rondava o silêncio no castelo, até que o som de trombetas rasgou do alto das montanhas:
- Os exércitos estão voltando! - disse o escudeiro do rei.
- O som das trombetas! Sabe que som é esse meu caro Naim? É o som da vitória!!! - exultou Marshall.

O altos oficiais repentinamente guardaram a frente do castelo para a chegada dos exércitos que retornavam do Oeste sob a liderança de Simon Montreviere Castella, príncipe do Norte. A grande agitação no castelo e o som mais próximo das trombetas acordou Lira:
- Simon! - sussurrou Lira.

Num segundo Lira estava em sua longa camisola de cetim, no outro já estava apertando o espartilho verde claro na silhueta. Quando Irian entrou no quarto, Lira já estava amarrando com dificuldade o espartilho:
- Desde quando a senhorita se troca sozinha? - perguntou Irian enquanto fechava o espartilho para Lira.
- Desde hoje ué... - respondeu apressadamente Lira, enquanto penteava o longo cabelo.
- Quer ver Simon chegar?
- Pare com isso! - disse Lira, olhando furiosa para Irian - Sabe que meu pai ia acabar vindo exigir minha presença. Só quis evitar sermões.
- Lira, já te pedi para...
- E eu já mandei parar com isso! Já expliquei! - gritou Lira- Vou descer...
- Mas não vai arrumar o cabelo?
- Perdi a vontade, vou deixá-lo solto mesmo!

Lira saiu pela grande porta de madeira deixando Irian furioso. Era óbvio que a defensiva de Lira entregava seus sentimentos por Simon, o que enfurecia Irian. Ele estava decidido a atormentá-la.

Na frente do castelo podía-se ver os exércitos vindos do Oeste se aproximando. Era visível que o número que havia partido agora retornava bem menor. Muitos soldados haviam morrido. Mas enfim o Oeste estava dominado pelo Sul graças aos comandos militares de Simon Castella, que vinha na frente em sua roupa negra e capa vermelha. Lira postou-se ao lado do pai:
- Acordou cedo filha! - comentou Marshall
- É meio difícil dormir nesse barulho todo. - resmungou Lira
- Parece que perdemos muitos homens. Que Deus os tenha... agora é só aprontar tudo para a expedição ao Leste.
- Você não tem escrúpulos mesmo. Já não matou gente o bastante no Oeste?
- Lira, não me falte o respeito na frente dos oficiais.
- Vossa majestade enlouqueceu mesmo! Inocentes com seu sangue derramado por toda província, e você ainda tem sede de mais...
- Vou ter que manda-la entrar?
- Já me calei!

Simon desceu do cavalo negro e se ajoelhou perante Marshall. Ao se levantar da reverência, sorriu para Lira, que revirou os olhos.
- Bem vindo meu filho! - exultou Marshall
- Obrigado Majestade. Foi uma batalha àrdua. Estão todos cansados. Adoraria contar-lhe os detalhes, mas poderíamos deixar para o jantar?
- Claro, claro! Entrem e sejam todos bem vindos de volta... escrivão, escreva cartas às famílias dos mortos na batalha. - ordenou Marshall - Simon, antes de ir se lavar devo lhe comunicar que o casamento será daqui dois dias.
- Ora, ora! Sou recebido com tal excelente notícia! - disse Simon, lançando um olhar galante para Lira.- Já era tempo!
- Rápido demais no meu ponto de vista! - reclamou Lira
- Princesa Lira, a senhorita adora me contrariar não é?
- É que costumo ser sincera demais...
- Seus cabelos ficam lindos soltos caídos aos ombros. Vejo que a pressa em me ver foi tanta que nem tempo de prendê-los em seu costumeiro coque não deu não é? - riu Simon
- Ora... - resmungou Lira, ficando envergonhada - eu ... eu apenas tive vontade de deixá-los soltos hoje. Mas se eu tivesse pressa em lhe ver seria pelo fato de estar torcendo para que você voltasse sem um braço ou uma perna.
- LIRA! - falou Marshall ríspido
- Não pense que se eu voltasse sem um braço não conseguiria lhe beijar com a mesma intensidade dos dias passados. Deveria ter torcido para que eu perdesse minha lingua...
- Príncipe Simon! Mas... mas o que isso? Vocês dois ficam se engalfinhado agora? Por favor, estamos na frente dos subordinados!
- Eu não tenho que ficar aqui fora escutando isso! - disse Lira, entrando apressada e nervosa no castelo.
- Por favor príncipe Castella, deveria entrar para descansar também... - falou Marshall, mais calmo.
- Claro majestade. Tenho que descansar muito para ter forças porque em breve terei que domar uma fera, não é?
- Deus meu, o que foi que eu fiz para merecer um genro pior que a minha filha? - disse Marshall olhando para o céu.

Simon riu, e entrou no glorioso castelo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 14

Simon foi comissionado enfim a ir ao Oeste, para apaziguar uma rebelião dos já derrotados nativos da região. Enquanto isso no Sul, o casamente de Lira e Simon era preparado e programado para quando ele voltasse. Depois de uma semana desde sua partida, o vestido de noiva de Lira estava quase pronto:

- NADINE!!! Estou começando a achar que você me espeta com essas agulhas por maldade! - gritou Lira em cima da banqueta com o belo vestido branco.
- Princesa, já disse que seria mais fácil se a senhorita ficasse quieta, mas fica se remexendo aí! - respondeu Nadine, ainda arrumando a cintura do vestido.
- Esse vestido está bom já... nem sei porque tanta coisa...
- É um casamento, não um bailezinho... por favor, não se mecha!

Duas semanas se passaram e o exército que partiu com Simon não mandava notícias. Foi quando uma carta chegou informando que eles haviam perdido alguns homens. Irian correu para o quarto de Lira.
- Suas preces foram atendidas, princesa. Pessoas estão morrendo no Oeste.
- Simon? Ele... ele está ferido? - disse Lira num tom perceptível de preocupação.
- O que... está... está preocupada com o almofadinha? - perguntou Irian
- Não! Só perguntei por... perguntar...
- Não, seu futuro marido parece ser o único que está realmente bem. Vaso ruim não quebra... fácil! Ainda bem que nada ocorreu com ele, assim os nossos planos não vão por agua a baixo.
- Claro, os planos...
- Lira, princesa, olhe pra mim. - exigiu Irian - A senhorita não está gostando desse príncipe, está?
- Claro que não Irian!
- Não se apegue a ele alteza, não poderá ficar com ele, sabe disso. Quantas vezes tenho que lembrá-la da sua promessa. Pobre de sua mãe, se eu não fosse tão fiel a ela a ponto de instar vez após vez com você, você já a teria esquecido!
- Não fale assim Irian, não é verdade! Lembro de minha mãe o tempo todo. Não estou apaixonada por Simon Castella! - falou Lira, nervosa.
- Tudo bem, tudo bem. É bom que acabe com qualquer ponta de sentimento que possa ter por ele. Lembre-se, o destino dele está traçado, ele tem que morrer por um bem maior.
- Se retire do meu quarto Irian, preciso descançar. Não quero mais saber notícias do Oeste.
- Como quiser alteza. Bom descanço.

Irian saiu do quarto de Lira e se dirigiu para seus aposentos, onde Jequibeth coloca a travessa em cima da mesa com o jantar do serviçal. Irian entrou com passos duros, no rosto, uma expressão de raiva. Bateu a mão com força na travessa, lançando toda a comida no chão:
- AQUELA IDIOTA!!! - gritou Irian.
- O que houve senhor? Se acalme por favor! - pediu Jequibeth, ajoelha e pegando os cacos da louça quebrada pelo chão.
- Lira, aquela princesinha mimada... aquela... aquela cabeça oca... aquela fresca insuportável! Está gostando do príncipe maldito!
- Isso não é bom? Assim ela não se recusa mais a casar... - falou Jequibeth, baixinho.
- BOM? BOM, JEQUIBETH? - gritou Irian novamente - Ela não vai querer cumprir os planos, vai querer ficar com ele!!!
- Ah meu senhor...
- Não, se ela pensa que pode desistir de tudo que demoramos uma vida toda para planejar, ela está enganada. Vou atormentar tanto a cabeça dela com o remorso por não cumprir a promessa que ela nunca viverá em paz. E se mesmo assim ela desistir do plano...
- O que, senhor?
- Eu conto tudo... TUDO! Tudo o que planejamos para o pai dela e pro príncipe amado dela!
- Mas aí o senhor vai morrer! Vão condená-lo a morte por conspiração!
- Eu morro, mas a levo comigo! - resmungou Irian em seu sorriso maquiavélico.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 13

- Vou me retirar! - disse Lira entredentes, se levantando.
- Seu pai disse pra me fazer companhia. - redarguiu Simon, se levantando também.
- Errado! Ele disse pra você me fazer companhia. Como não quero jantar, está livre de sua obrigação. Boa noite!
- Espere! Fique só para uma taça de vinho.
- Só se você engolir a taça!
- Se você pedir com jeitinho, faço o que você quiser!
- Ah é mesmo? - disse Lira, estreitando os olhos e dando a volta pela mesa- Então principe maravilhoso, forte e corajoso, pegue por favor a faca prateada ao lado do seu prato e crave no seu peito!
- Hahahahaha, eeei tudo tem limite, minha cara!
- Então não tenho nada mais a dizer! - respondeu Lira, dando meia volta para ir embora.

