sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Estrategista - Parte 2

Passos desesperados subiam pela grande escadaria. Velozmente, passou voando por entre as pessoas para se chegar ao rei Icarus:
- Majestade! É o exército de Nicolas, de Mitryas!!! - falou Amardis, ofegante.
- Respire oficial! O que houve? - questionou Icarus, em seu tom de voz calmo.
- Nicolas passou os limites de novo. Ele vai atacar Getsêny. Está nos arredores do ermo de Getsêny.
- Droga! Quando é que esse arrogantezinho vai nos deixar em paz? Junte o exército! Vamos acampar na extremidade sul do deserto. Chame Micaili imediatemente!

Posicionados sobre a grande mesa, onde estava estendido um mapa, Micaili traçava retas, e todos olhavam para ela com atenção:
- Acho excelente essa idéia! Eles estão na extremidade Norte. Até chegarmos à extremidade Sul, ficaremos cansados e mais propensos a derrota pelo longo caminho no deserto. Mas pelo paralelo com a extremidade Norte, teremos tempo de montar acampamento e repor as energias. Ao amanhecer, chegaremos na entrada de Getsêny antes deles...
- Uma emboscada! - cortou Armandis, o oficial.
- Shhhhhhhhhhh!!! - todos disseram.
- Como eu estava dizendo... - continuou Micaili.

A noite foi de uma grande festa de boa sorte para os guerreiros getsêneses. Icarus estava sentado tomando um bom vinho ao lado de sua amada Nioki. Das escadas brancas, desceu um corpo esbelto coberto por uma túnica vermelho sangue. Micaili nunca tinha estado tão bela.
- Me permite, majestade? - falou Armandis, se chegando ao rei.
- O quê? Dançar com Micaili, é isso? - perguntou Icarus.
- Sim, se o senhor me der este privilégio...
- Gostas mesmo de minha filha, não é oficial... pois é um gosto, visto ser um homem tão fiel. Vá até, e diga a Micaili que tem minha indicação!
- Obrigada senhor!

Armandis, um homem de uns 25 anos, em sua túnica negra que deixava transparecer seus músculos definidos, galante e muito fiel ao reino de Getsêny, apreciava muito Micaili. Não só por sua inteligência ou desapego das futilidades, mas admirava sua beleza e personalidade. Mas Micaili não caía nas graças de Armandis e nem de homem nenhum. Em seu jeito sério, mantinha seus grandes olhos negros penetrantes em uma aura perdida, como se não focasse nada nem ninguém.
- Alteza Micaili... gostaria de dan...
- Não! - respondeu rapidamente Micaili, de um jeito baixo, mas ríspido.
- Bem, eu só queri...
- Não pense que tenho algo contra ti, oficial Armandis... apenas não levo jeito para isso.
- Duvido que a senhorita já tenha tentado.
- Além de não levar jeito, também não gosto. Assim como não gosto de festas.
- Hahahaha. Micaili... a seriedade é uma virtude, mas tudo que é demais acaba não sendo bom.
- Não ligo que me achem uma chata.
- Não disse que você é chata.
- Mas pensou...
- Ah, a senhorita lê pensamentos agora?
- Não, mas pessoas transparentes como você são fáceis de decifrar. Sim, Armandis, sou uma chata. Vá dançar com as outras moças da dinastia, tão mais belas e mais dadas à festa do que eu.
- Pode parar de explorar seu novo dom de decifrar pensamentos, porque é péssima nisso. Não a considero uma chata. E não quero nenhuma das moças deste saguão. O que encanta um guerreiro não é a imagem, e sim a presença que a pessoa tem na sua vida.

Às vezes, raríssimas vezes, Armandis conseguia um pouco da atenção de Micaili. Com esses dizeres, Micaili voltou o olhar perdido para o oficial, que abriu um sorriso iluminado.
- E que presença tenho na sua vida? - perguntou Micaili, num tom despreocupado.
- Primeiramente, és a princesa e a parte principal do nosso sucesso como exército. Minha obrigação é mantê-la em segurança. E em segundo, é a farpa que lateja cravada em meu coração. A farpa que me machuca sempre, mas que não tenho a mínima vontade de arrancar.
- Você se esqueceu de um ponto importante.
- Qual?
- Por que não tenta "és a filha do rei, e se conseguir casar contigo, viro o herdeiro do trono"?
- Costuma me julgar muito mal, Micaili.
- Boa noite, Oficial Armandis! - resmungou Micaili, subindo a escada novamente.

Armandis, com o rosto amargurado, foi se sentar perto de Icarus, que riu ao perceber a expressão de seu oficial.
- Hahahahaha. Ela não é fácil mesmo! - riu Icarus.
- Uma demônia disfarçada de deusa... ops... desculpe majestade... - falou Armandis.
- Hahahahaha. Imagine, conheço a filha que tenho. Duvido que um dia encontre um rapaz que a dome. Enfim... puxou à mãe, ruim igual! - falou Icarus, em seu tom de brincadeira.
- Icarus! - resmungou Nioki, dando uma cotuvelada em Icarus.- Veja como fala!
- Estou brincando minha rainha... hahahaha. Armandis, aconselho-te a ir descançar. Amanhã será um longo dia.
- Claro... boa noite vossa majestade. - resmungou Armandis, se levantando.


E a noite avançava trazendo uma manhã que mudaria o rumo das vidas em jogo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A Estrategista - Parte 1

*Nova História (Os nomes de cidades, países e personagem são Fictícios)



O vento soprava forte no grande deserto escaldante. O ano era 300 a.C. Há alguns quilômetros de distância dalí ficava o país Mitryas, uma grande potência da Era. O rei Nicolas liderava o grande exército, um homem forte e alto, dos cabelos dourados e da pele levemente amorenada pelo sol do deserto. Nicolas era conhecido por sua arrogância e beleza, além das glamurosas túnicas, pois era um rei jovem, apenas 29 anos. Por onde passavam, o exército de Mitryas deixava um rastro de destruição. Grécia e Roma não eram nada diante de Mytrias, mas um país em particular insistia em ser um obstáculo no caminho de Nicolas.




O pais Getsêny era um país forte. Seu rei, Icarus, era um homem destemido, inteligente e maduro, com seus 45 anos. O país Mitryas era inimigo declarado de Getsêny. O grande exército de Icarus não era tão poderoso quanto o de Nicolas, mas Icarus tinha algo especial. As estratégias de guerra de Getsêny eram perfeitas. Entre emboscadas e fugas, o exército de Nicolas nunca conseguia derrotar Icarus e dominar Getsêny. E todos sabiam de onde vinham as estratégias do exército de Icarus: seu estrategista.

Na verdade, não era "o estrategista", mas sim "a estrategista". Micaili tinha 21 anos de idade, era uma jovem princesa bela, estatura baixa, corpo magro e cabelos pretos como os de seu pai, Icarus. Mas Micaili nunca se importou com beleza ou futilidades femininas. Desde pequena, ela observava seu pai e tinha adoração por ele. A esposa de Icarus, Nioki, uma linda mulher de cabelos ruivos, sempre quis que a filha se casasse. Mas Micaili não gostava da idéia, pois, assim como seu pai, ela tinha o dom para a guerra. Icarus sempre lamentava:

- Ah, minha filha Micaili! Como queria que você fosse um filho homem.
- O meu sexo não importa pai. O que importa é o que eu sou por dentro. E junto ao senhor, levaremos Getsêny à glória.

