domingo, 15 de janeiro de 2012

O Epílogo - Capítulo 10: Raiva

Eu tinha que me soltar mais... essa era a questão. Desde que começara a fazer direito, eu havia me fechado num casulo de incerteza. E o medo estava em tudo: medo do que iam pensar de mim, medo de pagar mico, medo de tirar uma nota baixa, medo de não conseguir amigos, medo de não aprender nada... medo de Mabel. Infelizmente, eu não tinha ideia de como ia criar um conceito critico próprio sobre o estudo do Direito Penal, como Ember havia sugerido. Mas em meu âmago, eu sabia que precisava melhorar.

A verdade é que eu não sabia atacar meus problemas de frente. Precisava abordá-los pelos cantos, estudá-los, e só agir quando eu os envolvia por completo. Dessa forma, sabia que não ia ser de proveito algum enfiar a cara em cinco livros de autores diferentes, e criticar comparando um ao outro. Eu precisava primeiro comer pelos cantos, abordando meu problema menos significante: Louise.

Louise e seu grupinho de mal amadas realmente me irritava. Nove? Não sabia se essa puxa saco merecia realmente uma nota assim. O que importava com respeito a ela é que eu não podia mais permitir que isso me afetasse a ponto de me impedir de ir a uma festa. Eu iria ao Lado torto do direito... e Ember iria comigo. Enfrentaríamos juntas qualquer medo ou receio em relação a essas garotas que não passavam de umas lambe chão.

- Mas nem MORTA! - Ember gritou quando lhe contei sobre minha reflexão.
- Ember, você tem que enfrentar seus medos. - ressaltei.
- Não é medo, é amor próprio. Não preciso passar algumas horas num local barulhento com gente que se acha e me ignora. Cai na real, Kris! - ela foi clara.
- Acho que Kris tem razão. - soou a voz doce do comodo ao lado.
- Anielle, você não faz Direito, não sabe o que essas vadias são. - Ember choramingou.
- Ember, elas são apenas garotinhas populares. Mas elas só se mantém nesse patamar porque garotas lindas de verdade não sabem impor presença ao lugar que merecem. - Anielle discursou, enquanto entrava na sala.
- Vocês são masoquistas, sabem disso. - Ember revirou os olhos.
- Se vocês forem, vou com vocês. - Anielle disse solenemente, antes de espirrar.
- Então temos um acordo. Iremos à festa! - vibrei.


As luzes eram fascinantes. Eu, Ember e Anielle conseguimos encontrar o endereço da festa facilmente. Disseraam que o convite podia ser comprado na hora, só que mais caro. Isso não importava. Os que importava é que estavamos as três de arrasar.

Anielle, com toda sua doçura e delicadeza, trajava um vestidinho tomara que caia rosa florido, que revelava seus ombros brancos e magros. O cabelo louro liso bem penteado adornado com uma fita rosinha que desenhava um laço próximo a orelha esquerda. Ember estava com uma camisetinha colada vermelha, e uma calça jeans que definia seu corpo sensualmente. Se cabelo ruivo repicado parecia estar pela primeira vez realmente penteado. Nunca havia visto Ember tão bonita.

É claro que eu não ficava para trás. Realcei meus olhos azuis com uma sombra preta, que me deixava com um aspecto de gata. Meu cabelo negro estava solto, liso, com a franja jogada. O corpete preto realçava meus seios, e afinava minha cintura. O jeans escuro se colava aos meus quadris, que entravam em sintonia com minha silhueta fina. O salto agulha do pé me deixava mais clássica. Quando saí do carro de Ember e chequei meu visual no vidro do carro, me toquei que estava sombria. Linda, mas sombria.

Chegamos na porta, e Louise, vestida de um roxo fúnebre, me fuzilou com os olhos assim que me viu. Possuía alguns convites na mão, e os amassou raivosamente em sua mão esquerda, enquanto caminhava em nossa direção.

- Kris... o que faz em minha casa? - cuspiu ela.
- Sua casa? E como sabe meu nome? - fiquei impressinada.
- Todos estão comentando sobre a nota vergonhosamente baixa que tirou na avaliação de Direito Penal. - Louise riu alto.

Rangi os dentes, mas me recompus.
- Viemos para a festa.
- Bom, acabaram os convites, sinto muito. - Louise foi fria.
- Esses amassados na sua mão já tem dono? - Ember foi rápida.
- Estão amassados, não valem mais. - Louise fuzilou Ember.
- Isso não existe. Aqui não é uma boate. É apenas uma festinha na sua casa. Largue a mão de inventar desculpas esfarrapadas. - Anielle disse já sem paciência.
- Louise... pare com isso. Deixe as meninas entrar. - uma voz sem vida soou atrás de Louise.

