sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Epílogo - Capítulo 8: Personalidade

Fui a última a entregar a prova. Trêmula, passei a folha toda escrita para Mabel, que a pegou com suavidade. Saí da sala sem olhar para trás. Quando pisei no taco do corredor, senti um estado de torpor. Como uma professora poderia me abalar tanto com meias palavras e olhares sutis?

Respirei fundo. Senti-me como em um desafio. Estudei como louca, e fiz a prova minuciosamente com precisão. Sabia que tinha ido bem, e essa certeza me acalmou. Foi quando ouvi a voz dele.

- Bom dia, aluna. Não se esqueça, temos um encontro às 3 da tarde. - sorriu Lerry Angels, meu professor de Introdução ao Direito Civil.

Foi o bastante para meu coração vacilar. Era adolescente demais deixar a palavra "encontro" me afetar. É claro que a parte racional que me restava no fundo de meu cérebro inebriado pela beleza desse homem sabia que a palavra "encontro" se aplicava a aula de hoje. Mas eu sabia que o fato de ele lembrar que eu era uma das componentes de sua lotada sala de aula já me fez ganhar o dia.

- Claro professor. Bom dia. - falei, resfolegando.

Ele passou pelo corredor com seus passos impecáveis, a silhueta máscula roçando delicadamente na camisa social azulada, e o dorço reto de seu porte invejável. Meus olhos não me obedeciam, e o acompanharam até que sumiu totalmente escada abaixo.

- Para de babar! -a voz risonha de Ember apitou em meu ouvido.
- Fala baixo! - pedi, ficando vermelha.
- Relaxa, antes de te zuar, eu tava ali atrás babando também. Esse cara é um pecado. - Ember riu.
- Ele é... muito bonito. - comentei, tentando fechar o assunto.
- Não seja modesta. A baba escorrendo pelo seu queixo acha Lerry muito mais do que só bonito. - Ember me deu dois tapinhas no ombro.
- Pare com isso. - revirei os olhos.
- Sabia que ele é divorciado. - ela sorriu maliciosamente.
- Séri... ahn... é... e eu com isso? - interrompi minha indignação por saber que Lerry estava livre, leve e solto.
- Rá! Tudo bem. Eu também me sinto uma reles mortal diante dele. É como todas se sentem. Mas ele é um alvo impossível mesmo. - Ember foi contando, andando comigo pelo corredor.
- Claro que é... - concordei.
- Não por ser tão lindo, mas é que ele não confia mais nas mulheres. A ex esposa dele lhe deu um belo golpe. Eles moravam numa mansão na Califórnia. Lerry fez carreira rápido como advogado, sabe. Ele estourou quando venceu um caso contra Mabel.
- O que? Ele já venceu Mabel no tribunal? - fiquei pasma.
- Sim. Foi um caso difícil. O cliente de Lerry estava sendo acusado de estuprar a matar a própria filha. O duro é que haviam poucas provas, nada o suficiente para por o homem na prisão. Mabel ficou cega com o caso, juntou todas suas forças e moveu um processo contra o pai. O cara nem era rico, mas Lerry o defendeu porque tinha certeza de que o coitado era inocente. Afinal, a última pessoa que tinha estado com a menina era o namorado drogado dela. Só que a lei tava no pé do pai, pois ninguem sabia onde o namorado estava.
- Puxa. E aí?
- E aí que Lerry venceu o caso. O pai chegou a ir a juri popular. Mabel recorreu, mas o resultado foi o mesmo. Inocente por falta de provas. A menina que morreu tinha 17 anos, e o pai nunca tocou nela, segundo todas as evidencias. Por que a estupraria e mataria justamente depois de tanto tempo? Justo quando ela arranjou um namorado drogado?
- Mas então... Mabel deve odiar Lerry. - supus.
- Sim, e ele a odeia também. Ele é muito íntegro. Mas no fim das contas, ela que venceu. - Ember deu de ombros.
- Ela? Mabel? Mas o homem não era inocente? - questionei.
- Era... mas seguindo a lenda do epílogo, no dia seguinte, o pai apareceu assassinado, esquartejado em sua banheira. - Ember contou, como o olhar sombrio.
- Isso foi bem... suspeito... - eu estava em choque.
- Talvez, mas é a velha história. Nada de provas contra Mabel.
- E a esposa do Lerry?
- Bom, ela era uma vadia. Traiu ele com o melhor amigo, o juiz Antonny Dawin. Conhece?
- Trocou o advogado pelo juiz mais famoso da Califórnia... claro.
- É... e entrou com um processo requerendo grande parte dos bens, principalmente a mansão. - Ember riu.
- Que maldita! E o Lerry?
- Ah, ele estava desolado. Nem se manifestou. Deixou tudo pra ela, prestou concurso para professor, se mudou para essa cidade, e hoje mora num pequeno apartamento a alguns quilometros daqui. - finalizou Ember.
- Ele deve ser muito infeliz. - me penalizei.
- Nem tanto. Ele não quis mais advogar na parte penal né. Sei lá, penso que ele acha o mundo dos tribunais muito sujo. Dar aula é mais pacífico. Ele vem, leciona, suporta bem pouco a presença indesejável de Mabel, vai pra casa, toma um chá, prepara a aula do dia seguinte e dorme. Era tudo o que um homem como ele queria.

Sorri para Ember sobre a forma simples como ela falou das vontades de Lerry. Se antes eu já o admirava por ser lindo, agora o admirava em dobro por sua personalidade. Deixei Ember no saguão principal, e me dirigi até o quartinho onde morava com Anielle. Minha cabeça permanecia em Lerry.