Nioki não podia mais ter filhos. Devido à uma complicação no parto, quase morreu quando deu à luz Micaili. Embora lamentasse que a filha não ligasse para prazeres femininos, ela sentia orgulho. Graças a Micaili e suas estratégias específicas e inteligentes, Getsêny se mantinha de pé diante de Mitryas.

Micaili era conhecida por toda dinastia e por todos os países como "O Milagre de Getsêny", pois suas idéias de combate eram um milagre. Mas, somente o povo de Getsêny sabia que as estratégias do país eram feitas pela princesa. O outros países fantasiavam, uns diziam que "O Milagre de Getsêny" era um bravo soldado, outros diziam que era um deus que cansou do céu e decidiu viver entre os humanos. Icarus não ligava para a lenda que outras nações criavam, e sempre usava Micaili quando tinha uma vigente batalha. Realmente, Micaili era o orgulho e o braço direito de Icarus.

Obviamente, isso chegou aos ouvidos de Nicolas:
- Claro! Um estrategista! O rapaz que esquematiza as estratégias deles deve ser muito bom. Mas não acho que seja um deus. Lembra da última batalha que tivemos contra Icarus?
- Sim majestade - respondeu o conselheiro, Madric- Eles estavam quase em nossas mãos, encuralados, e de repente sumiram numa fuga que não deixou rastro.
- Exatamente! E perderam muitos homens. Se o estrategista deles fosse um deus, eles não fugiriam. Nos enfrentariam e ganhariam. É humano, Madric. Humano!
- No que está pensando, rei Nicolas? - interviu Caliú, o segundo conselheiro.
- Estamos há 3 anos tentando dominar Getsêny, e eles enfrentam, nos enfraquecem e fogem. Essa mesma ladainha durante 3 looongos anos. Tudo por causa desse maldito estrategista! Madric... Caliú... eu quero o país de Getsêny... mas...
- Mas...? - insistiu Caliú.
- Para isso, tenho que por as mãos nesse estrategista.
- Aonde quer chegar, senhor? - falou Madric.
- Vamos planejar corretamente. Quero outra batalha contra Icarus! Mas, dessa vez, meu alvo não será aquele velho maldito. O único objetivo é acabar com o estrategista! E então Getsêny será minha!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 40 - FINAL

Simon ainda estava perturbado fitando o rei que ele desafiara a um duelo pelo reino do Sul e pelo sangue de sua amada Lira, mas que havia se matado na sua frente, lhe dando o reino sem qualquer esforço.

O príncipe deixou a espada de sua mão cair no chão. Quando voltou a si, olhou em volta, e viu todo o exército de Marshall ajoelhado diante dele esperando ordens. Ele era o novo rei do Sul.

Não era como deveria ser, mas finalmente a promessa que Lira fizera à sua mãe Laura estava cumprida. O reino não era mais de Marshall. E Simon estava disposto a dar paz ao povo do Sul por Lira. Depois de tanto choque pelos fatos sanguinários, algo despertou todos.

- Não! Não! Ele não é rei! Ele é um traidor, lembram? A punição para traidor é bem descrita nas leis, não importa quem ele seja! A morte! Ele é traidor! Matem-no! - gritava Irian, desesperado, tentando sair das correntes.

O sangue de Simon ferveu. Lira estava morta e a culpa era de Irian. Leonidas, o oficial, se chegou à Simon:
- O que faremos com ele, majestade?
- Primeira coisa, cortem a língua desse maldito! - disse Simon, mergulhado em ódio.

Três soldados seguraram Irian, que gritava desesperadamente, enquanto Leonidas empunhava a espada e cortava a língua do servo eunuco. Irian nunca mais falaria mentiras mergulhadas em seu veneno hostil.

Simon assumiu o trono, e não permitiu que o reino do Sul entrasse em guerra desnecessariamente, apenas quando outros povos tentavam lhes tirar a paz. Deu ao povo do Sul toda a paz que Laura, mãe de Lira, ansiou um dia. Grato pela coragem de Taimí, a índia que salvou sua vida duas vezes, Simon se casou com ela. Diferente de um conto de fadas, Simon não foi feliz com a índia, pois o seu amor verdadeiro estava perdido para sempre no abraço frio e negro da morte. Mas o que estava em seu alcance para dar a Taimí o que fosse para ser feliz, Simon estava disposto.

O pai de Simon, o rei do Norte, estava velho, e em breve morreria. Logo Simon teria de assumir os dois reinos. Mas sua meta era dar paz tanto ao Sul como ao Norte.

Minotty, o oficial do exército de Lira que a traiu com Irian, recebeu sua punição que foi o enforcamente. Quanto a Irian, Simon deu a ele todo o seu ódio e dor por uma extensa tortura antes de cortar sua cabeça em público.

Irian nunca mais atormentaria com seu veneno. A vida de Lira, Laura e Marshall estava seladas para sempre. E Simon sempre amaria Lira, mantendo a paz em nome dela. A promessa estava cumprida.

Lira ter tentado sacrificar o amor dela por Simon para cumprir sua promessa havia sido A ÚLTIMA TRAIÇÃO. Nunca mais se ouviu falar em traição no reino do Sul e nem em toda a sua extensão que abrangia o reino do Norte.


FIM

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 39

O exército estava parado diante de Lira e Simon. A chuva ficava mais severa, enquanto o príncipe ainda chorava por sua morta. O rei Marshall mantinha a posição de estátua, os olhos vermelhos fitando a falecida filha. Irian, em suas correntes, caiu ajoelhado no chão - nada havia saído como ele planejou, e agora, o que aconteceria? Receberia o servo eunuco o perdão real depois de ter sido direta e indiretamente a causa da morte da princesa Lira? O coração de Irian, desta vez, estava desesperado. Desta vez ele não tinha nenhuma saída, nenhum plano B para escapar da punição.

- Minha menina... não! - suspirou Marshall, perdido em sua agonia.

Ao ouvir a voz do homem que matou Lira, Simon acordou de sua entorpecente dor, saindo da cúpula onde somente Lira e ele existiam em seu momento de adeus. Levantou a cabeça e olhou em volta, avistando o grande exército, o maldito servo Irian, e o assassino rei Marshall. A cabeça de Simon ferveu em fúria, e batendo a mão direta no chão diante de Marshall, fitando seus olhos, ainda com Lira nos braços, exclamou:

- O que você fez... seu assassino! - disse Simon.
- Não, não... eu não quis ... eu não... eu amo Lira, é minha filha. Eu amava Laura. Eu nunca machucaria as duas. Elas são minha família... - dizia Marshall, engasgado e completamente perturbado.
- Você matou Lira... você matou Laura. Que espécia de amor é esse. Você é um maldito!
- Eu... eu não matei, não pode ser... Lira, acorde, Liraaa! - falava Marshall, sem sentido, esticando o braço para tocar a filha morta.
- Não toque nela! - disse Simon, se levantando, deixando o corpo de Lira frio deitado no chão molhado pela chuva.
- Não, não, não... ela está... morta. Eu a matei! Eu a matei! Eu a matei! - falou Marshall, elouquecidamente, colocando as mãos no rosto chorando desesperado.