A bela negra caminhava em nossa direção com um sorriso sombrio, mas quase simpático. O cabelo encaracolado batido para ganhar volume dava a ela um aspecto africano. Mas isso só a deixava mais bonita. A roupa cinza tinha um desing único, mas combinava com o mesmo perfil frio que as discípulas de Mabel possuíam. A fita em seu pescoço era mais negra que sua pele.

- Elas não tem convite, Raika! - Louise estava realmente com raiva.
- Louise, lembre o que Mabel disse. - sussurrou Raika, mas eu pude ler seus lábios.
- Por isso mesmo eu a quero fora daqui! - exclamou Louise.
- Talvez tenha que aturar a presença dela mais assiduamente. Por que não começar agora? - Raika tentou apaziguar.
-Grrrrrrrrr! - rangeu Louise, jogando os convites no chão.

Raika pegou três, desamassou, e deu em nossas mãos:
- Perdoem o comportamente de Louise. Ela é meio... ciumenta.
- Que maluca, está com ciume de que? - Anielle estava perplexa.
- Mabel gosta de Kris. E Louise quer ser a aluna preferida. Bobagem universitária. - Raika deu de ombros.
- Gosta de mim? Qual é, ela me deu zero virgula cinco na prova. - bufei.
- É, ficamos sabendo. Mas Mabel só quer incentivá-la a melhorar. Isso enfurece Louise. Mabel acredita que percebeu em você grande potencial. - Raika explicou.
- É por isso que ela fica me secando a aula toda? - perguntei, meio efusiva.
- Talvez. Mabel sente quando alguém tem talento. Ela dá a fita negra quando a pessoa atinge seu àpice de melhora. Quando você evoluir até onde pode chegar, é capaz de também ganhar uma. - Raika sorriu novamente.
- Não quero nenhuma fita. - fiquei tensa.
- Que seja. Se você tiver talento, Mabel vai conseguir fazer com que o desenvolva. Enfim, entrem, aproveitem a festa. Só tentem desviar o caminho de Louise. Ela anda meio desestabilizada. - Raika riu.
- Faremos isso. - garantiu Ember.
- Quanto é o convite? - lembrou Anielle.
- Pra vocês nada. Sejam bem vindas. Encarem como um presente meu. - Raika sorriu uma última vez, se distanciando.

Nos entreolhamos e respiramos fundo. Uma festa nos esperava.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Epílogo - Capítulo 9: Conceito Próprio

"O LADO TORTO DO DIREITO"

O grande cartaz dourado colado na parede amadeirada era bem chamativo. As letras menores traziam horário e endereço. Virei para Ember animada:

- Finalmente uma festa na faculdade! - cantarolei.
- Pra que tanta animação? Essas festas são um saco. - ela deu de ombros.
- Como assim?
- Ah Kris, legal mesmo é a festa da engenharia. Muita bebida, homens ricos e sarados. Direito é um saco. - ela revirou os olhos.

Eu estranhei seu repentino desânimo. Geralmente, ela era entusiasmada com tudo.
- O que tem de tão chato nessas festas do pessoal do direito?

Ember suspirou:
- Você já sabe o que tem de tão ruim. Olha lá quem vende os convites. - ela apontou.

Na bancada dourada, enfeitada pelo mesmo papel usado no cartaz, estavam Louise e a bela garota negra que também possuía uma fita no pescoço. As duas, belamente trajadas de preto, o rosto esculpido em uma expressão séria e sensual, entregavam os convites aos interessados. No mesmo instante que as vi, murchei.

- Entendi. - sussurrei, desanimada como Ember.
- É. A festa do direito gira em torno delas. Os carinhas mais gatos ficam babando por elas a festa toda. Qualquer garota que não possua uma fita negra no pescoço fica no canto observando as discípulas de Mabel serem idolatradas. É um saco! Vamos pra aula. Mabel vai passar as notas hoje.

Olhei de relance uma última vez para Louise. Seu rosto superior, e a forma como se locomovia a fazia parecer mesmo uma deusa. Mas nada em seus gestos impecáveis se parecia com a grandeza que Mabel possuía.



Sentei na minha cadeira de sempre, anciosa pelas notas. Mabel, que já estava na sala, repassava entre as mãos magras as provas, anotando algo em cada uma. Em poucos segundos, a sala se encheu de alunos, todos tensos aguardando o resultados das provas. Meu coração vacilava, mas respirei fundo e disse a mim mesma "relaxe, sua boba... você estudou feito louca... sabe que vai tirar uma boa nota".

