domingo, 11 de setembro de 2011

O Epílogo - Capítulo 6: A Lenda

- Não se trata de ter cometido o crime ou não. Aquilo é uma jaula de gladiadores. Mabel parece uma fera. Ou ela vence o caso, ou vence. É guerra! O foco não é a inocência, e sim a luta severa travada entre defesa e ministério público. - Ember contava febril de admiração.
- Ember, não gostei muito disso. Nós aqui estudamos justiça, não vitória ou derrota. Mabel deve ter pegado alguns réus inocentes, não é possivel. - refleti.
- Ela sempre consegue a condenação máxima, Kris. Se um de seus réus foi inocente, que Deus o tenha e o compense pelo sofrimento injusto. E que Deus tenha piedade da alma de Mabel, que ajudou quase 90% na execução de tal injustiça. - bradou Ember, parcialmente solene, parcialmente irônica.
- Que Deus o tenha? Por que? Ela sempre consegue pena de morte? - me assustei.
- Não, tudo depende do caso que ela pega. Mas Mabel só opta pelos casos mais tenebrosos. Assassinato, estupro, pedofilia, tráfico... coisa feia mesmo. E as penas variam, levando em conta que existem atenuantes em todos os casos. Só que ninguém cumpre a pena exatamente. Essa é a lenda do epílogo que torna Mabel um mistério. - Ember ficou sombria.
- Lenda do Epílogo? - me interessei.
- É, uma coincidência de alguns anos já. Não existem provas nem nada que ligue Mabel a uma conduta errada. A maioria acredita que Mabel é visada demais por ser uma incrível promotora, e pessoas mal intencionadas tem tentado incriminá-la ou sujar sua carreira com a lenda do epílogo. A policia chegou até a prendê-la, mas a lenda ocorreu mesmo com ela estando sob guarda judicial. Logo, ninguém pode acusá-la disso. Também, não faria o menor sentido ela ser a culpada. - contou Ember.
- Okay, mas você não explicou que parada é essa de lenda do epílogo. - insisti, curiosa.

Ember suspirou, e revirou os olhos.
- Você nunca lê jornais?
- Ah, depende. Eu vim de outro estado, esqueceu? -fiquei envergonhada.
- Tah, mas esse caso foi explorado pra caramba pela mídia.
- Ember! Me conta!

Ela se ajeitou no banco do pátio onde estávamos, colocou o último pedaço de pão na boca e me fitou séria:
- Primeiramente, você sabe o que é epílogo?
- É tipo uma extensão do fim de uma história, não é? Aquele finalzinho nos livros e tals. - chutei
- Definição correta: é uma parte de um texto, no final de uma obra literária ou dramática, que constitui a sua conclusão ou remate, que pode servir também de apêndice. É como se fosse algo além do fim, uma continuação mais profunda. - ela parecia culta agora.
- Entendi, e o que isso tem a ver com a Mabel?
- Bom, toda vez que ela consegue a condenação de alguém, é como se fosse o fim. Acabou alí pro réu. Fim da estraga, game over, pro xadrez meu filho. Tudo bem. Só que, no dia seguinte... o réu aparece morto brutalmente e misteriosamente. - a voz dela ficou grave.
- Ah meu Deus! Tipo um crime?
- Tipo uma segunda sentença. Uma extensão do fim. Um segundo final, mais profundo. Tipo justiça com as próprias mãos. Seja lá quem for que faz isso pega o coitado do condenado, tira ele da prisão e o leva até um local, onde o tortura e o mata de forma brutal. No outro dia, encontram o tal já assassinado. É por isso que os jornais deram o nome para esse caso de "epílogo", o segundo final.- ela suspirou.
- Mas e aqueles que Mabel consegue pena de morte? Eles já estão mortos...
- Esses são os casos mais interessantes. O responsável pelo epílogo espera a execução do condenado. Tipo, espera o cara tomar a injeção letal. A primeira sentença se cumpre. E o cara aparentemente morre. Mas daí, no dia seguinte, ele aparece morto em outro local. Morto novamente. Estripado, queimado, algo bem cruel que dão provas físicas de tortura. E quando a perícia calcula a hora da morte... ela é posterior a primeira execução.
- Como isso é possível? - fiquei em choque.
- Não sei. Os policiais monitoram os presos, avaliam a injeção letal. É tudo organizado. Mas nunca um único réu escapou. Parece até mesmo ser algo sobrenatural. O epílogo age como um tipo de vingança. A pessoa morre da mesma forma como feriu sua vitima. É de perder o sono os casos viu. - Ember deu dois tapinhas no meu ombro.
- E se Mabel é o alvo, por que o governo não a aposenta? Por que não a afasta do cargo até averiguarem a situação? Não podem permitir que mais pessoas sejam torturadas assim. - fiquei indignada.
- Ah Kris, tem três motivos pra isso. Primeiro, Mabel é a melhor promotora de todos os tempos, com uma influencia do caramba no mundo juridico. Segundo, o pai dela é senador, rico e influente... ninguem ousaria desafiá-lo tentando afastar Mabel daquilo que ela mais ama fazer. E terceiro, estamos falando de traficantes, estupradores, pedófilos, assassinos, espancadores, psicopatas e criminosos... quem poria a mão no fogo por eles? - raciocinou Ember.