Simon empunhou a espada de sua bainha. Olhou enfurecido para Marshall, que sorriu ao ver a atitude se Simon.
- Isso! Me mate, por favor me mate! Eu quero morrer... eu quero me juntar a elas... - falou Marshall, enlouquecidamente.
- Não será tão fácil, rei Marshall. Não quero matar você. Quero lutar. Uma luta justa pela vingança pelo sangue de Lira, e pelo reino do sul.
- Não, eu não mais nada. Não quero ser rei, não quero terras, não quero joias... - disse Marshall, tirando de si os anéis de ouro e jogando no chão - é tudo seu, tudo, tudo seu... pegue, mas me mate, por favor, me mate!
- Não seja covarde! Levante e lute como um rei. Quero vingar com honra!

Era óbvio que tanto Simon como Marshall estavam completamente poerturbados. Marshall não tinha disposição para uma luta; sua consciência já definhada pela morte de sua esposa Laura o havia atormentado por anos. Agora a morte de Lira o havia enlouquecido completamente. Marshall queria morrer. Mas Simon sempre foi um homem de princípios. Nunca iria se aproveitar da insandescência de um homem para tirar-lhe o reino. Ele queria uma luta justa - uma luta que não ocorreria porque Marshall não estava disposto a lutar.

Leonidas e Naim, o oficial e o escudeiro, tão fiéis, se aproximaram do rei.
- Por favor senhor, foi uma fatalidade. Levante-se... - disse Leonidas.
- Escutem! - disse Marshall de repente, se levantando. - Há uma altercação entre mim e o príncipe Simon. Se eu morrer, o rei de direto é ele. Pois bem!
- O que está dizendo majestade.- falou Naim, preocupado.
- O reino do Sul para o herdeiro! - disse Marshall, engolido pelas trevas da loucura e da culpa em agonia. - Vida longa ao rei!

Ao dizer isso, Marshall, em sua loucura repentina, empunhou própria espada e a cravou em seu próprio peito. Como um último suspiro, Marshall morreu sentido alívio por se auto-punir pela morte de Lira e Laura. O choque que isso causou aos presentes foi tamanho que Leonidas e Naim caíram de joelhos.

- Quanta tragédia... tantas vidas perdidas por causa de poder! - exclamou Naim, o escudeiro, inconsolável.
- O rei Marshall está morto. Além de ser a última vontade do rei do Sul, também é o direito de herdeiro. Simon é o rei agora! - falou o oficial Leonidas.

Os olhos de todos se voltaram para Simon.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 38

Lira, fraca e perdendo muito sangue, esticou a mão delicada e pousou o dedo nos lábios de Simon.

- Shhhhhh! É tarde demais... - murmurou Lira.
- Não, não, não Lira... não me deixe! - implorou Simon.
- Está tudo bem. Não dói mais. - a voz de Lira saia entrecortada em espasmos, que levavam sua vida a cada instante. - Agora sinto apenas frio. É mais tranquilo do que pensei. Minha mente está maravilhosamente racional, mas meu corpo está dormente. Só não gosto do fato de não conseguir ver seu rosto direito. Queria tanto levar essa lembrança comigo.
- Não Lira, resista, vamos salvar você! - choramingava Simon.
- Só posso te pedir uma coisa...
- Peça!
- Estou morrendo Simon. Estou pagando meus pecados. Quero ouvir dos seus lábios que me perdoa, de verdade.
- Lógico que perdouo. Já havia perdoado muito antes de você pedir...
- Shhhh. Agora a dormência está maior. - suspirou Lira, ainda com o dedo nos lábios de Simon.- Mas posso sentir a perfeição dos seus lábios na ponta dos meus dedos.
- Você está tão fria... Lira...
- Achei que seu perdão me daria paz, mas há algo errado. Algo que preciso fazer antes de partir.
- Claro, você tem que viver! Tem que ficar comigo!
- Simon. Minha promessa. Não posso morrer sem cumprí-la. O reino ainda está nas mãos de meu pai...
- Não Lira, não faça isso... essa história...
- Me prometa! Me prometa que vai tirar o reino dele... que vai salvar o povo sofrido do Sul. Eu preciso disso Simon, preciso disso pra dormir pra sempre, em paz.
- Eu, Lira... eu...
- Por favor Simon. Você tem um coração de ouro. Sei que será um bom rei. Apenas prometa isso...

O corpo frágil de Lira nos braços de Simon deu mais um espasmo, pulsando o sangue para fora onde a vida da princesa se esvaia a cada segundo. Lira estava morrendo, como Laura, sua mãe, havia morrido. Não havia nada que Simon pudesse fazer. Ele ia perdê-la. Num golpe de ansiedade, Simon prometeu:
- Eu prometo Lira. Prometo que cuidarei do seu povo. Prometo que cumprirei o que você havia prometido há tanto tempo para sua mãe....
- Obrigada... - sussurrou Lira, fechando os olhos lentamente. - Simon, eu amo você.
- Eu também te amo Lira. - suspirou Simon, deixando as lágrimas caírem.

Num último espasmo, Simon deitou seus lábios sobre os lábios gelados de Lira, num beijo de despedida. Sob a boca de Simon, Lira deu seu último suspiro, onde um último "eu te amo" foi sussurrado como a lápide que celava para sempre a únião e separação dos príncipes em dois mundos diferentes, onde a vida e a morte pairam diante de seus limites dominando cada uma a sua parte. A morte tomou posse de Lira para sempre sob a chuva fina que ainda caía diluindo todo o sangue derramado por terra. Simon caiu sobre o corpo da esposa numa dor indescritível, onde o grito de um coração aflito ecoava pela separação eterna.

O rei Marshall ainda estava em choque, olhando a filha branca e fria que ele havia acabado de matar.

sábado, 17 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 37

Simon passou a mão ainda com olhos fechados pelo peito largo, sem encontrar a flecha que deveria estar cravada nele. Abriu os olhos de vagar, olhando em volta, e todos fitavam um único foco.

Do alto do cavalo castanho, a face de Marshall não era mais superior. Seu rosto estava agoniado, os olhos demonstrando uma dor intensa. A mão de Marshall, que ainda empunhava o arco, tinha um grande corte, como se algo afiado tivesse passado de raspão. Fitando o mesmo foco que todos os outros, uma palavra agoniada saiu do lábios de Marshall, que tremiam:
- Não! - sussurrou o rei.

Ao virar o rosto para onde todos olhavam, Simon entrou em desespero. Os olhos de Lira encontraram os de Simon no mesmo instante. Os olhos dela possuiam uma sombra negra, como se todo o brilho de vida estivesse desaparecendo. A mão delicada da princesa passou suavemente em cima de seu peito, onde uma longa flecha estava cravada, libertando uma torrente de sangue, muito vermelho em comparação à pele branca de Lira.

