quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Epílogo - Capítulo 15: Fissura

Eu não podia dizer pra ninguém. Até mesmo porque ninguém acreditaria em mim. Mabel, a professora mais temida e intocável da universidade havia acabado de me beijar na sala de aula sem o menor pudor. Fiquei uns 10 minutos congelada no fundo da sala, até que alunos de outra turma começaram a entrar, cochichando e rindo ao me ver parada como um pastel. Conseguir me mover e saí da sala, cambaleando.

Andei pelo corredor molenga. Uma noite com Lerry, e um beijo de Mabel. O que eu era? Uma papa mestre, sei lá? Ri comigo mesma, encostando na parede e deslizando até me sentar no chão. Talvez eu tenha bebido tanto na noite passada, que sonhei tudo isso. Mas não. As lembranças com Lerry eram muito fortes, e o gosto de Mabel ainda estava em minha boca. Qual era o problema deles? O que eles queriam comigo?

Na verdade, eu não estava em dúvida quanto a Lerry. Ele quis me comer e me jogou fora, ponto final. Mas, e Mabel? O que deu nela para me beijar daquela maneira? Ela vive cercada de garotas inteligentes e bonitas, a quem dá fitas negras para usarem em volta do pescoço. Será que ela beija todas essas garotas na boca? O que é isso, algum tipo de seita lésbica do direito?

A questão é que eu não era considerada inteligente por ela. Eu havia tirado zero na prova, então o que ela queria comigo?  Ela falou algo sobre motivação, mas desde quando beijar alunos na boca os motivam a estudar mais? Minha cabeça, ainda dolorida pela bebedeira, começou a girar, e meu estômago deu um nó. Comecei a sentir enjoo, então deitei a cabeça em meus joelhos, abraçando minhas pernas, me sentindo muito mal. Percebi uma sombra se aproximando, e estremeci ao ouvir sua voz:

- Kris, você está bem? - perguntou Lerry, parecendo preocupado.
- Saia daqui! - resmunguei sem erguer a cabeça.
- Kris, eu preciso falar com você... por favor, me ouça... - suplicou ele.
- Me deixe em paz! - ainda com a cabeça baixa, dei-lhe um empurrão molenga.
- Olha, você não parece bem. Vamos comigo comer algo, e assim conversamos.
- Que parte de 'me deixe em paz' você não entendeu? - olhei para ele, e minha última palavra saiu falhada quando a cor de seus olhos aqueceram meu coração.
- Me perdoe Kris, eu fui um idiota hoje cedo. Gostaria de me explicar, e não vou deixá-la jogada no corredor desse jeito como a deixei ir embora hoje cedo. - Lerry foi firme, e decidi não discurtir mais. Afinal, eu queria conversar com ele.

Fomos andando até uma lanchonete no campus. Lerry tentou me ajudar a andar, porque eu estava meio enjoada em molenga, mas o empurrei, então ele não insistiu. A lanchonete estava tranquila, haviam poucos alunos alí. Sentamos na mesa mais distante, ao ar livre, e uma moça ruiva veio marcar nosso pedido. Lerry pediu um misto quente e suco de laranja, e eu pedir apenas uma àgua com limão. Ele me olhou feio, e acrescentou mais um misto quente ao pedido:

- Se não comer, sua ressaca não vai melhorar. - Lerry me advertiu.
- Desde quando se preocupa comigo? - olhei furiosa para ele.
- Kris, sei que deve estar pensando que eu me aproveitei de você, mas sinceramente, eu tentei de todas as formas evitar essa situação. Eu... eu confesso que... eu te acho maravilhosa. Linda. E que você mexe comigo de alguma forma. Eu estava um pouco alto ontem, a bebida me desestabilizou, e você estava bem alta também, e perdemos a noção de certo e errado. Quando você me beijou, eu não consegui mais me segurar. Tinha você ali no meu apartamento, linda de morrer, querendo algo comigo... como eu poderia resistir, se eu também te queria?

A moça ruiva trouxe nossos pedidos, o que cortou brevemente a conversa. Assim que ela se afastou, dei um gole na àgua com limão, e olhei seriamente para Lerry.

-Ok, Lerry. Não estou te culpando por nada. Estávamos bêbados, eu te assediei, você cedeu, transamos, e ponto final. Somos adultos, temos que superar isso.
- Kris, eu peço desculpas por ter permitido que isso acontecesse. Você sabe que um professor que se envolve com uma aluna pode sofrer sérias represálias, não sabe?
- Eu sei.. eu só.. eu só imaginei que... - comecei a gaguejar.
- O que? - indagou ele.
- Nada... Olha Lerry, não vou delatar você. Você não se aproveitou de mim. Eu quis, e sou adulta pra assumir isso. Não vai mais acontecer, e peço desculpas também por toda essa situação. - as palavras saíram doloridas.

Lerry respirou fundo por uns instantes, depois pressionou os lábios encarando a realidade. Tomou três goles intensos de seu suco de laranja, e com o guardanapo de papel enrolou o misto quente.

- Kris, tenho que ir. Coma o seu misto quente, vai melhorar sua ressaca. Nos vemos nas aulas. Um bom dia, e estude. - sorriu Lerry, sendo formal e automático, deixando de lado qualquer possível sentimento.
- Ok, bom dia professor. - disse, o mais fria possível.

Enquanto Lerry se afastava, meu coração foi trincando lentamente. No fundo, eu sabia que ele estava certo. Erramos, mas isso não podia mais acontecer. Foi só uma noite de loucura. Então por que eu estava tão desapontada? Eu havia me apaixonado por Lerry?

Olhei melancolicamente para o misto quente, que com certeza já não estava mais quente assim. Decidi seguir o conselho de Lerry e tentar comer, já que meu enjoo estava me matando.Após alguns minutos, me senti melhor. Ignorei as fissuras em meu coração idiota, e me levantei. Precisava ir para casa, e estudar. Nesse instante, pensei em Mabel. Como a encararia na próxima aula, depois do que ela fez comigo?