terça-feira, 22 de novembro de 2011

O Epílogo - Capítulo 7: Insegurança

Eu estava debruçada na cama sobre um livro grosso de Direito Penal. Meus olhos corriam as linhas febrilmente. Eu queria mostrar que não precisava de uma fita negra em volta do pescoço para tirar um dez na prova. Aquelas nojentinhas sombrias iam ver só. Foi quando Anielle, minha companheira de quarto, entrou tossindo forte.

- Você não sarou dessa gripe ainda? - comentei, preocupada.
- Ah Kris, o clima daqui é muito louco. - ela tossiu mais uma vez.
- Já foi ao médico? - perguntei.
- Por causa de uma gripe? Não amiga, eu tenho mais o que fazer. Vim buscar um livro. Tenho prova amanhã. - ela desconversou.

Observei a minha companheira magrinha se curvar e pegar um livro na gaveta e sair do quarto com movimentos muito fracos. Desde que eu chegara nesse campus, Anielle estivera doente. Sempre tossindo, sempre fraca. O mais engraçado é que nos primeiros dias eu achava que ia acabar pegando essa gripe. Mas ela não me passou o vírus, mesmo dormindo e comendo no mesmo ambiente que eu todos os dias.

A convivência fez com que eu me apegasse a Anielle. Ela era muito doce. prestativa e ouvia minhas reclamações sobre o "grupinho do mal" (como eu chamava as fiéis discípulas de Mabel) me dando razão e me dizendo pra ter calma. Essa gripe dela estava me atormentando. Respirei fundo e decidi que assim que minha prova passasse, levaria Anielle ao médico.





No dia seguinte, acordei cedo e deixei o café pronto. Anielle merecia um descanço. Não que meu café fosse uma maravilha, mas melhor do que ela ter que fazer com o corpo moído pela gripe, ah isso era. Fui a primeira a entrar na sala, e me sentei reta na última carteira, como costumava sempre fazer. Enquanto revisava a materia, o sol que reluzia na janela ficou fraco, fazendo com que a sala de aula perdesse a cor. O saltinho fino tocando o assoalho fez minha espinha congelar. Olhei vagarosamente para frente, e meus olhos deram com os de Mabel, que me fitava com um sorriso estranho. Ela colocou sua bolsa prateada sobre a mesa, e retirou dela um pacote com folhas. Meus olhos não conseguiam deixá-la:

- Bom dia Kris. Adoro alunos pontuais. - sua voz sóbria ressoou pela sala vazia, me inebriando de admiração.
- Bo-bo-bom dia doutora Mabel. - foi só o que consegui gaguejar.
- Estudou para a prova? - ela sorriu, mas incrivelmente ela não parecia doce nem mesmo quando tentava ser gentil.
- Estudei sim... a semana toda. - resfoleguei.
- Então por que está estudando agora? - sua voz ficou gélida, mas o sorriso continuava em seu rosto perfeito.
- Só estou revisando enquanto aguardo o início da prova. - respondi, já incomodada.
- Não confia em si mesma e nem em todo o esforço que já investiu no que estudou? - ela me fitou duramente.
- Revisar nunca é demais. Gosto de me certificar de que está tudo certo. - tentei ser firme, mas ela me abalava demais.
- Isso é insegurança! - ela acusou, rindo ao fim da frase.
- Não, isso é responsabilidade! - objetei, o que a fez parar de rir.

O riso de desdém silenciado pela minha objeção se transformou em um olhar curioso, que vasculhava o meu todo. Mabel deu a volta por sua mesa, deixando a mão direita roçar pelo pacote de folhas, andando suavemente. Parou um instante antes de chegar ao fim da mesa, e abriu um sorriso determinado. Fiquei completamente confusa.

- Você só precisa ser lapidada. - ela sussurrou.
- O que? - perguntei, pela incerteza do significado do que ela dissera.

Nesse momento, outros alunos entraram na sala, e seu olhar determinado me deixou assim que Louise apareceu. Mabel apoiou a mão orgulhosa sobre o ombro de sua pupila, e disse algo que não pude ouvir de onde estava. A fita negra em volta do pescoço de Louise transformou minha confusão em raiva. Ótimo! Agora eu estava desestabilizada segundos antes da prova para a qual mais havia me dedicado nesse semestre. Fechei o livro grosso com ódio mortal, mas parei de bufar assim que percebi que Mabel, da frente da sala, ainda me olhava, e se deliciava de minha impulsividade. Naquele momento me dei conta de que aquela mulher esperava algo de mim... algo que eu nem imaginava.