Antes que pudesse dar um passo, Simon pegou seu braço e a puxou para si.
- Me solte! Já não dissestes que poderá fazer o que quiser comigo quando nos casarmos? Então por favor, deixe-me em paz enquanto ainda tenho a pouca liberdade que me resta!- resmungou Lira, tentando se soltar.
- Por que você fica sempre tão na defensiva? Não percebe que realmente gostei de você? Deveria ficar feliz que um casamento arranjado já esteja dando tão certo.
- Não vejo nada dando certo por aqui!
- Isso é o que vamos ver!

Simon soltou um braço de Lira e passou a mão por sua cintura fina, apertada pelo espartilho. Puxou Lira para mais perto, com o rosto próximo, olho no olho. Com a outra mão, segurou delicadamente a nuca da princesa, pousando o rosto num beijo doce e calmo. No primeiro instante Lira ficou sem reação, mas recuperando a razão, pousou as duas mãos no peito largo de Simon tentando empurrá-lo para longe de si. Percebendo sua tentativa, Simon a segurou com mais força, dando ao beijo mais intensidade. Na energia do momento, Lira perdeu completamente a razão outra vez, deixando que as mãos que empurravam Simon agora ficassem ali apenas pousadas levemente, e deixou-se ser beijada. Quando o príncipe deu o último toque com seus lábios nos de Lira, levemente, e afastou seu rosto para vê-la, observou seu rosto sereno, diferente da raiva inicial, e riu:

- Eu sabia! Toda essa sua braveza era o medo de admitir que se apaixonou por mim! Hahahahaha

Ouvindo o riso de vitória de Simon, Lira juntou as sombrancelhas numa expressão de raiva e frustração, empurrando novamente Simon de si, que dessa vez se afastou, ainda rindo:
- Vai pro inferno! - resmungou, pisando duro e se dirigindo para fora da sala de jantar.
- Hahahaha, minha linda, já é a terceira vez que me manda pro inferno só hoje. Está querendo tanto que eu vá para um lugar quente? Começo a duvidar das suas verdadeiras intenções, ainda mais depois de me beijar dessa forma!
- Eu odeio você!
- Querida, deixe-me te ensinar uma coisa. Isso que você sente não é ódio, é amor. Volte pros meus braços e vai ver como essa emoção aumenta.
- UUUUUUGHHH!!!! - resmungou novamente Lira, dessa vez realmente saindo da sala de jantar.

Simon sentou-se na mesa grande ainda rindo. Já que era o único que ia jantar aquela noite, não tinha porque desperdiçar o belo guisado em seu prato de porcelana. E o sorriso de satisfação não lhe saía do rosto.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 12

- Boa noite vossa alteza, o rei mandou servir o jantar. - disse Amália, uma das serviçais da casa.
- Já vou Amália! - respondeu Lira sentada na cama de seda rosa.
- O rei Marshall pediu para descer logo. O príncipe Simon já está com o rei esperando vossa alteza na mesa.
- Diga que não estou com fome! - respondeu Lira imediatamente ríspida.
- Princesa Liiiiraaa... - resmungou Irian sentado na banqueta.
- Droga! - murmurou Lira, baixando os olhos - está bem, diga que já vou.
- Sim alteza.

Amália desceu a grande escada e dirigiu-se à sala de jantar. Marshall estava sentado na cabeceira da longa mesa de madeira envernizada coberta pela toalha vermelha imperial, onde pratos de porcelana e copos de cristal jaziam brilhando à luz das velas nos candelabros, e Simon estava na cadeira macia ao lado direito do rei.
- Majestade, a princesa já vai descer. - disse Amália, e seu tom baixo e subordinado.
- Já era em tempo... pode ir servindo. - murmurou Marshall
- Não vai esperar vossa filha descer? - perguntou Simon.
- Não... ela já está descendo... ah, falando no anjo...

Lira apareceu à porta da sala de jantar, e foi sentar-se ao lado esquerdo de seu pai, em frente à Simon. Quando Lira se sentou, um sorriso se acendeu nos labios de Simon, e repentinamente Lira jogou um olhar atravessado cheio de raiva para o príncipe, que o fez soltar uma risada baixa. Marshall sentiu o ambiente à sua frente:
- É, parece que vocês dois já estão se conhecendo melhor. - comentou Marshall sacarsticamente.
- Muito melhor majestade! - disse Simon, dando ênfase ao "muito"
- Eu já o mandei para o inferno hoje? - falou Lira, ríspida.
- Lira! Modos... - redarguiu Marshall

Nesse momento os serviçais começaram a servir os pratos. Lira lançou um olhar nada gentil para o pai, que já começara a comer.
- Realmente estou sem fome, pai. Posso me retirar?
- Lira, seja uma boa menina e apenas nos acompanhe, sim?

Foi quando um soldado entrou na sala.
- Vossa majestade, o chefe do exército solicita tua presença imediatamente ao saguão inferior.
- Como ousa atrapalhar meu jantar?
- Sinto muito vossa majestade, mas um batalhão voltou do Oeste com notícias importantes. Alguns estão feridos.
- Droga! Vamos agora!
- Quer que eu vá também majestade? - perguntou Simon.
- Faça companhia a Lira, sim? Odeio deixa-la sozinha no jantar. Não deve ser nada grave, só uns erros de estratégia.
- Claro!

Marshall e o soldado deixaram a sala de jantar. Os empregados estavam na parte interior. A sala escura iluminada a luz de velas agora deixavam frente a frente Simon e Lira. Ele, com seu olhar galante e ela com sua raiva fervendo nos olhos claros.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 11

- AQUELE IDIOTA, ATREVIDO.... UUUUGH EU O ODEIO!!!
- Alteza, não fica bem a senhorita se esvair em gritos assim, por favor, se acalme - disse Irian baixinho tentando calar Lira.
- IRIAN, TEMOS QUE ACABAR COM ELE AGORA!
- Senhorita Lira, pare de gritar isso... por favor, quer que teu pai descubra nossos planos?

Lira abaixou o olhar e respirou fundo. Voltou a olhar para Irian, um tanto atormentado pela situação:
- Desculpe... mas tem que ser já! Simon tem que sumir da minha vida agora!
- Temos um cronograma exato alteza, por favor...
- Não Irian! Ele... ele me ameaçou!
- Ameaçou? Essa não, ele sabe alguma coisa do nosso plano?
- Não, não é isso... ele... ele me ameaçou de outra forma.
- Seja mais clara princesa Lira.

Lira balançava os braços agitada, então olhou novamente para Irian, a expressão encabulada:
- Primeiro ele me beijou... a força! Depois que eu lhe virei um bom tapa na face, ele riu! ... e ainda disse que... melhor... insinuou que iria fazer algo mais depois que casasse comigo, porque teria direitos sobre mim... UUUUGH! QUE ÓDIO!
- Alteza... alteza... sem gritos sim? Acalme-se. Não me surpreendo de fato que tua beleza tenha enchido os olhos de Simon Castella. Você é uma peça preciosa do reino do Sul, algo para se venerar. E o principe Simon é do tipo que ama desafios, e a senhorita com toda sua... espirituosidade... tem sido um desafio, e de certa forma você o instiga a conquistá-la.
- Quer dizer que quanto mais eu o odiar, mais ele vai me atormentar?
- Mais ou menos... bem, princesa, pondere isto. A senhorita tem que parar com esse egoísmo e pensar apenas em duas coisas. Primeira: a promessa à sua mãe, e segunda, os povos que anseiam por uma rainha justa... está nas suas mãos salvar não apenas o povo do Sul, mas agora do Norte também.
- Ah Irian...
- Princesa, que sacrifício não é válido para o bem dessas pessoas que vem sofrendo a tanto tempo pela guerra?
- Suportar Simon...?
- Sim, e casar-se com ele!
- UUUUGH!... Está bem, eu... eu me caso!

- TOC TOC - o som ecoou na porta larga de madeira do quarto de Lira.

sábado, 19 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 10

- Bom dia, princesa!

Lira deu um estalo ao ouvir a voz grossa de repente, pois estava distraída encostada no parapeito da grande janela do saguão onde ficava o piano. Simon se aproximou devagar, e riu com o susto de Lira.

- Desculpa alteza, não queria assustá-la...
- Vai pro inferno! - murmurou Lira, dando a volta para sair da sala.

Antes que Lira passasse por Simon, ele segurou o fino braço da moça. Puxou-a para perto olhando em seus olhos azuis claros.
- Eu não fui rude nem impertinente com a senhorita. Desde que cheguei, fui um cavalheiro. Por que me trata assim?
- Porque o senhor é muito confiado. Solte-me!
- Ei ei ei! Caaaalma. Não deveria me ver dessa forma. É minha futura esposa.
- Enquanto não tiver um anel dourado na minha mão esquerda, não sou nada sua!
- É minha noiva...
- Oficialmente ainda não sou nada!
- É parte da aliança com o reino do Norte, deveria prezar seu papel.
- Sou um presente de meu pai ao príncipe Castella então? Ora, me deixe em paz enquanto ainda não me torno sua escrava!