O que havia acontecido? Como a flecha que era para Simon foi parar no coração de Lira? Ao longe, cabelos negros e lisos esvoaçavam com o vento forte. Taimí, a índia, acompanhava o desfecho dos fatos, e não ia permitir que Marshall matasse Simon. Numa tentativa desesperada, a índia Taimí atirou com seu arco de bambu uma flecha afiada contra Marshall, mas pela distância, acertou apenas sua mão, desviando o foco de Marshall contra Simon, fazendo com que a flecha já atirada entrasse no caminho de Lira, que estava a pouca distância do príncipe do Norte, segurada por Leonidas. Taimí não planejou que a flecha acertasse Lira. Era uma fatalidade. Ela só queria salvar Simon.

Mas ninguém prestava atenção em Taimí, ao longe. O foco era Lira. Os olhos sombrios e sem vida, Lira focou com dificuldade o rosto do pai, Marshall, e disse em sua voz frágil:
- Isso é um tanto... irônico, não? - disse a princesa, tranquilamente.

O corpo de Lira, perdendo vida aos poucos, tombava para o sono eterno, mas Simon a pegou antes que caísse ao chão. Desesperado, ele arrancou a flecha do peito ferido de Lira. Lira, sem forças, gritou com a nova dor que lhe provocara o ato de Simon.

- Um médico! Rápido! Agora! Por favor! - gritava Simon, tapando inutilmente a fenda no peito de Lira de onde o sangue se esvaía.

Cambaleando, em choque, Marshall desceu do cavalo, fitando Lira morrendo, sem piscar. Deu dois passos, esticando o braço, então pois as mãos no rosto:
- Não... oh não, não, não!!! - choramingava consigo mesmo, desesperado.

O mesmo arco, a mesma flecha que matou a rainha Laura agora exigia a vida de Lira. As mesmas mãos que acidentalmente atiraram a flecha em Laura, agora provocavam o mesmo dano em Lira. Marshall matou a esposa anos antes, e agora era o responsável pela morte de Lira.

Marshall caiu aos prantos em joelho, enquanto Simon ainda gritava sobre o sangue de Lira.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 36

- Mas do que é que está falando??? - Simon exigia saber.

O rei Marshall pousou teatralmente as temporas nos dedos polegar e indicador da mão direita demonstrando um pesar que não era genuíno. Voltou olhos forçadamente tristes para Simon e falou:
- Simon, Simon... como confiei em você. Se tornou para mim como um filho! Mas Irian nos disse que pagou a ele e ao oficial Minotty. Que estão juntos numa trapaça contra o reino do Sul. Você forjou seu próprio desaparecimento para atrair minha filha Lira para longe de mim e poder matá-la. Então depois voltaria e mataria a mim para possuir o reino do Sul. Pobre filha minha. Lira, meu bem, se afaste desse traidor. Eu estou aqui para levá-la para casa. Irian e Minotty, por terem confessado receberão o perdão real e serão exilados como única punição. Mas a você, príncipe Simon Castella, a você darei a pior das torturas e cortarei sua cabeça em público! Não me importa que isso provoque uma guerra com o reino do Norte, mas você terá sua punição!
- Não! - sussurrou Lira em meio ao choque.

Irian virou a mesa outra vez. Com a presença do exército de Marshall, Irian e Minotty estariam encurralados. Mesmo que não tivessem aberto a boca, assim que Lira saísse do buraco com Simon, ela contaria ao pai tudo o que Irian havia planejado contra ele, e o eunuco juntamente com o oficial seriam humilhados, torturados e mortos. Mas Irian era inteligente demais para morrer dessa forma. Ele só tinha uma saída. No momento em que soube que não poderia mais matar Lira para calar sua boca, Irian já sabia que não teria mais o conforto do palácio.

O que importava era a sobrevivência. E a única forma de sobreviver era virando Marshall contra Simon. Lira amava Simon, e era fácil influenciar Marshall a ver qualquer acusação da filha contra Irian como uma tentativa desesperada de salvar seu marido. Simon era quem estava do lado mais fraco da corda. O único lado que Irian poderia arrebentar. O desconhecido, o estrangeiro, o príncipe do Norte que era, antes da aliança, um inimigo do Sul. Marshall acreditou rapidamente na mentira de que Simon tramava contra ele e sua filha Lira, como um peixe faminto morde a isca presa ao anzol. Supostamente confessando a mentira toda, Irian sabia que receberia o perdão real e que seria exilado, mas pelo menos estaria vivo.

Um turbilhão arrasava Lira por dentro. Ela estava perdida. A vontade que tinha era de pegar a espada na bainha de Simon e voar contra Irian para arrancar-lhe a cabeça. Mas haviam tantos guardas alí. Por impulso, Lira voou novamente para Leonidas, tentando libertar Simon.

- É MENTIRA!!! ESSE MALDITO EUNUCO ESTÁ MENTINDO!!! SOLTE MEU MARIDO LEONIDAS, É UMA ORDEM!!! - Lira gritava desesperada.

Marshall olhou com pena para a filha, voltou-se para Leonidas e disse:
- Leonidas, solte-o... por um instante. Lira, meu bem. Sei que para você é difícil aceitar. Mas este homem não merece seu amor. Ele nos traiu, a nós dois. Não posso deixá-lo viver. Afaste-se dele agora!
- Eu não o traí majestade! Esse servo está mentindo. Precisa ouvir o que eu e Lira temos a dizer... - Simon começou a falar.
- Cala-te traidor! - ordenou Marshall.
- Pai! - interrompeu Lira - Prefere acreditar num maldito eunuco do que ouvir sua filha?
- Querida, sua visão está deturpada. Eu vi o quanto sofreu quando achou que este maldito traidor morreu. - ponderou Marshall.
- Não! Não pai! Você tem que me ouvir...
- Chega! - se irritou Marshall - Não vou ficar discutindo o que fazer ou que não fazer com um traidor. Já lidei com traidores no passado e não dei chance para choramingos. Leonidas! Segure Lira longe desse maldito principezinho do Norte. Vou acabar com a raça dele agora mesmo!
- NÃO! - gritou Lira quando Leonidas puxou seu braço.

Era uma injustiça enorme. Simon olhou para Lira melancolicamente, mas ele não era covarde. Era um príncipe guerreiro, corajoso. Não ia implorar para que Marshall o ouvisse, nem ia correr tentando fugir. Marshall era um rei ambicioso e hipócrita, altamente influenciável e não confiava em niguém por não ser ele mesmo uma pessoa confiável.

Marshall empunhou um grande arco, flexionando a flecha afiada sobre ele. Apontou para Simon, enquanto um sorriso do mal se espalhava no rosto de Irian. Os olhos de Lira se arregalaram ainda mais, o coração tapando-lhe a garganta em batidas agudas. Simon suspirou ainda olhando para Lira:

- Eu te amo Lira. Me perdoe por tudo. Mas eu amo você! - sussurrou, se virando com o olhar duro para Marshall.

