quinta-feira, 9 de junho de 2011

O Epílogo - Capítulo 1: Expectativa

Eu devia ser a pessoa mais feliz do mundo. Havia passado em Direito na Universidade Yale. O curso mais cobiçado do mundo na universidade mais desejada do mundo. Mas minha expressão mórbida refletida no espelho enquanto penteava meu cabelo não revelava essa felicidade. Era como se eu estivesse em transe. Meus grandes olhos azuis parados, sem brilho algum. Até mesmo meu cabelo liso e negro estava sem brilho. Na verdade, eu não via brilho em nada. Estava num estado de torpor intenso, e realizava apenas movimentos automáticos.

Minha família, no andar debaixo, fervilhava de emoção. Minha mãe, Madeline, arrumava minhas malas com uma mistura cômica de tristeza e alegria. Meu pai, James, já estava procurando no Google diferentes opções de anéis de formatura. Meus irmãos, Kyle e Kimberly, ficavam aterrorizando minha mãe, fantasiando sobre as situações que eu enfrentaria na faculdade. E eu ouvia as vozes deles tão distantes que mal escutei quando meu pai chamou meu nome.

- Kris, pode descer querida?

A voz grossa ecoou pela escada e pelo corredor, me provocando um arrepio. Coloquei friamente a escova de cabelo sobre a penteadeira, e me levantei da cadeira completamente dura. Não posso dizer que estava triste, nem assustada com toda essa novidade. Na verdade, eu gostava de idéia de fazer Direito. Mas nunca tinha sido meu sonho, e sim um eco do sonho de meus pais. Eu só não queria decepcioná-los. Mas não conseguia ignorar o fato de que meu mundo ia mudar. Eu não moraria mais com meus pais, não teria mais regras, estaria por conta própria agora.

Desci a escada com a mesma expressão congelada. Isso fez com que minha mãe viesse correndo me abraçar.

- Oh! Kris, nós também sentiremos sua falta! - choramingou ela, agarrada ao meu pescoço.
- Tudo bem, mãe. Eu não vou decepcionar vocês. - tentei sorrir.
- Saindo dessa casa uma universitária, e voltando como uma doutora. - saudou meu pai.
- Doutora Kris Cooper, a advogada do Diabo! - brincou Kyle, meu irmão.
- Ela não vai ser advogada, vai ser juíza. - corrigiu Kimberly.
- Vocês estão sonhando alto demais. - eu ri.
- Você já tem planos? - perguntou meu pai, James.
- Ainda acho cedo. - cocei a cabeça.
- Cedo? Amor, você não pode prestar uma faculdade se não sabe o que quer ser. - minha Mãe interviu.
- Claro. Na verdade eu até tinha uma coisa em mente, mas não sei se sou forte o bastante pra suportar a pressão. - lembrei de um desejo que tive uma vez.
- E o que seria? - todos queriam saber.
- Promotora de justiça. É um cargo forte, mas perigoso. - minha voz ficou sombria.

Não entendi exatamente porque todos me olharam meio assustados. Promotor era um cargo digno no judiciário. Mas, pelo visto, não era uma profissão tão linda e bem vista quanto advogada ou juíza. Eu seria a carrasca do tribunal. Ótimo, agora minha família me veria como uma vilã.

Entrei no carro do meu pai, enquanto minha mãe transbordava em adeus e bençãos. Abri a janela do carona, e Kyle colocou um brinquedo em minha mão. O Homem-Aranha, claro. Que outro presente eu podia esperar de um moleque de 14 anos. Um chiclete? Pelo menos o Homem-Aranha duraria mais que 10 minutos.

- É o seu preferido, Kyle. - sorri, tentando devolver.
- Por isso mesmo. Vai ficar o semestre inteiro longe. Quero que se lembre de mim. - ele insistiu.
- Maninho, você não quer que eu leve um hominho pra faculdade. - eu ri.
- Sem preconceito, Kris. Lembra aquela vez que fiquei uma semana fora, acampando com a galera da escola?
- Sim, o que tem?
- Eu senti falta de casa. Senti falta de vocês. E a única coisa que eu queria naquele momento é ter em mãos algo que tivesse ligação direta com vocês, pra me sentir confortado. Sei que vai sentir isso também. E quando conseguir dormir apesar da saudade, vai agradecer ao Homem-Aranha. - Kyle explicou.
- Aw Kyle, isso foi lindo. Obrigada. - aceitei o presente, satisfeita com os motivos dele.

Meu pai seguiu pela rua, enquanto eu olhava pelo retrovisor. A grande casa azulada foi ficando menor, perdendo a forma e finalmente sumiu alguns quarteirões depois. Suspirei. Nesse momento apertei o brinquedo de Kyle nas mãos, e depois de sentí-lo bem, guardei-o na bolsa. Nesse instante descobri que meu medo estava em nunca mais poder voltar. Será que isso tinha algum fundamento?

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O Epílogo - Introdução

*Nova História


Eu estava no limite entre a sordidez completa e o equilíbrio perfeito. Meus momentos mais sanguinários eram como fetiches particulares que existiam apenas na minha mente pela manhã. Mas eu sabia que eles haviam sido exteriorizados, e que eu havia compartilhado eles da forma mais sádica com outras pessoas. Pessoas tão doentes quanto eu.

... doente. Era estranho falar de mim mesma dessa forma, mas que outra definição eu poderia dar ao que eu fazia? A questão principal em minha mente era se eu realmente fazia parte daquilo ou se havia sido influenciada e induzida a gostar dessa prática. Meu âmago sabia que era errado, mas cada célula do meu corpo ansiava todo o instante pelas noites em que eu não precisava me controlar. Como uma borboleta negra presa num casulo de aço, eu me prendia na frente da sociedade, me amordaçava e ignorava os apelos da minha alma ardente. E eu era tão boa nisso. Boa em fingir ser normal. Boa em ser perfeita nos momentos mais significativos. E boa em enlouquecer quando havia abertura.

As lâminas indecisas dessa segunda personalidade me seduziam. Eu já não era uma só. Era o bem e o mal, o fogo e o gelo, a voz e o silêncio, antônimos completos, fazendo o apocalipse em meu coração... eu só precisava de um pouco mais de fôlego...