Simon estreitou os olhos e tirou a outra mão que estava pousada na bainha da espada para pegar o outro braço de Lira. Girou-a para que ficasse de frente a ele, e a puxou mais para perto:
- Não a vejo como um presente ou coisa assim. Se quero ser um bom rei para o grande império que está por vir depois do nosso casamento, tenho que começar sendo digno com minha rainha, não acha?
- Hahahaha, está tão confiante, não é senhor Castella. Vai sonhando com o império. A realidade será muito diferente!
- Do que é que está falando?
- Nada! - disse Lira rispidamente voltando os olhos para seus pulsos entre as mãos de Simon - e se não me soltar, vou morder suas mãos!
- Hahahaha. Você é uma coisinha nervosa mesmo, hã! Por que não experimenta morder isso?

Num momento Lira estava à pouca distância do rosto de Simon, no outro, algo tocava seus lábios rudemente. Eram os lábios de Simon que encontraram os dela num beijo. Em poucos segundos, ele a soltou, mas Lira se recuperou do choque e bateu no rosto de Simon:
- Ora, seu... seu... seu atrevido!
- Hahahahaha. Definitivamente quero me casar com você. - riu Simon, passando a mão no rosto onde Lira deu o tapa - quero ver do que vai me xingar quando for seu marido e tiver todo o direito sobre você!

Num grunhinho e em passos pesados, Lira deixou a sala de música, enquanto Simon ainda ria.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 9

- Então vossa majestade quer dominar toda a parte leste? - disse Simon, observando o mapa em cima da grande mesa.
- Exatamente. Eles tem excelentes terras. - murmurou o rei Marshall, sentado na cadeira trabalhada a ouro.
- Sim, mas eles também tem excelentes exércitos. E o senhor já estava dominando a parte oeste, que também possui boas terras. O reino do Leste não tem tentado se expandir. Poderíamos continuar indo à oeste...
- Não! - cortou Marshall - Se deixarmos o Leste fora das nossas políticas de expansão perderemos todo a fama que temos. Seu pai só apelou para uma aliança porque sabia que o reino do Sul é forte. O Leste não pode escapar!
- Tudo bem. Mas façamos o seguinte. Retire alguns soldados do oeste. Vamos começar a política de expansão ao Leste por essa linha - disse calmamente Simon, traçando uma rota no mapa - O reino do Leste vai achar que estamos dando a volta por ele, e que não pretendemos atacar. Quando dominarmos os povos vizinhos, o Leste estará cercado!
- Por que não podemos ir diretamente de frente ao leste?
- Porque é suicídio. Os exércitos são poderosos, majestade. Teríamos muitas perdas, mesmo fundidos Norte e Sul. De certo, venceríamos, mas... por que arriscar tantos homens valiosos que conseguimos juntar para batalha? Se cercarmos o Leste, nosso prejuízo será muuuuito menor.
- Hummmm - ponderou Marshall - Certo. Você tem razão. Vamos organizar sua ida ao Oeste para terminar a expedição de domínio. Quero ver como você lidera o exército. Quando voltar, casará com minha filha, e então poderá liderar a expedição ao Leste.
- Será um prazer, majestade!



No quarto enfeitado de seda rosa, Lira andava de um lado para outro:
- TOC TOC!!!
- Irian?
- Olá alteza. Vim lhe trazer um refresco.
- Ah, que gentileza. Obrigada!
- E então... o que achou de seu futuro e falecido marido?
- Irian, não fale assim...
- Hahahaha. Estou brincando. - disse Irian indo se sentar na banqueta baixa - É um garbo interessante, não?
- Ele é bonito. Mas metido e arrogante. Não gostei dele, nem um pouco.
- Alteza, terá de aturá-lo um tempo...
- Tem uma estima de quanto tempo será?
- Seu casamento será daqui umas 3 semanas. Antes de casar, seu príncipe irá numa expedição ao Oeste, segundo os rumores que ouvi.
- Então já podemos por o plano em ação!
- Não, não alteza. O Oeste está praticamente dominado, nenhum soldado mais vai morrer. E também, você precisa casar primeiro. Terá o reino do Norte em suas mãos também.
- Eu não quero o reino do Norte. Quero ser rainha do Sul, que foi o que prometi a minha mãe.
- Lira, Lira. Já que pode ser uma boa rainha, por que não libertar o Norte da tirania também? E também, se Simon morrer, seu pai vai continuar arranjando maridos para você!
- Ah Irian...
- Fique tranquila. Logo que vocês se casarem, Simon irá numa expedição perigosíssima no poderoso império do Leste. Mortes serão iminentes. Assim poderemos concluir o plano sem qualquer suspeita. E depois que fores viúva, daremos um fim no seu pai. Ele já está velho. Se colocarmos veneno em seu vinho, podemos dizer que ele morreu de infarte, e pronto, será a única herdeira do trono.
- Tantas mortes nas costas. O único consolo é que cumprirei minha promessa!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 8

Simon estava deitado na cama do grande quarto dourado do castelo. Descansava da longa viagem depois do banho. Seus olhos pesavam, e o sono dominava sua consciência. Mas um som suave o puxou de volta a realidade. O toque doce de uma música de piano.

Simon desceu a longa escada seguindo a música e voz que cantava uma letra triste. Ela dizia "A presença não é o corpo e sim a alma. A morte levou consigo os traços, mas não pode roubar o amor. O adeus é triste, mas a lembrança me mantém em pé. Para sempre corações terão o mesmo ritmo, mesmo que um deles pare de bater...". A voz, ah, aquela voz! Ninguém diria que é voz de um humano. Diriam que é um anjo, ou mais terreno, a voz parecia um instrumento musical delicado. Um instrumento musical de cordas. Lira!

No grande saguão, um ser delicado estava sentado ao piano diante dum grande quadro. As mãos pequenas deslizavam pelas teclas, fazendo soar a doce e triste música. Os lábios perfeitos emitiam a voz angelical e enchiam o castelo da mais maravilhosa melodia. Simon parou atrás e deixou-se observar a princesa em sua canção.
- Ela parece um anjo quando canta, não é? - perguntou o rei Marshall, se aproximando de Simon.
- É... é realmente encantadora vossa filha, majestade. - gaguejou Simon.
- Ela faz isso toda manhã. Compôs sozinha essa música em homenagem a mãe. Minha esposa Laura... também sinto falta dela.
- Sinto muito.
- Assim como eu, Lira não supera essa perda. Ela é um pouco amargurada. Acho que terá alguma... dificuldade para lidar com ela. Mas não quero que isso atrapalhe nossa aliança.
- Relaxe majestade. Estou encantado com os dois lados da personalidade de sua filha.
- Dois lados...?
- Quando a vi a primeira vez, quando cheguei, ela parecia uma tigresa enjaulada. Tinha uma fúria nos olhos ardendo. Confesso que achei a raivinha dela... estimulante... - disse Simon, rindo com o próprio comentário. - E agora a vejo doce como um anjo, e percebo que isso também me encanta. Sua filha é a personificação da contradição, única em si mesma, o que a torna valiosa e digna da minha cobiça.
- Príncipe Castella, o senhor é um homem... estranho.
- Tenho as minhas excentricidades... -riu Simon novamente.
- Bom, venha comigo. Quero lhe mostrar alguns planejamentos de conquista que temos com o chefe do meu exército.
- Agora? Tenho outros planos de conquista nesse momento, se não se importa, majestade... - disse Simon, voltando seu olhar para Lira, ao piano.
- Senhor Castella, ela já lhe pertence. Mas você não está aqui somente para se casar. A aliança dos reinos Sul e Norte tem outras particularidades.
- Claro... tenho certeza que terei meu tempo para esses meus outros planos. Vamos aos seus planos então majestade.

Marshall e Simon deixaram o grande saguão, enquanto Lira ainda tocava e cantava.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 7

O castelo parecia em festa. Flores para todos os lados, serviçais arrumando e adornando cada local. Soldados do exército real enfileirados em frente ao castelo para a grande chegada de Simon Montreviére Henry Castella, o príncipe do norte.

O dia seguia claro e o sol ardia no céu. A primavera adoçava o perfume das flores da estação. Mas Lira estava irritada enquanto Nadine, sua costureira, pinicava sua cintura acertando o vestido de cetim azul novo, feito especialmente para a ocasião:
- AI! Nadine... vou ficar parecendo um queijo suíço assim!
- Desculpe princesa, se a senhorita parasse quieta...
- Não sei porque fazer um vestido novo. Esse príncipe nem me conhece. E nunca viu nenhum vestido meu. Poderia muito bem usar o beginho leve diário...
- Senhorita, sabe muito bem que seu pai a quer magnífica. E é lisonjeiro fazer um vestido para seu futuro marido. Você sempre tem que ficar linda para ele. E eu sempre estarei aqui, pra fazer os melhores vestidos da corte!
- Porque não cala a boca?
- Desculpe alteza...