Agora Simon estava de frente ao rei. Simon estava encarando a morte. Estufando o peito e levantando o queixo em sua postura principesca, Simon falou alto e claro:

- Está cometendo um erro, rei Marshall! Mas não posso interferir contra teu orgulho. Mate-me, como tem que ser para se manter em seu pedestal. Espero que Deus tenha piedade da sua alma por todas as injustiças que tem cometido. Morro com orgulho por sempre ter sido fiel aos meus princípios, e não como um traidor. Estou pronto, majestade, me mate! - desafiou Simon.
- Hoje derramo o sangue de uma cobra que se aninhou em meu palácio. Adeus Simon Castella. Que Deus tenha piedade da SUA alma, que é a de um traidor. - redarguiu Marshall.

Marshall disparou a flecha, confiante de seu destino. Simon fechou os olhos, esperando a morte. Irian sorriu, ansioso pelo sangue derramado. Leonidas estreitou a mão forte no braço fino de Lira, que estava paralisada.

Um grito agudo de dor ecoou na clareira.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 35

A corda balançava exigindo resposta. Lira tremeu nos braços de Simon:
- É Irian e Minotty... vão nos pegar... vão nos matar! - murmurou Lira, desesperada.
- Shhhhhh... escute...

E a voz grossa que vinha do meio dos murmúrios da superfície do buraco não era nem de Irian, nem de Minotty:
- Princesa Lira! Consegue me ouvir, alteza? O exército de vosso pai está aqui! Viemos resgatar vocês! - clamou a voz grossa do oficial do exército do Sul.
- Leonidas? É você? Leonidas!!! - clamou Lira, aliviada - Graças a Deus! Nos tire daqui! - e se voltou para Simon - Estamos salmos meu amor! Eles devem ter pêgo Irian...
- Lira, vá, suba. Vamos cantar vitória quando estivermos em nossos cavalos ao lado de seu pai, está bem?
- Certo, eu amo você. - disse Lira, dando um beijo calmo e carinhoso em Simon.

Lira pegou a corda firmemente, subindo pelas pedras rochosas da grande fenda, surgindo a superfície e sendo amparada pelas mãos fortes do 2° oficial do exército, Leonidas. Imediatamente ele colocou as mãos nos ombros de Lira:
- Alteza, se machucou? Está ferida?
- Não, não Leonidas, estou bem, tire Simon do buraco! - ordenou Lira.

A princesa passou os olhos pelo campo aberto, e viu seu pai, o rei Marshall, seguido do extenso exército. Dois soldados seguravam em correntes Irian e Minotty, o que fez um sorriso lampejar no rosto de Lira.

Enquanto isso, Leonidas puxava a corda, quando a cabeça de Simon surgiu à superfície. Bruscamente, Leonidas pegou o braço de Simon:
- Anda seu traidor!

A frase não fez sentido na cabeça de Lira. Ele olhou desnorteada para Simon, e ele voltou o mesmo olhar confuso para ela. Lira jogou as mãos para cima e andou em direção a Leonidas:
- Largue! Largue ele! Está maluco, oficial? - perguntou Lira, tentando tirar as mãos de Leonidas de cima de Simon.
- É! O que está havendo? Me solte! - bradou Simon, irritado.

Um estalo assustou Lira, o que a fez largar Simon e Leonidas. Era o cavalo castanho do rei Marshall bradando para exigir silêncio. Do alto da sela, Marshall olhou majestosamente irritado para Simon, e apontou levemente para Irian e Minotty:
- Eles nos contaram tudo Simon Castella! Que decepção! - disse Marshall.

Os olhos de Simon e Lira se arregalaram. Que mentira Irian teria inventado agora?

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 34

- Si-simon... por favor me ouça! - arfou Lira - eu, eu preciso explicar... eu te a...

PAF! Um estalo ardido fez o rosto de Lira se virar para a direita. A força do estalo era tamanha, que o corpo magro da princesa cedeu juntamente, e os cabelos molhados taparam-lhe a face, que ficava vermelha na maçã do rosto pelo tapa que Simon havia lhe dado. No chão, Lira ficou imóvel. Simon pegou Lira pelo braço bruscamente, levantando-a e a recostando novamente nas pedras, olhando odiosamente nos olhos dela:
- Não se atreva a dizer que me ama! - disse ele ainda na voz ríspida - Você... você tentou me matar!- e derepente os olhos de Simon eram lacrimosos, exibiam sua dor - Co-como pode Lira? Eu, eu te amei tanto! Eu fiz de tudo por você! - ele gritava segurando o rosto de Lira perto do seu- Você dizia que me amava, sua cobra peçonhenta! Tramava contra mim nas minhas costas! O que eram aqueles pedidos pra que eu não fosse pra guerra? Peso na consciência? Hã? Diz Lira, diz!
- Dizer o quê? - arfou Lira.
- Diga que tramou tudo isso! Confesse que nunca me amou! Diga que foi tudo mentira! Diga!!! Diga... que não me ama... - e o fim da frase saiu como um sussurro triste.
- Eu... não... posso... - arfou Lira novamente.
- Não pode o quê?- gritou Simon, exigente.
- Não posso dizer que não te amo! Porque eu te amo sim Simon Castella, te amo como uma louca insandecida!!! Eu te amo! - gritou Lira finalmente.
- Como ousa dizer isso depois de tramar a minha morte? - questionou Simon, segurando Lira com mais raiva e força.
- É um trauma de infância! Meu pai assassinou minha mãe! - berrou Lira, como se aquilo fosse uma corda que finalmente se arrebentou em seu peito e libertou seu segredo.
- E você quer ser igual ao seu pai? Assassina do seu conjuge?
- Não! Você... não entende... - Lira baixou a voz de repente - Minha mãe me fez prometer que tiraria o reino das mãos de meu pai. Que não permitiria que ele continuasse levando o reino do Sul para eras de trevas e guerras. - Lira fitava o chão - Fui praticamente criada pelo servo eunuco Irian. A vida toda ele alimentou em minha mente o ódio pelo meu pai e fortificou em raízes a promessa que fiz! Quando me casei e descobri que amava você, ele me atormentava todosos dias me lembrando da promessa...
- O que minha morte tem a ver com essa promessa? - Simon questionou.
- Tem a ver que, segundo Irian, casada com você, o reino do Sul iria para as suas mãos, um homem com a mesma determinação de guerra que meu pai. Eu não cumpriria a promessa. Não salvaria o reino do Sul das tormentas das guerras. Você é expansivo como meu pai... era por isso que não podia ser rei...