Suspirei. Algo em Mabel me intrigava. De repente descubro que essa mulher é um lago profundo de mistérios. As aulas de Direito Penal renderiam boas pesquisas.



sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Epílogo - Capítulo 5: Fascínio momentâneo

O longo corredor todo madeirado tinha um toque sombrio. Confesso que adorei o clima da faculdade em relação ao ambiente visual. Andando pelo taco perfeito, senti como se fizesse parte daquele lugar. Confortável. Dei-me conta de que adorava coisas sombrias. Mas minha sensação de confortabilidade se esvaiu no instante em que as vi vindo em minha direção.

Cinco garotas lindas, estonteantes e incrivelmente sombrias. Três delas eram louras, e as outras duas eram uma ruiva e outra negra. Apesar de fisicamente diferentes, todas tinha três características em comum. Primeiramente, claro, a fita negra em volta do pescoço. Segundo, observava-se rapidamente que todas tinham preferência por roupas com tons escuros e frios, que iam de cinza a roxo com pouca diversidade. Por último, havia uma semelhança em seus olhares. Todas tinham o olhar intensamento duro e frio. Nada de sorriso, nem um único sinal de simpatia. E elas não pareciam olhar para o nada. Não focavam ninguém.

E foi dessa forma que elas passaram por mim. Sem nem sequer fazer menção de minha existência, continuaram reto, indo para onde quer que fosse sem se importar com ninguém. Entre elas, reconheci Louise, a primeira garota que vi com a fita no pescoço na aula de Mabel.

Revirei os olhos. Metidas e idiotas. Na certa não passavam de uma panelinha de nerds que se achavam. Lindas, mas nerds. Eu queria ser boa em direito penal, claro. Mas não queria aquela droga de fita. Entendi perfeitamente o rancor de Ember naquele momento. Quem precisava daquela fita idiota?

Desci as escadas devagar, voltando a degustar o ambiente em que me encontrava. Cheguei a sala em que teria aula de Introdução ao Direito Civil. Assim que passei pela porta, meus olhos se arregalaram. Na mesa a frente da lousa havia um homem alto e belo apoiado sobre um livro grosso empoeirado. A silhueta máscula bem delineada coberta por uma camisa social branca fina estava encurvada devido a posiçao, mas isso não desfocava o fato de que ele era autenticamente lindo. Os cabelos castanhos claros bem penteados, curtos, e os traços intelectuais do rosto revelavam um verdadeiro gentleman. Ele usava óculos de armação negra, mas isso só acrescentava ainda mais ao seu charme. Meu coração acelerou. Ele só podia ser o professor desta aula. Foi nesse momento que alguns alunos passaram conversando pela porta e isso tirou o belo mestre de sua posição inicial. Ele olhou para mim docemente:

- Bem vinda, aluna. - sua voz era rouca e suave.
- O-o-obrigada. - gaguejei.
- Por que não se senta?
- Ah, ah sim, é... vou me sentar. - fiquei desajeitada.

Eu me senti a idiota do ano. Sentei-me rígida na última cadeira da sala, bem no fundo, querendo que o chão abrisse e me engolisse. Respirei fundo, mas toda vez que fitava a figura à frente da sala, resfolegava novamente. O nome escrito na lousa era Lerry Angels. Sugestivo, ele parecia mesmo um anjo. Falava docemente, bem calmo, e sua matéria parecia tranquila. Observei a sala, e vi como todas as garotas presentes suspiravam. Pelo menos ele já devia estar acostumado a babaquice temporária que causava em mulheres por sua beleza. Ele devia ter uns trinta anos, mas quando contou sobre sua carreira de advogado, percebi que poderia ter mais, apesar de sua beleza não deixar aparentar a idade.

Apesar de meu fascínio momentâneo, confesso que a aula dele não me prendia nem metade do que me prendeu a de Mabel. Olhei meu papel de horários. Senti certa tristeza quando vi que só teria aula com ela novamente depois de dois dias. Não sabia o que exatamente me levava a ela... talvez fosse a matéria que ela administrava.