As trombetas soaram, e Nadine colocou rapidamente a coroa nos cabelos castanhos presos de Lira. Em seu vestido azul, com mangas em alças em forma de pétalas de rosa, Lira desceu a escadaria até a frente principal do castelo. Com o rosto mau humorado, postou-se ao lado de seu pai enquanto fitava Irian, à soleira da porta com outros serviçais:
- Sorria... - balbuciou teatralmente Irian, para que Lira lesse seus lábios, já que não podia escutar sua voz.
Lira revirou os olhos e forçou um sorriso, que mais parecia que ela tinha um gosto azedo na língua.

Uma cavalaria, onde predominava um vermelho vivo, vinha dos altos morros. Na frente, em um cavalo negro, um belo homem com a postura de um lord se aproximava, com sua roupa real preta e uma grande e cintilante capa vermelho carmim.

- O pessoal do norte gosta das cores escuras e macabras, não? - murmurou o rei Marshall para seu escudeiro, Naim.
- Parece um exército sombrio da morte. E é apenas a tropa de frente do príncipe Simon. - respondeu em sussurro o escudeiro.
- Começo a gostar de verdade dessa aliança. - falou Marshall, com um sorriso presunçoso.

O cavalo negro parou diante a escadaria do castelo, onde estavam Marshall e Lira, além dos serviçais e os soldados de confiança.
- Bem vindo, em paz, ao reino do sul! - exclamou o rei Marshall
- Já me sinto em casa, majestade. - respondeu Simon, em uma voz grave.

O príncipe desceu de seu cavalo, jogando a capa vermelha para trás. Sua roupa, embora preta escura, tinha detalhes dourados. Ouro, obviamente. Na bainha, uma espada da realeza reluzia ao sol. Simon era alto, os cabelos um pouco compridos e negros. A pele branca combinava com os olhos azuis claros acizentados. O sorriso branco e presunçoso acompanhava o ritmo de seu andar confiante. Sua estatura máscula e sua altura avantajada colocava qualquer outro príncipe da região para baixo.

Simon se ajoelhou diante do rei Marshall, e ao se levantar, olhou para Lira. Lira sentiu o coração disparar. Simon não era o que ela imaginava. Pensou que encontraria um almofadinha, talvez mais baixo, mais petulante, onde só sua aparência seria irritante. Mas o que tinha a sua frente era um verdadeiro príncipe, belo em seus traços masculinos e fascinante em seu aspecto principesco. Talvez não fosse tão fácil tirá-lo do caminho:

- A bela jovem é a princesa Lira? - perguntou Simon, com o mesmo sorriso presunçoso.
- Sim, minha filha Lira. - disse Marshall orgulhosamente.
- És tão bela quanto falam. - disse Simon, pegando a mão delicada de Lira e beijando cordialmente.
- Não posso dizer o mesmo. - disse Lira amargamente.

Simon riu despreocupado. Uma princesa, filha única, só poderia ser mimada. Achou que fosse pirraça da jovem princesa. Mas sua beleza delicada o havia fascinado também. Na mente de Simon, talvez Lira só precisasse de um tempo pra se acostumar com a idéia de que deixaria de ser filhinha do papai para ser esposa e rainha, dominada, logicamente, pelo rei, que seria ele. Simon sorriu de novo, rindo consigo mesmo. Lira rangeu os dentes e se pôs para dentro, correndo em direção à escadaria que dava para seu quarto.

O rei Marshall ficou desconcertado. Olhou com o olhar de desculpas para Simon.
- Ela... é meio geniosa. Mas é obediente...
- Não se preocupe. Adoro mulheres... espirituosas. - respondeu Simon com seu ar de galã.
- Entre, os servos o levarão até seus aposentos. E seus soldados serão devidamente tratados. A viagem foi longa, creio que está cansado.
- Muito... obrigado pela hospitalidade.

Irian, que observava, deixou a soleira da porta e se dirigiu para o quarto de Lira.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 6

Irian entrou em seus aposentos na parte baixa do castelo. Ele era um servo de luxo, visto que servia exclusivamente à princesa Lira. Ao chegar em seu quarto, havia uma bacia de agua quente esperando para relaxar e massagiar seus pés às mãos de sua serva, Jequibeth.

Jequibeth era uma menina de usn 15 anos. Ela cuidava da limpeza dos aposentos dos servos de luxo. Mas, especificamente, tinha mais adorno e cuidado com Irian. Na verdade, Jequibeth adorava Irian, e ele não era indiferente ao carinha da jovem serviçal. Irian dava presentes á Jequibeth, que variava de bolos e doces finos destinados apenas á realeza até algumas jóias de pouco valor. Tudo para conseguir a fidelidade dela:
- Boa noite pequena Jequibeth, ah que ótimo relaxar um pouco!
- Meu senhor Irian, é tão bom vê-lo feliz.
- Jequibeth, no guardanapo há um incrível pão de mel. A princesa Lira não quis comer, como sempre, fresca, rejeita a maior parte das coisas boas da vida. Pegue para você.
- Obrigada meu senhor. - respondeu Jequibeth, olhando com ar de especulação.

Irian olhou em volta, ainda relaxando os pés na agua quente. Depois, olhou de volta para Jequibeth com um sorriso sombrio.
- Está curiosa para saber dos fatos, jovem?
- Senhor, sempre me contas teus planos. Sou fiel e muda por ti. Mas me preocupo. Só me digas que está tudo bem.
- Está melhor do que nunca, Jequibeth! A idiota da princesinha confia em mim mais do que em si mesma. Está disposta a tudo para alcançar o trono. Vai ser fácil tirar o futuro marido dela do caminho, e depois o pai, o rei, também iremos acabar com ele. E quando ela for rainha, eu estarei por trás de cada ação dela. Ela é uma marionete influenciável e perfeita para que eu a controle. Eu serei rei, Jequibeth, rei! Através dela, reinarei! Eu serei dono de tudo! E não me esquecerei da sua fidelidade, pequena Jequibeth...
- Senhor, o meu prazer é vê-lo assim, contente.
- Mais que contente... REALIZADO! Amanhã o principe do norte, Simon Castella, chega ao reino do sul. Vamos conhecer o guerreiro sem cérebro. Estou ancioso para contratar os assassinos e acabar com a vida dele. Mas antes, vou deixar Lira pegar ódio dele. Dar-lhe uns dias de noivado e casamento pra que a raiva a motive ainda mais. Amanhã, Jequibeth, amanhã começa o nosso plano.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 5

- ISSO É UM ABSURDO! QUE PALHAÇADA É ESSA? ME CASAR? COM UM ALMOFADINHA DO REINO DO NORTE? PRA QUE? ELE CONSEGUIU IRIAN!!! CONSEGUIU ESTRAGAR TUDO! NOSSOS PLANOS, MINHA PROMESSA... TUDO!!! - gritava Lira, andando de um lado para o outro em seu quarto.

- Acalme-se Alteza por favor! Cuidado com o que grita. - falou Irian calmamente.
- O que? Como... como pode ficar tão calmo? Irian, ele quer me dar em casamento! Faz idéia do que isso significa? Um marido, um rei! Nosso plano era tirar meu pai do caminho e eu assumir o trono. Como vou assumir o trono se eu tiver um marido acima de mim? - falou Lira, mais baixo, mas ainda furiosa.
- Você é tão nervosa pequena Lira. Sabe que isso vai deixa-la cheia de rugas.
- Ora francamente Irian...
- Calma, não está tudo perdido.

Irian andou até a grande janela do quarto iluminado de Lira, ao lado da grande cama com lençóis de seda rosa. Virou-se para ela com seu olhar malicioso, e um ar superior irritante. Lira olhava atenciosamente para Irian, ofegando em seu nervosismo.
- Um marido... um príncipe almofadinha metido à herói vindo do norte... hahahaha. Chega a ser fácil demais!
- Do que está falando Irian?
- Estamos em guerra, minha princesa, em guerra! Pessoas morrem o tempo todo.
- Onde quer chegar?
- Seu pai ainda move exércitos por todo país em busca de terras. Esse príncipe do norte é Simon Montreviére Henry Castella, famoso por liderar os exércitos de seu pai, o rei do norte. Com certeza ele tem um monte de cicatrizes em seu corpo.
- E daí?
- E daí que seu pai, o rei do sul, aceitou essa aliança pela fama de Simon. Era tudo o que ele queria, alguém com a mesma sede de guerra. Ele vai querer que Simon vá para suas guerras. Enquanto não for rei, ele será o chefe do exército de seu pai, juntamente com os grandiosos exércitos do norte!
- Você está me deixando confusa... - bufou Lira.
- Case-se com esse idiota, Lira. Faça a vontade de seu pai. Não tem como escapar disso. Ele pode obrigá-la, se quiser.
- Irian, mas... mas e a promessa?
- Se case com Simon, e ele será chefe do exército, frente de batalha.
- Está... está esperando que esse almofadinha morra em alguma batalha? Qual é a sua Irian? Sabia que isso pode NÃO acontecer? E se ele nunca morrer?
- Sua inocência às vezes me assusta, princesa. Preste a atenção. O exército de seu pai é numeroso. É fácil infiltrar homens, que com uma pequena quantia de dinheiro farão o que a senhorita quiser. Esse homens podem matar Simon em batalha. Sim... uma traição. E ninguém suspeitará que foi uma trama, pois em guerra... as pessoas simplesmente morrem!