Simon soltou Lira, com os olhos perdidos, indo se recostar nas pedra lameadas como se um grande peso lhe cansasse as costas. Lira o fitava, melancólica:
- Mas isso era a suposição de Irian. Irian queria me ter nas mãos. Eu fui altamente influenciável. Através de mim, Irian teria poder a todo o reino. Deus sabe o quanto eu quis escapar do destino de ter que sacrificar você pela promessa. Mas Irian me fechava em qualquer caminho que eu tomava. Ele mexia com minha cabeça.
- E veio me buscar aqui pra me matar longe dos olhos de seu pai? - perguntou Simon, entorpecido pela decepção.
- Não... oh não, não, não Simon... - Lira disse chorosamente, se ajoelhando diante de Simon- eu... eu desisti desta promessa idiota no momento em que tive de colocar aquele vestido de luto. Eu amo você Simon, errei porque sou uma idiota, uma marionete de Irian. Mereço que em odeie para sempre, e fico grata que me odeie!
- Grata?
- Sim, quero que me odeie! Não suporto mais tudo o que eu fiz... tudo o que minhas atitudes me tornam. Eu mesma me odeio. Quero ficar neste buraco para sempre...
- Hahahahahaha - começou a rir Simon, desacreditado - Como pude crer por um segundo sequer que todo esse plano de morte e domínio do reino viesse de sua cabecinha infantil? Sou mais idiota que você!
- Está rin... rindo do que?
- Lira, por um instante a vejo se comportar na situação mais complicada da sua vida, e você me pede que eu a odeie, e que quer ficar neste buraco para sempre? Hahahahaha. Você é tão inocente que as vezes me assusta! Em vez de me implorar perdão, de tentar usar do amor que tenho por você pra me influenciar, você mesma se castiga. Aquele maldito eunuco se aproveitou da sua ingenuidade. O único culpado é ele. Ele não vai ter o perdão real. Quando essa história chegar aos ouvidos de seu pai, Lira... vai sofrer como um cão!
- Simon... não entendo... não me odeia mais?

Simon se abaixou e pegou o rosto de Lira entre as mãos. Olhou ternamente em seus olhos e beijou a bochecha onde havia lhe esbofeteado:
- A única coisa que me levou a lhe machucar é o desespero de pensar que todo seu amor era mentira. Mas que motivo tenho eu para lhe odiar se apenas fostes enganada e chantegeada com a memória de sua mãe? Não tenho o direito de culpá-la Lira. O único foco de toda minha raiva agora é aquele maldito eunuco!

Os olhos de Liram lampejaram de amor e alívio. Ela deixou-se perder no abraço de Simon em lágrimas. Num olhar reconfortado, Simon deitou seus lábios nos de Lira em um carinho indescritível, quando uma corda desceu pelo buraco, chamando a atenção de ambos.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 33

O olhar desesperado de Lira entregava a verdade. Aquilo foi como uma facada no coração de Simon. Nos olhos de Lira, ele descobria que a esposa que tanto amava havia tramado contra ele, pago à dois homens para que o matassem. Rapidamente, Lira saiu do choque da revelação e, levada pelo medo da reação de Simon, disparou para fora da Tenda cinza.

Simon, atropelado por um misto de sensações, foi ao encalço de Lira. O grito furioso de Irian trovejou de dentro da tenda:
- Peguem-nos! Eles não podem fugir!

Lira montou no cavalo branco e saiu rasgando o ar frio pela chuva fina da manhã. Logo atrás dela, Simon seguia em seu cavalo negro, cego por uma convulsão de ódio e amor. No encalço deles, seguia o oficial Minotty, com alguns soldados, e Irian.

A chuva penetrava no chão, tornando-o enlameado e escorregadio. Os campos abertos revelavam buracos de erosão, e o vento ainda rugia desde o sul. O cavalo branco de Lira pulava e desviava dos buracos, mas o chão escorregadio não era de ajuda alguma. Simon estava quase alcançando Lira, com o braço esquerdo aberto, em forma de concha, como se quisesse pegá-la de cima do cavalo.

Numa parte rochosa, Simon apertou o passo e, grudado ao cavalo de Lira, se chocou contra ela, puxando-a consigo, caindo por terra e rolando, até seus corpos encontrarem um baque no chão folhoso. Desnorteada, Lira se levantou, afastando Simon de si, que também estava zonzo pela queda. Olhou para cima, e percebeu que estavam num buraco, uma grande fenda no chão das terras do Leste. A chuva fina ainda caía, penetrando dentro da grande fenda, enlameando o chão folhoso.

Lira, encostada nas pedras, o cabelo despenteado e molhado, o vestido sujo e meio desfiado, fitou Simon no chão com olhos de piedade e desespero. Simon se levantou, fitando Lira com olhos de ódio fervente.
- Você! - cuspiu Simon, entredentes, com rispidez e voz acusadora, enquanto se aproximava ameaçadoramente da princesa.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 32

Lira correu para a tenda cinza e acordou Simon.
- Simon, por Deus, temos que sair daqui!
- O que houve, meu anjo? Por que está assustada?
- Acabo de ouvir Irian e meu oficial Minotty. Eles estavam tramando. Estão vindo nos matar!
- O quê! - gritou Simon, se levantando.

Num salto, Simon colocou sua roupa oficial. Duas sombras se aproximavam da tenda cinza. Simon empunhou sua grande espada, e puxou Lira para trás de si. Uma ponta de raio de sol jazia no horizonte do céu cinzento.

As duas sombras entraram na tenda, se assustando ao encontrar Simon desperto e na posição de defesa. Irian retomou o controle e falou:
- Ora, ora... por que a defensiva?
- Seu maldito! - gritou Lira - Vou gritar, vou despertar meu exército! Minotty, seu traidor! Você irá perder sua cabeça. Você pode me trair, mas o meu exército não desobedecerá minha palavra!

Minotty estremeceu com as palavras de Lira. Ele era muito fiel ao reino do Sul. Aceitou matar Lira porque acreditou nas mentiras de Irian de que ela estava traindo o pai. De certo modo, isso não era em tudo mentira. Mas matar Lira e Simon dormindo seria fácil. Ninguém poderia provar que havia sido ele e Irian. Os ídios seriam dizimados pelo exército do Sul, e tudo acabaria bem. Mas agora, com Lira e Simon acordados, haveriam gritos. Logo, viriam os exércitos, e Minotty seria preso por traição, e executado. Mas Irian não se deixou abalar. Ele sempre tinha um AS na manga.

- Senhor Simon Castella. É incrível como ama e confia na princesa Lira. Mas, devo abrir teus olhos. Dois homens lhe atacaram na floresta, não foi? - perguntou Irian, argucioso.
- O que... como... como sabe disso? - perguntou Simon, confuso. Afinal, ele só havia contado a Lira a respeito do ataque e da conspiração que desconfiava.
- Sabe quem pagou os homens para que o matasse? - perguntou Irian, sorrindo.
- Termine! - exclamou Simon.
- A mulher que chamas de esposa! - respondeu Irian, friamente.

Simon congelou. Virou-se para Lira esquecendo-se da posição defensiva. Em meio ao gelo, o príncipe apenas conseguiu sussurrar:
- Diga... diga que não é verdade...