Mabel flutuava pela sala, entre as carteiras, num silêncio mortal, entregando as provas, deixando a maioria com um rosto que passava de aflito para decepção. Ember bufou, e sussurrou para mim:

- Quatro e meio, eu sabia. Substitutiva, aí vou eu.

Isso me deixou nervosa novamente. Entre os rostos decepcionados, estava o sombrio sorridente de Louise. Vi de relance um nove redondo. Revirei os olhos. Puxa saco idiota!

Finalmente, Mabel parou diante de mim. Seu olhar pairou sobre o meu, hipnotizador. Ela balançou a cabeça negativamente, e me estendeu a prova, dizendo duramente:

- Esperava mais de você.

Foi quando fitei minha vergonhosa prova. ZERO VIRGULA CINCO???? COMO ASSIM???

Baixei imediatamente a prova para que ninguém visse aquela bola vermelha gigante desgraçando completamente meus esforços. Olhei em pânico em volta, mas ninguém parecia olhar para mim. Ergui vagarosamente a aba inferior da prova, para ler a anotação final de Mabel. Lá, numa letra impecável, quase medieval, estava escrito: "Quero saber sua opinião sobre os fatos. A opinião dos autores eu sei de cor e salteado. Você não é computador, mas sabe fazer um belo Ctrl c+Ctrl v".

Amassei aquela prova no meu peito como se fosse uma faca bem afiada. Eu queria morrer. Fiquei vermelha, roxa, azul tentando segurar o choro da derrota. Ember, que logo percebeu meu estado de epírito, ficou preocupada:

- Relaxa Kris, foi sua primeira prova. Você não sabia o estilo de escrita que Mabel curtia. Um zero é perfeitamente comum...
- SHIIIIIIIIIIIIIIIU!!!!!! Cala a boca! Ninguém precisa saber que tirei ZERO! - cortei ele, sussurrando freneticamente.
- Não foi um zeeeeero. Eu vi, era virgula alguma coisa... - ela riu.
- Está tentando me animar? - fiquei possuída.
- OK, relaxe. Eu tirei zero na minha primeira prova com a Mabel. Zero virgula um na segunda... e deu que reprovei o semestre todo. Mabel odeia que o aluno sirva de reprodução de conceitos já existentes. Ela exige que sejamos renovadores. Que tenhamos base, mas que criemos nossos próprios conceitos. Veja, tirei quatro. Isso prova que ainda não tenho um conceito só meu. Mabel reprova muito. Não ligo se eu reprovar uma terceira vez. Não é vergonha nenhuma. Tem gente nessa sala que reprovou três vezes. Bem vinda ao mundo real! - Ember foi direta.
- E Louise? Reprovou três vezes também? - eu ainda estava estérica.
- Não... mas reprovou uma. Essa é a segunda vez que ela cursa direito penal com Mabel. - Ember deu de ombros.
- Ah... - isso me acalmou.
- Sabe, fiz o semestre passado com Louise. Ela não usava fita negra. Na verdade, ela não usava na preto. Ela adorava rosa... azul... Um dia, ela tirou oito e meio na prova de Mabel, e eu vi a senhora Dowtchervick fitá-la a aula toda. Enrolei pra sair da sala, e vi ela convidar Louise pra fazer algo depois da aula. Não sei bem o que era... só sei que depois desse dia, Louise mudou... - Ember parecia séria.
- Todo mundo consegue tirar nota alta com Mabel quando aprende o método dela? - fiquei curiosa.
- Não. A maioria é aprovada com seis, sete... até sete e meio. Oito, nove... é pras paquitonas das fitas negras. Não me pergunte do dez... é lenda. Nem as discípulas dela tiram. - Ember deu de ombros.
- Que legal. Então devo estudar pra tirar até sete e meio na substitutiva? - eu ri com desprezo.


Ember puxou a cadeira mais para perto:
- Olha, você tá estudando no método de decorar os conceitos. Não pode fazer assim. Direito penal é muito mais que isso. Leia o conceito do autor e o critique. Sente-se com o livro na sua frente, compare os autores e tente criar um conceito seu. Você pode usá-los de base, mas nunca repita o que eles dizem na sua prova. Mabel tem nojo disso. - explicou Ember.
- Ora, eu tirei um dez com Lerry fazendo dessa forma. - fiquei ferida com isso.
- Bom, Lerry não é Mabel...
- Não sei... você tirou quatro e meio apenas. - fui grossa.
- E você tirou zero. Acho que meu conceito tá melhor que o seu. - ela riu.
- Desculpe... - murchei - você está certa. Vou tentar me soltar mais nessa substitutiva.
- Boa sorte. - Ember sorriu, afastando a cadeira para prestar atenção na aula.