Os olhos de Lira, estreitos em toda a conversa, agora se abriam em uma luz de entendimento. A respiração, nervosa e ofegante, agora acalmava com os batimentos de seu coração. O marido, que ela nem conhecia ainda, já tinha os dias contados. Mas uma sombra de hesitação pairou sobre seus olhos:
- Um assassinato Irian? Acha mesmo que isso é... necessário?
- Ora pequena, desde quando existe solidariedade e compaixão com animais sanguinários como seu pai ou seu futuro marido? Eles são cruéis, homens de guerra. E não sei por que isso agora, se o primeiro plano era assassinar seu pai.
- É diferente... meu pai matou minha mãe!
- É igual. Simon matou milhões de inocentes em batalha. Dente por dente, sangue por sangue.

Lira hesitou mais um instante, e então rangeu os dentes remoendo algo em sua mente. Parou e olhou friamente para Irian:
- Então assim seja! Diga a meu pai que me caso!

Logicamente, o rei Marshall recebeu a notícia em êxtase. Afinal, agora teria tudo o que queria. A filha amada segura nos laços matrimoniais com um guerreiro hábil e inteligente como Simon Castella. E herdaria dois reinos, do norte e do sul. Isso era maravilhoso. Mas para Lira, só havia uma emoção - a tensão no ar de uma traição vigente.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 4

- Ah minha filhinha, como está bela esta manhã. A verdade é que fica cada vez mais bela a cada dia! E combina tão bem com a primavera! - exclamou o rei Marshall entrando no grande saguão com os braços abertos.

O rosto de Marshall era sempre sério, amargo. Mas quando Lira estava em seu campo de visão, isso mudava. Um sorriso sincero dominava seus labios finos. E um brilho fraco vinha do fundo de seus olhos. Lira era o único pedacinho vivo de Laura que havia lhe restado. Na verdade, ela era o único motivo pelo qual ele ainda vivia. E talvez a sede de poder fosse um ato desesperado para compensar futuramente Lira pela perda da mãe, lhe deixando um reinado próspero quando se juntasse aos reis antepassados. Ele amava a filha, mas Lira não se deixava comover.

A princesa virou o corpo do piano e olhou para o pai amargamente, como sempre fazia, desde criança. Com a influência de Irian, seu servo, Lira alimentou durante anos um ódio imenso pelo pai. Para Lira, Marshall era um monstro que tinha matado a sua mãe, e do qual agora ela precisava arrancar o reinado pelo bem do povo.

- Sabes muito bem, majestade, que odeio primaveras! - disse num tom ríspido Lira, se levantando e fazendo reverência à Marshall.
- E você sabe que odeio que me chame assim. Quantas vezes já lhe disse pra me chamar de PAI?
- Pois bem... pai... devo me retirar ao meu quarto para estudar um pouco. Se me der licensa?
- Espere filha, tenho uma novidade para você! - exclamou Marshall num tom alegre.
- Diga então.
- Fiz uma aliança com o rei do Norte. Já deve ter ouvido o quanto os exércitos dele são poderosos. Estávamos à meses tramando estratégias para dominar o território del...
- Poupe-me disto está bem? Não me interessa suas ações de guerra! - cortou Lira.
- Calma. Vou ser mais objetivo. Bem... o rei do Norte soube que estávamos tramando contra ele, e já ouviu falar da fama de glória e exércitos indestrutíveis do nosso reino. Para evitar uma batalha que resultaria em perdas tristes em ambos os lados, ele mandou uma carta propondo uma aliança, e eu aceitei prontamente!
- E essa aliança tem o que a ver comigo?
- Bom. O rei do Norte, Armotis, tem um filho. Um rapaz inteligente e forte. O príncipe Simon, seu filho único. O reino do Norte será dele futuramente, pois é o unico herdeiro do glorioso trono. E aqui, a ùnica herdeira do trono é você. Mas você é só uma mocinha, e sempre temi deixar o reino em suas mãos. A aliança é um casamento entre você e Simon. O reino do Norte e do Sul se tornarão um só quando Simon assumir o trono, e será o maior reinado de todos. Belíssima aliança!
- O quê? - disse enfurecida Lira - vo-vo-... você vai me dar em casamento? Isso é um absurdo.. eu n... - e uma mão calma pousou no ombro de Lira.

A voz rouca e calma fez Lira se calar. Ela sempre escutava Irian:
- Creio que a feliz notícia pegou nossa princesa de surpresa. Dê um tempinho a ela, majestade, e então poderão conversar com calma. Não fica bem para vossa majestade discutir em frente à todos estes servos. Por que não vai para o quarto relaxar um pouco alteza? - disse Irian calmamente despreocupado.
- Mas Irian... - falou Lira.
- Calma princesa... tudo bem. Tudo vai ficar bem.

Lira olhou desconfiada para Irian. Mas não ia reclamar. Ele sempre sabia o que estava fazendo. O rei olhou para a filha preocupado.
- Ah Lira, conversaremos mais tarde. Mas pense bem minha jóia. Você ficaria bem mais segura casada com um príncipe à espera do trono.

Em passos duros Lira saiu do saguão em direção à seu quarto. O pânico comía-lhe a sanidade. Ela havia prometido à sua mãe que tiraria o reino das mãos de seu pai. Mas como faria isso se estivesse casada? E se esse tal de Simon fosse tão cruel e mesquinho como seu pai? Como ela reinaria se o reinado cabe ao marido e rei? Dessa forma a promessa não seria cumprida. E o desespero de Lira transparecia aos olhos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 3

A brisa quente vinha do horizonte, trazendo consigo o aroma das flores de mais uma primavera. O sol cintilava no céu, e o azul era estondeante. O castelo estava mais belo, mais decorado e ainda maior do que era antes. As terras que pertenciam ao domínio do rei Marshall aumentaram. À alguns anos ele iniciou uma política de avanço de território. Seus exércitos reais eram maiores. E a classe burguesa tinha prosperidade. Mas os camponeses do vilarejo tinham perdido a paz. Com mais poder, mais terras, veio também a má distribuição de alimentos. Eles passavam necessidade. Mas o rei não se importava. Não tinha mais coração... não tinha mais sensatez.

Quantas primaveras haviam se passado desde aquela triste em que Laura faleceu? A contagem eram de 12 primaveras. Durante esses 12 anos, Marshall se tornou amargo, deixando dominar em si uma mente política, onde só o que importava era cada vez mais poder.

Um vestido rosa queimado de seda cintilava no alto da escada. Se arrastava por cada degrau como uma pluma empurrada pela brisa suave. Os pezinhos delicados postados em sapatilhas trabalhadas a ouro eram tão graciosos. A cintura apertada num espartilho entalhava perfeitamente a silhueta. Os cabelos castanhos presos em fivelinhas de prata num perfeito penteado permitiam pequenos cachos caídos rente ao pescoço. Os olhos azuis não mais infantis. Neles, não jaziam mais o brilho inocente. Uma névoa os tornava tristes e perdidos. Os lábios perfeitos em traços delicados, nunca demonstravam um sorriso, apesar dos dentes alvos e brancos. A estatura de princesa não inibia o rancor de uma infância traumatizada. Ah, belíssima princesa Lira, em seus 20 anos!

Logo atrás de Lira, vinha Irian, seu fiel servo. A cabeça ainda raspada, o bigode ainda alvo, mas com pequenos detalhes que pareciam ser fios brancos entre os tantos que ainda eram negros. Lira se dirigiu ao piano que estava no centro do saguão. Diante do piano havia um enorme quadro pintado em tinta à óleo da rainha Laura. Uma doce música dominou o local. E a voz suave de Lira soava como um instrumento musical de cordas delicado, que fazia jus ao seu nome. A letra da música trazia alusão a uma homenagem à falecida rainha. Os olhos de Lira se enchiam de àgua toda vez que tocava a música que ela mesma compôs para sua mãe. Terminado o que havia se tornado um ritual matinal, Lira abaixou a cabeça e sussurrou na sala silenciosa:
- Eu ainda me lembro da promessa...

Atrás dela, Irian sorriu maliciosamente. Havia tramado algo. E já estava plantando na mente atormentada pela dor de Lira um golpe contra Marshall. Logo, pai e filha entrariam em um conflito irremediável.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 2

O brilhantes olhos azuis percorriam o corpo de Laura e o sangue no chão. Marshall continuava em choque olhando a esposa morrer, um dor aguda lhe rasgando o peito por dentro. Ele sabia que era sua culpa. Mas não, ele não queria machucá-la, ele a amava. O que? Não ela não podia morrer! O rei Marshall se levantou e correu a gritar pelos corredores do castelo:
-GUARDAS! POR FAVOR, TRAGAM O MÉDICO, GUAAAARDAS!!!

Uma mão branca e fraca se esticou em direção aos olhos azuis infantis arregalados. Um sinal docemente suave a chamava para mais perto:
- Minha filhinha, Lira - a voz fraca de Laura estava falhando - meu amorzinho...