Mas Lira não conseguia responder.

domingo, 11 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 31

A noite veio rápida, fria e cuvosa. Na grande tenda cinza, a àgua severa não entrava. Simon se aproximou de Lira com um sorriso iluminado:
- Não faz idéia do quanto senti sua falta, meu anjo! - disse Simon.
- Ah Simon, eu fiquei com tanto medo, você não faz idéia do quanto sofri tendo que por aquele vestido preto de luto...
- Eu sei, Lira. Mas temos um grande problema. O que fizeram comigo foi conspiração. Alguém pagou aqueles homens para me matar. Agora entendo porque odeia seu pai. Não sei por que ele queria me matar, mas deve ter dinheiro e poder envolvi...
- Simon! - Lira o interrompeu, colocando o dedo em seu lábio- Não tire conclusões precipitadas. Vamos voltar para o Sul em paz. Lá as coisas irão se resolver.
- Sabe alguma coisa sobre isso? - disse Simon, desconfiado.
- Está... desconfiando de mim? - disse Lira, assustada.
- Hahahahaha... não amor - respondeu Simon - Por favor, não quero brigar com você minha Lira. Tanto tempo longe, tanta dor. - disse ele, abraçando Lira - Só quero você essa noite, ter você em meus braços, em meu coração, em minha alma... sempre!
- Sempre... - repitiu Lira - Eu te amo!
- Eu te amo em dobro!
- Rá! Eu vim te buscar enfrentando uma tribo de índios, acho que te amo mais...
- Não exagere. Eu fiquei sofrendo sentindo sua falta enquanto estava cercado de índias lindas e com poucas roupas...

Taf!!! Lira deu um tapa no braço de Simon, que fez um estalo. Ele riu da reação da esposa, e depois suspirou:
- Realmente não quero passar a noite discutindo quem ama mais quem aqui. Prefiro te provar isso! - exclamou Simon, puxando Lira para a intensidade de seu amor.

O vento soprava forte, mas a chuva cedera um pouco. Chuviscava congelantemente, e ainda era noite, embora fosse amanhecer a qualquer momento. Lira ainda estava na grande tenda cinza deitada sobre o corpo de Simon, que dormia tranquilo. Mas um cochicho conhecido despertou a princesa. Lira se levantou, colocando o vestido escuro. Encostou-se na entrada da tenda, focalizando o cochicho. Era a voz de Irian na tenda ao lado, e conversava com alguém.

Lira saiu da tenda com passos leves, indo silenciosamente em direção à tenda mais clara, de onde vinha a voz de Irian. A chuva caia fina em seu cabelo castanho, deixando-o molhado e escuro. O frio do fim de noite arrepiava os braços branco de Lira, mas ela não se importava, nem ao menos estava ciente do frio. A voz de Irian era maliciosa, igual à quando ele armava junto com ela a morte de seu pai. Irian estava tramando algo, e isso estava deixando Lira assustada. Entorpecida pelo medo do que Irian estaria tramando, Lira não sentia a chuva. Estava hipnotizada pelo som da voz, querendo compreender as palavras. Chegando perto, Lira escutou a parte mais importante da conversa, e reconheceu a segunda voz. Irian conversava com o oficial Minotty, chefe do exército fiel e leal da princesa Lira. Minotty perguntou:
- E então, como faremos isso?
- Eles estão dormindo agora. É a hora exata para acabar com eles sem alarmantes. - disse Irian, maliciosamente.
- Não sei, eunuco. Não sei se vale a pena.
- Já te disse homem. Simon está tramando contra o rei junto com Lira. É uma traição conjunta. Temos que impedir e a hora é agora!
- Por que não entregamos os dois ao rei. Ele fará justiça!
- Oficial Minotty... é a filha dele! Lira é esperta. Vai fazê-lo se virar contra você. Se entregarmos eles, é a nossa cabeça que vai rolar!
- Fui escolhido para proteger a princesa Lira, e não para matá-la.
- Você jurou lealdade ao reino do Sul. É motivo o bastante.
- E como explicaremos os corpos ao rei Marshall?
- Os índios... são o bode expiatório perfeito. Decida-se Minotty, Marshall estará aqui com o grande exército pelo aura da manhã. Deixei o recado com Jequibeth para dizer ao rei onde Lira tinha ido. Ele está chegando, estou certo disso.
- Pelo bem do reino do Sul, vamos acabar logo com isso então! - falou Minotty decidido, colocando a mão sobre a espada.

Lira, do lado de fora, entrou em pânico.

sábado, 10 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 30

O primeiro cavalo na frente de todo o exército com armaduras douradas que representavam o exército oficial da princesa do Sul era branco. A figura montada nele estava coberta por um manto negro, onde o grande capuz lhe fazia sombra, escondendo a face. Os índios relaxaram quando viram o índio "Pé de Vento" no cavalo marrom, ao lado do cavalo branco.

A figura com o manto negro desceu do cavalo andando em direção aos índios. Parou, retirando o capuz, revelando seu rosto de anjo. A expressão de todos à beleza de Lira foi de admiração. A princesa sorriu levantando as duas mãos com as palmas abertas:
- Viemos em paz! - exclamou Lira.
- Bem vinda, princesa do sul! - disse o pajé, se posicionando à frente da tribo.

Lira deu um sinal aos soldados para que relaxassem, e passou os olhos pelos índios procurando algo. No meio deles, a figura principesca era incomum. Ao lado de uma índia, Simon olhava ansioso. Os olhos de Lira deixaram as lágrimas caírem, e os de Simon estavam hipnotizados fitando o anjo que viera lhe buscar. Lira andou em direção à Simon esquecendo todos ao redor. Num movimento que parecia ter sido ensaiado várias vezes, Lira caiu nos braços de Simon, deixando seu rosto expor toda a dor que lhe causara a distância de seu grande amor. Taimí observava Lira dos pés à cabeça, e entendeu que jamais poderia roubar Simon dela. Pois para Taimí, Lira era realmente um anjo, mas um anjo perdido. Um anjo que se apossara de Simon e nunca o libertaria. E que chances tinha uma índia mortal contra um ser maligno e angelical?

Simon afogou suas dores nos longos cabelos da princesa. As lágrimas agora confundiam-se com as gotas que caiam do céu. Sim, começara a chover. O céu trovejava e cobria o manto de Lira com as lágrimas das nuvens, deixando ainda mais escuro molhado. Mas Lira não sentia nada, apenas o alívio de ter Simon consigo novamente. Simon pegou o rosto de Lira entre as mãos e beijou sua testa carinhosamente. Olhou em volta e disse:
- Não podemos partir imediatamente pois já vai anoitecer e está chovendo. Por favor, dê abrigo para meu povo!
- Disse a princesa que ela era bem vinda - falou o velho pajé - e repito! Fique quanto tempo quiser, vossa alteza, tua esposa e teus homens, pois minha tenda é tua tenda!
- Obrigado, senhor! Mas partiremos pela manhã. - disse Simon ao pajé
- HOMENS! Montar acampamento aqui por esta noite! - ordenou Lira.

Debaixo da chuva que começava a ficar severa, os soldados de Lira montaram seu acampamento. Simon levou Lira para a tenda que Taimí tinha disponibilizado à ele. Os índios receberam "Pé de Vento" com júbilo, dando-lhe honra por ter cumprido sua missão êxito. Entre as almas tranquilas e contentes, duas almas se destacavam pelo rosto amargurado. Taimí, que sentia uma pontada no coração toda vez que olhava para Lira, e Irian, o eunuco, que observava num ódio frio os fatos, tramando algo maligno em sua mente ambiciosa.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 29

O vento soprava vindo do norte. Trazia consigo nuvens cinzas que não mais deixavam o sol espalhar seu calor e luz. Logo iria chover. Simon estava recostado perto da tenda observando o céu, com um olhar nostalgico.