Lira se aproximou de sua mãe, e ajoelhou-se perto de sua cabeça.
- Mamãe? Está doente?
- Ah minha filha. Mamãe se machucou muito. Mamãe vai dormir agora, para sempre.
- Mãe, o que aconteceu, papai jogou isso em você?
- Escute Lira, meu bem - disse Laura ofegando - mamãe precisa que você me prometa uma coisa. Prometa que vai crescer forte e linda como eu sempre sonhei. Prometa que vai ser justa e honesta como meu pai, o rei antes de Marshall. Prometa que quando for adulta vai ser rainha e vai tirar o reino das mãos de seu papai... prometa...
- Mamãe, papai é rei. Não posso ser rainha, você disse que só seria rainha se você nunca tivesse um filho homem, e eu me casasse com um...
- Esqueça tudo o que eu disse filhinha. Só me prometa que será rainha. Que vai tomar o reino do seu pai quando chegar a hora. Papai é mau Lira, só você pode salvar o povo. Prometa meu amor... prometa...
- E-eu,... e-eu prometo mamãe.
- Eu acredito em você Lira do meu coração. O reino será seu por direito - sussurrou Laura perdendo o restante de seu ar - Adeus minha filhinha...

E numa lágrima suave, Laura expirou e morreu. Lira ainda olhava a mãe sem saber exatamente o que estava acontecendo. Choacalhou o braço de sua mãe, chamando seu nome, mas Laura não respondeu. Foi quando uma mão masculina tocou o pequeno ombro da menina:
- Mamãe está bem agora princesa... está dormindo em paz! - disse a voz rouca atrás da criança.

Lira olhou e reconheceu o homem que cuidava de Laura, seu servo de maior confiança. O nome dele era Irian, um eunuco que tinha a cabeça raspada e um bigode saliente no rosto. Lira se lembrava de como sua mãe gostava de Irian, o quanto ele era sempre gentil com ela e com Laura. Duas lágrimas sairam de seus olhos pequeninos, e Lira abraçou o amigo mais achegado de sua mãe.
- Isso pequena, chore... a dor vai passar, e eu vou cuidar de você!
- Irian, mamãe não acorda.
- Eu sei pequena Lira, ela não vai mais acordar minha doçura. Eu ouvi, você fez uma promessa à sua mãe. Agora você tem um objetivo. Princesas, quando dão a sua palavra, sempre a cumprem. Vou te ajudar a cumprir sua promessa. Não vou deixar você se esquecer dela. Você vai ser a rainha Lira... e seu pai, mal e cruel, vai cair do trono.

De certa forma, aquelas palavras sairam maliciosamente àsperas. Mas Lira era muito pequena pra não confiar no eunuco. Olhou para ele com os olhinhos molhados e assentiu.

Os guardas e o médico real entraram na sala de antiguidades. O rei Marshall logo atrás, tremendo desesperado:
- Um acidente, foi um acidente, ela vai ficar bem, não vai? - repetia alucinadamente Marshall ajoelhado perto da esposa.

O médico pousou levemente dois dedos no pescoço delicado de Laura para sentir sua pulsação. Balançou a cabeça melancolicamente e olhou para Marshall:
- Já está morta. Perdeu muito sangue. O coração parou. Não há nada que possamos fazer... - disse quase sussurrando o médico.

Os olhos claros do rei Marshall se arregalaram prontamente. Sua visão era turvada por um monte de lágrimas. A dor fulminante vinha do fundo das batidas de seu coração. O rosto se enrugava na expressão mais dominante de dor. Ele havia matado a esposa que tanto amava. Caiu sobre o corpo frio inconsolável. Como poderia conviver com isso dalí em diante?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A Última Traição - Parte 1

*Nova História


O castelo ficava depois da grande floresta. Era primaveira, e uma brisa leve rondava as mais altas torres. As frondosas àrvores liberavam o perfume amável de suas flores. A paz reinava no vilarejo próximo e o silêncio da manhã combinava com a situação. Mas algo quebrou o silêncio do grande castelo do Rei Marshall.

O rei e sua esposa, Laura, discutiam no grande saguão de antiguidades reais. O motivo da briga era o ataque que Marshall queria conduzir à cidade vizinha para dominá-la e matar o rei dela. Mas Laura, sua esposa, não concordava com as atitudes do marido, quando eram cruéis. Ela o amava muito, e na maioria das vezes conseguia impedí-lo de fazer maldades. Mas dessa vez ele estava determinado, nada o fazia mudar de ideia, e a briga ficou acalorada:
- Marshall, você não tem escrúpulos? Como pode atacar gente inocente? Você sabe que essa cidadezinha é fraca, pequena, e o rei dela é humilde. Por que fazer mal a ela?
- Laura, pare de gritar! Eu sou um rei, tenho que expandir meu reinado. Você não consegue entender isso?
- O que eu não entendo é essa sua maldita sede de poder!

Marshall deu a volta por trás duma antiguidade postada em uma coluna baixa. A antiguidade era uma arma, um grande arco com uma flecha postada. A grande flecha era prateada e afiada, e estava perfeitamente em posição para ser lançada. Laura ainda gritavam tentando obter do marido um pouco de juízo. Mas Marshall ainda levantava as mãos e discordava de sua sensata esposa.

No calor da briga, Marshall bateu o braço no arco, que sensível ao toque, disparou a flecha em direção a Laura. A flecha acertou seu abdômen e a lançou contra a parede. Caída, Laura ofegava. Marshall ficou desesperado e correu em direção à esposa:
- Não, não... Laura, eu... foi sem querer, eu juro!

Na entrada, um par de olhos azuis observava assustado. Os olhos eram delicados e infantis. Estavam arregalados, porque haviam presenciado a cena. Era a pequena Lira, princesa e filha de Marshall e Laura. Ela tinha só 8 aninhos:
- Ma-mãe?

E o sangue de Laura se espalhava pelo chão.

sábado, 5 de setembro de 2009

O Palco de Agatha - Parte 23 - FINAL

- WOOOOOOOOOOOOOWWWWW!!!! - agitava o carro de polícia do lado de fora.

- Ah droga, a polícia! - assustou-se Gerard.
- Quem chamou a polícia? - perguntou Tomas, ainda ajoelhado no chão.
- Ah, e-eu chamei. Sei lá, não sabia que voce ia convencer Agatha a se matar.
- Como vamos explicar a polícia esse monte de corpos aqui?
- Desculpe Tom, eu só quis ajudar...

Tomas beijou a testa de Agatha e fitou seu rosto perfeito uma última vez. Deixou-a no chão, com o corpo frio e branco, deitada em seu sono eterno. Levantou-se, pegou a mão de Antonella e o braço de Gerard, e se posicionou para sair das ruínas. Do lado de fora, dois carros de polícia esperavam, armados.
- Olá policiais. - cumprimentou Tomas, abatido pelo ocorrido.
- Ora ora, vejam só. Três adultos? Disseram no telefone que eram um bando de adolescentes vandalizando por aqui. - resmungou o policial mais alto.
- Fu-fui eu que liguei. Eu só queria atrair a polícia pra cá, e se eu contasse a história verdadeira, ninguém acreditaria - gaguejou Gerard.
- Vocês estavam dentro das ruínas? Ei, vocês sabem que aqui é uma àrea de risco? Perigo de intoxicação e irradiação. Tem um líquido venenoso derramado por toda parte, o local está isolado por causa disso... - tagarelou outro policial, preocupado.
- A gente sabe. E é por isso que entramos. Se entrarem verão vários corpos. Os mortos do acidente do teatro se tornaram zumbis e tentaram nos matar. Podem vasculhar os corpos, eles tem o corpo frio e estranho, olhos verdes horripilantes. - se intrometeu Antonella.
- Estão tentando zoar com a nossa cara? - perguntou um policial, com os olhos desconfiados.
- Sou Gerard Stewith, um conceituado cientista. Posso atestar sobre a base de meus diplomas que esta senhora está falando a verdade. O líquido tóxico provocou alguma reação nas células vivas dos corpos e os reavivou. Eles se tornaram seres um pouco corrompidos, porque a reavivação não foi perfeita. Estavam descontrolados e loucos, e queriam nos matar. Vasculhem o local, vão ver que falamos a verdade.

A história de Gerard, Tomas e Antonella foi atestada. Os corpos era prova viva da impossibilidade macabra que ocorrera alí. Os corpos foram recolhidos, com a medida certa de segurança, e levados para um tipo de cemitério especial, onde os corpos foram congelados para não transferirem nenhum perigo a outros seres vivos.

Tomas reclamou o corpo de Agatha; queria enterrar finalmente sua falecida esposa. Mas o governo foi cruel em sua decisão. Para o bem geral, Agatha foi congelada eternamente com os outros zumbis. Gerard e Tomas continuaram amigos, principalmente pelo fato de que Gerard arriscou a vida para tentar salvar Tomas. Se antes já eram como irmãos, agora a fraternidade era inquebrantável. A única coisa frágil nos relacionamentos agora era seu casamento com Antonella. Tomas não podia continuar casado com ela. Esse acontecimento só trouxe de volta toda a angústia e depressão de Tomas, como na época inicial do acidente. Antonella não suportaria lutar pelo amor de Tomas outra vez, como fizera a vida toda. O divórcio foi aceito por ambos, mas nem ao menos uma amizade perdurou. Antonella agora odiava Tomas, e seu ódio comum por Agatha se agravou mais.
- Aquela maldita. Até morta pela segunda vez consegue acabar com a minha vida! - era só o que sabia resmungar todos os dias.

O local do acidente, onde ficou apenas ruínas do teatro Del Bellis, foi limpo pelos oficiais do exército militar. Em lugar do enorme tetro, foi construída uma praça verde com várias àrvores frondosas. Mesmo com a bela paisagem, o local era sombrio. A praça foi contruída como homenagem às vitimas do acidente. O nome dado ao local foi "Eternal life strange shadow", que significava "Eterna sombra da vida estranha", que representava bem a estranha e curta vida que os zumbis obtiveram pelo líquido tóxico.

Tomas passava todo fim de tarde naquela praça, todos os dias de sua vida, sempre com um buquê de rosas brancas nos braços, que deixava no banco frio que se sentava. Dizem que toda vez que o sol cai no horizonte e a lua se posta no céu, o som de piano suavemente domina por entre as àrvores.


FIM
FIM

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O Palco de Agatha - Parte 22

A música era como uma névoa expessa que dominava as ruínas e penetrava na alma apertando os corações que ainda batiam. Andrew sempre tocou piano como um anjo, mas agora seu toque parecia mais uma marcha fúnebre. Os olhos dele estavam fixos nas teclas do piano, tristes.

Agatha ainda estava diante de Tomas com a faca na mão. Tomas olhou desconfiado e deu um passo para trás demonstrando sua desconfiança. Mas Agatha apenas sorriu; um sorriso melancólico sem expressão, com os olhos pesarosos:
- Eu fui feliz Tom. Tive o casamento mais lindo do mundo, e realizei meu sonho de ser bailarina. Ah Del Bellis. Eu fui o alfa deste lugar, e meu fiel amigo Andrew, o beta... - riu triste consigo - Sabe Tomas, na noite em que eu acordei, desesperada e confusa, só havia uma coisa em minha mente. Você! Minha vida é você, sempre foi. Você não estava certo quando disse que sua bailarina se perdeu para sempre. Eu vou estar sempre viva em seus olhos. Não importa que você ame Antonella, ou que se lembre de mim só de vez em quando. A única coisa que me importa é que sou parte do seu passado feliz, parte da sua vida, e isso me torna um eterno reflexo singular, mesmo que suavemente fraco, em seus olhos castanhos. E hoje, diferente daquele dia em que este teatro caiu sobre a minha cabeça... hoje você pode me dizer adeus...
- Agui... - suspirou Tomas, com os olhos vermelhos derramando duas lágrimas pesadas que correram até seu queixo quadrado.
- ... adeus meu amor... -respondeu Agatha ao suspiro triste de Tomas.

Com a faca que Gerard levou até lá, Agatha passou a lâmina prateada vagarosamente em seu pulso direito. Seu rosto era perfeito em traços brancos e frios de porcelana. Uma perfeita boneca, com o rosto sereno. A lâmina abriu uma fenda em seu pulso de porcelana, deixando derramar um líquido florescente que corria em suas veias. Enquanto o fluído macabro que dava vida à Agatha escorria de seu pulso direito, ela passou a mesma lâmina no esquerdo. Largou a faca ao chão, suspirou e tombou. Antes que caísse, Tomas segurou seu corpo, tão forte, mas com aparência tão frágil de que quebraria se atingisse o chão. Os lábios de Toma tremiam, e o desespero em seus olhos ardiam:
- Agui... Agui... minha... minha bailarina, me perdoe... - choramingou Tomas
- Ah Tom, é bom te ver olhar assim pra mim outra vez. - murmurou a voz fraca e evanecida de Agatha - É bom adormecer em seus braços uma última vez.
- Eu não acredito que estou perdendo você de novo... eu... Agatha, não era verdade o que eu disse, mas eu precisava dizer... eu amo você, nunca superei ter te perdido... nunca vou superar... eu amo, e a parte de mim que restou depois do acidente agora está se quebrando também, junto com cada suspiro seu.
- A vida é engraçada... às vezes ela nos dá coisas apenas para ter o prazer de tirar depois. - ainda suspirou Agatha, usando as mesmas palavras que Tomas disse quando descreveu a ela a dor de perder sua bailarina - Ou talvez a vida tenha se zangado com a morte por ter passado a perna nela e me roubado de você cedo demais... e para zombar da morte, a vida me trouxe de volta de forma diferente só pra que eu tivesse a chance de lhe dizer adeus...
- Não Agui... a...
- Shhhhhhh ... adeus Tomas...
- A-adeus Agui... - Tomas murmurou com dificuldade, enquanto as lágrimas caíam de seus olhos.

Agatha tombou a cabeça e seus olhos verdes cintilantes se fecharam para sempre. Em volta de Agatha e Tomas havia uma poça do líquido verde que se esvaiu das veias da bailarina. Nesse momento Andrew parou de tocar o piano. Levantou-se, e agora seu rosto não continha mais a expressão dolorida como quando tocava. Olhou ternamente para sua amiga sem vida nos braços de Tomas.
- Adeus Agui. Para sempre no sono eterno... e o cisne mais gracioso de todos adormeceu na morte em nosso lago, que agora são apenas ruínas. -sussurrou Andrew, docemente para sua melhor parceira de dança.

Andrew e todos os zumbis restantes se cortaram com o objeto perfurante mais próximo, deixando o líquido maligno jorrar para sempre, levando consigo suas vidas estranhas. Os cipós que antes ligavam Agatha às ruínas, murcharam, e o local ficou mais escuro, como se também perdesse a sua vida.

Gerard ainda estava com os olhos arregalados. Antonella só fiatava Tomas, que ainda segurava Agatha em seus braços, passando a mão suave em seu rosto de porcelana sem vida.

- Wow, caaaara. Que maluquice toda foi essa! - exclamou Gerard.
- Tomas, vamos sair daqui! - reclamou Antonella.

Tomas não respondeu. Parecia ainda estar em transe com a morte de sua amada. Afinal, era a segunda vez que ele a perdia. Mas um som quebrou seu transe; um som impertinente.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O Palco de Agatha - Parte 21

Tomas olhou para Agatha novamente. Deu três passos e se aproximou mais do palco. Seu olhar era dolorido, agoniado. As mãos fechadas em punho. O rosto triste com um sorriso melancólico:
- Um dia Antonella me apresentou uma garota no colégio, que era sua melhor amiga. Ele era tão linda. Tinha os cabelos negros compridos e lisos, e os olhos eram tão azuis. Naquele dia eu descobri o meu céu. Nada mais importava, meu único objetivo daquele dia em diante era fazer aquela garota sorrir. E quando ela dançava ballet, era mágico. Era como se a minha alma saísse do corpo e não conseguisse mais voltar. E quando eu me casei com essa garota, eu me tornei o cara mais feliz do mundo todo... mas... a vida é engraçada. Às vezes ela nos dá coisas apenas para ter o prazer de tirar depois. Minha bailarina se perdeu para sempre quando esse teatro desmoronou.

Agatha olhava Tomas emocionada. As sombrancelhas se uniram numa espressão de quem ia chorar. Ela se aproximou da ponta do palco, olhando Tom com seu sorriso meigo de boneca de porcelana:
- Não Tom, não meu amor... você não me perdeu... eu estou aqui, pra você, pra sempre.

Tomas fitou o chão, e novamente olhou para Agatha. Agora seu olhar não era mais melancólico e sim duro, frio e gelado. O rosto agora era sério, e as palavras soavam como farpas:
- Você? Eu não conheço você. Minha Agui não é um ser maligno que causa dor aos outros. Minha Agui nunca me machucaria, nem aos meu amigos. Ela era doce, ela era amor. Olhe pra você, Agatha! Você é um monstro. Que tipo de ser você é? Com esses cipós presos ao seu corpo, com esses olhos e poderes horripilantes. Você é má, você é puro ódio. Por você, esse corpo frio e essa alma negra, eu não sinto nada. Você não é a minha Agui... nunca mais vai ser!

Aquilo não era apenas farpa, mas estilhaços de vidro correndo pelas veias de Agatha lhe causando dor. Os labios de porcelana tremiam, o rosto de boneca estava angustiado e os olhos verdes cintilantes, embora não pudessem derramar lágrimas, estavam agonizantemente tristes. Mas ela sabia que Tomas estava certo.
- Tem razão... -suspirou a bailarina - eu sou um monstro. O que eu estava pensando? A verdadeira Agatha, por mais poder que tivesse, jamais machucaria uma mosquinha. Eu não deveria estar viva. Eu não existo mais. Não quero que a presença desse monstro que eu sou apague a imagem de que eu era. Só há dois sentimentos em meu coração. Meu ódio obscessivo por te perder, e meu amor psicótico deformado pela morte. Eu te amo Tomas, e por isso não vou mais te atormentar.

Aquilo também rasgava Tomas por dentro. Jamais em sua vida ela achou que um dia teria de magoar Agatha. O objetivo de sua vida era fazê-la sorrir, não chorar. Os estilhaços nas veias de Agatha também corriam na veia de Tom. Lágrimas pesadas caíram de seus olhos, mas Agatha não percebeu. Ela estava imersa em devaneios, a dor estava anestesiando a realidade. Agora ela era uma perfeita boneca de porcelana, parada, com os olhos perdidos.

Os cipós que enforcavam Antonella e Gerard se afrouxaram e suavemente os colocou no chão. Retrocederam e libertaram também as pernas de Agatha. Andrew, ainda no piano, fitava a grande parceira de ballet, como se pudesse ler a sua mente. Agatha se virou para ele, e ele entendeu o seu olhar:
- Sim, é o certo a fazer... -suspirou o bailarino.

Andrew começou a tocar uma música de ballet no piano. A música era triste, como se tocasse para o velório de um cisne. Seu rosto, sempre sereno, agora estava mergulhado numa tristeza que Tomas, Antonella e Gerard não compreendiam. Os três se entreolharam, e depois voltaram a fitar Agatha, sem saber o que ela faria agora.

Agatha olhou Tomas com um sorriso melancólico, pois-se novamente na ponta dos pés e dançou como um cisne até a faca caída perto do palco. Pegou a faca e olhou novamente para Tomas:
- O certo a se fazer...

O Palco de Agatha - Parte 20

O piano ainda tocava. Agatha ainda dançava. No chão, Gerard ainda ofegava. E os zumbis continuavam ajoelhados fitando o palco.

Tomas e Antonella entraram de mãos dadas no ambiente macabro onde o centro era o palco de Agatha. Andaram em direção ao palco, com os olhos fixos na bailarina. Ela rodopiou, e parou numa posição elegante de ballet. Na ponta dos pés, se indireitou, estendeu a mão em direção ao piano, e Andrew, seu fiel amigo, que tocava, parou e olhou para ela. Agatha olhou Tomas e Antonella, e sorriu:
- Bem vindos ao meu palco! - saudou gentilmente a bailarina com os lábios de boneca de porcelana.
- Ora, ora, estão vivos. E não perderam nenhum braço e nenhuma perna. O dano máximo foram apenas arranhões. - disse despreocupadamente Andrew, ainda sentado ao piano.

Tomas passou o olhar e viu Gerard caído no chão, ofegante.
- O que? Gerard... mas... o que está...?
- Ele veio salvar vocês. Que gracinha né? - zombou Agatha.
- O que fez com ele sua bruxa! - gritou Antonella, largando a mão de Tomas e correndo em direção a Gerard.
- Eu estou bem. Ela quase me estrangulou, mas me deixou vivo porque acho que tem planos mais horripilantes pra nós três. - respondeu Gerard, se levantando com a ajuda de Antonella.

Antonella e Gerard se aproximaram de Tomas. Tom no meio, Antonella do lado direito e Gerard do esquerdo. Juntos, fixaram o olhar na bela bailarina dos olhos verdes cintilantes, como se esperassem um veredicto. Ela sorriu sarcasticamente:
- Então é isso. Querem saber o que tenho guardado para vocês?
- Não. Quero que libere Gerard e Antonella e faça comigo o que quiser. - respondeu Tomas calmamente.
- Ah... abnegação. Claro! - respondeu asperadamente Agatha, andando na ponta dos pés ainda no palco. - Não... não estou a fim de deixar a loirinha vagabunda viva e muito menos o palerma cientista. Os dois tem um lugar especial em meu ódio!

Dois grandes cipós circularam a cintura e o pescoço de Antonella e Gerard, pronto para quebrar-lhes o pescoço e a costela à vontade de Agatha. Tomas olhou desesperado e apelou:
- Agui... por favor. É seu amor por mim que te faz ter raiva deles dois. É a mim que você quer! Pare, deixe-os ir... mate a mim e me transforme no que você quiser.
- Meu amor, eu sei o quanto você me ama. Sempre soube. Mas essa loira maldita e esse cientista bocó realmente me irritaram. Não vou deixa-los viver, mesmo que mate a você depois deles. Só um minuto e tudo estará acabado. - respondeu Agatha.

Tomas olhou para seus pés. Quanto mais ele implorasse pela vida de Antonella e Gerard, mais ódio incitaria em Agatha. Não poderia usar psicologia reversa, porque Agatha também se sentiria incitada a acabar com a vida dos dois. Tinha que ser objetivo, tinha que tocar na maior fraqueza de Agatha. Tinha que tocar seu coração. Rasgando o coração de Agatha, ele também machucaria o seu. Mas era a única forma. Arriscado, porém. Ou Agatha desistiria e sofreria, ou borbulharia em ódio e acabaria com os três, dispensando a idéia de ressussitar Tomas com o líquido tóxico depois. Não importava. Ele tinha que tentar.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O Palco de Agatha - Parte 19

O cipó cortou o tempo e a gravidade em direção ao pescoço de Gerard. Circulou sua jugular e o levantou em meio a corrida. Os pés e as mãos se agitavam:

- HAHAHAHAHA!!! Gerard! Não acredito!! Grande cientista Gerard. Só faltava realmente você para completar a festa.
- O-o-on-de eles es-es-tão?
- Ah qual foi a última vez que nos vimos... ah sim, no jantar na casa de Antonella. Sabe Gerard, não tenho muitas boas lembranças de você. Sempre foi amigo de Tomas, sempre fiel e sempre ... INFLUENCIADOR. - ela se aproximou, ainda com o braço apontado em direção à Gerard - Adorava quando você dizia a Tomas como Antonella era bonita, e como gostava dela. Você sempre a mantinha na cabeça dele.
- A-a-agatha. E-eu nunca, nunca influ-fluenciei Tom a na-nada. E-e-ele sempre a-amou você. Mas, ago-go...
-AGORA NADA!

O cipó ainda apertou um pouco mais o pescoço de Gerard, impedindo que ele dissesse algo. Os olhos verdes cintilantes de Agatha fitavam os de Gerard no fundo. De repente, ela começou a sorrir outra vez:
- Que faquinha patética é essa? Não... não, você não estava achando que realmente ia me matar com esse lixo, não é?
- A-a-ag...
- Tudo bem Gerard, entendo que não esteja muito disposto a falar agora. Me perguntou de Tomas e Antonella. Bem, ainda não estão mortos, obviamente, senão eu já saberia. Pelas informações que tenho, estão correndo pelo subterrâneo insandecidos com os horrores de um labirinto que criei só para eles. Sabe... quando vi você entrar correndo com aquela faca na mão, seu idiota petulante, pensei seriamente em te jogar no labirinto também... maaas, como você sempre torceu pra que Tomas ficasse com Antonella, acho que será melhor deixar que você veja aquela loira vadia morta com uma expressão de pavor no rosto. E quanto a Tom... MEU Tom... vo amar ver a sua cara quando ver que ele se transformou num ser como eu.
- Nã-ã...
- Siiiim... um zumbi... é assim que tem me caracterizado não é... zumbi! Pois bem, sou um zumbi.-Agatha largou o pescoço de Gerard e ele caiu ao chão sufocado, puxando o ar de volta a seus pulmões. - Isso, respire meu amigo Gerard. Logo tudo estará acabado. E eu terei o prazer de matar você também.



O estalos eram apavorantes. Esguixos de líquido florescente por toda parte. Cabeças esmagadas, braços mutilados - zumbis caindo mortos no chão. Antonella não gritava mais, apenas olhava aquela cena sem acreditar que realmente estava passando por aquilo. Os olhos arregalados e a boca escancarada, na expressão aterrorizada. Tomas, tomado pela adrenalina, fervendo e perdendo a razão golpeava com a barra de ferro os zumbis que se aproximavam. Claramente, Tomas também estava machucado. Sua camisa azul-bebê estava toda suja pelo líquido florescente que jorrava dos corpos frios que ele golpeava. Um rasgo longo e desfiado na manga revelava um corte profundo que sangrava. A respiração ofegante e o suor no rosto demonstrava o quão cansado e atormentado Tomas estava.

Um último golpe - uma ultima criatura no chão. A ponta da barra de ferro agora parava de golpear e tocava o chão, apoiando o corpo cansado de Tomas. Ele, encurvado, respirava agitado. E Antonella continuava com os arregalados, agora ajoelhada no chão. De repente, uma música cortou o baque da luta. O som de piano que vinha suave fez Tomas abrir os olhos. A boca de Antonella se fechou, e ela conseguiu piscar os olhos, enquanto procurava a fonte da música. Um luz fraca jazia de uma fresta numa curva. Finalmente Tomas olhou para Antonella, os olhos perdidos e inseguros:
- Encontramos... a saída... a saída que dá para o palco.
- Ela vai nos matar.

Tomas largou a barra de ferro e se pois de pé. Agora Antonella sabia que ele não pretendia golpear Agatha. Por que? Ela não compreendia. Talvez ele soubesse que naquele palco, diante de uma platéia de mortos vivos, ele nunca conseguiria golpeá-la. Não... ele não podia ainda amar Agatha depois do que ela fez. Não estava largando a barra de aço porque não tinha coragem de ferir a falecida esposa. Isso era inconcebível. Não era hora para fazer suposições. Antonella confiava em Tomas. Ele estendeu a mão para ela, e ela segurou firme, sem pensar duas vezes. E então eles se dirigiram para a curva iluminada.