- O que está te deixando triste, príncipe dos olhos cor de céu? - perguntou Taimí, se chegando a Simon.
- Saudades. Sente o vento úmido? Vem do norte, minha terra. - respondeu Simon carinhosamente.
- Norte? Achei que viesse do Sul...
- Sim, bela índia. Me casei com a princesa do Sul, e estava morando por lá por um tempo. Mas minha terra é o Norte. Foi onde nasci e para onde pretendia levar minha esposa. Até que enfim assumisse os dois reinos.
- Sente saudades... dela?
- Minha esposa?... Sim, não sabe o quanto a amo.
- Tenho inveja dela por isso - disse Taimí amargamente, baixando os olhos.
- Não tem porque ter inveja. És tão linda e tão doce. Irás achar um bom índio guerreiro que a ame tanto quanto amo minha Lira. - disse Simon, passando a mão no cabelo de Taimí.
- Não gosto de índio guerreiro. Índio Guerreiro não tem olhos cor do céu.
- Hoje meus olhos não estão da cor do céu, o céu está cinza...
- Hahahaha - riu Taimí - Olhos da cor do céu em dia de sol.
- Claro... agora sim! - disse Simon, ainda rindo, com a mão no rosto castanho de Taimí.

Por cima da cabeça de Taimí, Simon viu uma grande massa escura descer desde os montes. Quanto mais rápido a massa se aproximava, mais visível ficava para Simon. Estreitando os olhos, ele reconheceu o exército especial da princesa do Sul.
- Lira! - sussurrou Simon, tirando a mão do rosto de Taimí.

A índia olhou para trás e viu o exército se aproximando. Num surto, correu tocando um instrumento ensurdecedor de alerta para os guerreiros da tribo. Simon correu atrás de Taimí, gritando:
- Não! Não! É minha esposa, minha esposa... meu exército! Eles vem em paz!

Taimí se virou de frente para Simon:
- Sabemos disso, mas os homens brancos são traiçoeiros. Prefirimos ficar alertas! - falou Taimí ofegante, olhando Simon nos olhos. - Me perdoe por isso príncipe do Norte dos olhos cor de céu, mas tenho que fazer antes que tua dona tome posse de ti outra vez!

Simon só compreendeu o que Taimí disse quando a índia se empuleirou em seus ombros largos e lhe roubou um beijo. Um beijo supresa, toque doce dos lábios carnudos indígenas de Taimí. Um toque quente que deixou Simon sem reação. Mas foi breve, e quando Simon voltou a si, deu-se com o exército Lira na reta com os indígenas, em posição de alerta.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 28

Duas semanas haviam se passado desde que o rapaz magro em trapos trouxera a carta com a notícia do desaparecimento de Simon. Lira usava o vestido negro e andava como sombra pelo castelo, com o rosto apagado e os olhos obscuros como o vestido de luto.

Irian vivia atrás de Lira tentando tirá-la da tristeza. Afinal, se ela morresse de melancolia, não seria rainha nunca, e ele não teria absoluto controle sobre os reinos Sul/Norte através dela:
- Lira, minha princesa. Você fez o que era certo. Falta tão pouco para cumprir a promessa à sua mãe. Por favor, volte a comer... - implorava Irian.
- Me deixe Irian. Ao menos me permite desfrutar meu luto por ter assassinado o homem que amo! - falou Lira, em sua voz apagada.
- Lira, Lira... precisamos formular a conclusão do pla...
- Não me venha falar da morte de meu pai! Acabo de matar meu marido... será que minha alma condenada ao inferno merece um pouco de tempo antes de se condenar ainda mais? - interrompeu Lira, rispidamente.
- Claro, princesa... tenha seu tempo... - falou Irian, amargamente se afastando.

Lira desceu a escadaria como um fantasma. Passou pelo saguão principal e chegou à entrada do castelo. O sol estava fraco, lutando contra as nuvens cinzas que traziam consigo um vento frio em plena primavera. Lira fechou os olhos e permitiu que o vento congelante golpeasse seu rosto sem vida. De repente uma altercação incomum a tirou do momento vazio. Dois soldados se altercavam com um homem robusto, cor de madeira e com o rosto pintado.

Lira desceu a escadaria até o jardim, andando imperiosamente até os homens:
- O que está havendo aqui? - perguntou Lira.
- Alteza, esse índio imundo invadiu o castelo dizendo que tem uma mensagem urgente para a princesa. - respondeu um dos soldados.
- Mensagem para mim? E por que não o deixaram entregá-la?
- Alteza, ele é um índio. Não são confiáveis. Ele não quis nos entregar a mensagem para que levássemos até vossa alteza. Ele disse que tinha ordens de entregar somente em suas mãos. Ficamos receosos de que ele quisesse machucá-la, princesa Lira.
- Segurem ele! - disse Lira se aproximando, e olhando para o índio. - Qual é seu nome?
- Gwynt Droed! Em vossa língua significa "pé de vento". - respondeu o índio.
- Claro... é difícil dizer seu nome. Pois bem, Pé de Vento... quem me mandou a carta?
- Um homem branco. Olhos cor do céu. Ele se diz príncipe, e falou que a princesa Lira é esposa dele.
- Oh meu Deus! - gritou Lira, correndo em direção ao índio - Soltem-no, é uma ordem! Pé de Vento, não é? Por favor, me dê a carta.
- É a princesa?
- Sim, sou eu! - disse Lira, agitada, com lágrimas nos olhos.
- Aqui está alteza. - disse Gwynt Droed, dando a carta a Lira.

A carta dizia:

"Meu anjo.

Há uma conspiração no exército. Dois soldados com a armadura real tentaram me matar. Fui gravemente ferido, mas consegui matá-los. Os índios da extremidade do Leste me encontraram, e me salvaram da morte. Devo a eles minha vida.

Temo que seu pai esteja envolvido nessa conspiração. Preciso que você venha me buscar na tribo indígena com um pequeno exército, pois o caminho é perigoso. Mas venha em paz, pois temos uma dívida com os indígenas pela hospitalidade que me prestaram. Não conte nada a seu pai, parta sem lhe dizer que estou vivo. Quando voltarmos, sei o que fazer. Amo você, e não deixei de cumprir minha promessa. Eu disse que ia ficar vivo, e estou vivo!

Simon Castella."

Os olhos de Lira ganharam um brilho sem comparação. Seu rosto se iluminou de uma forma que contagiava. Inesperadamente, Lira abraçou o índio "Pé de Vento" clamando um "obrigada" abafado pelo choro de felicidade. "Pé de Vento" olhava para a princesa assustado pela reação dela, que para ele não era comum. Então Lira se virou para os guardas do castelo e gritou:
- Rápido homens! Esse índio veio de longe e deve estar com fome. Ele é meu convidado, meu hóspede de honra. Tratem-no como tal, é uma ordem! - ordenou Lira, correndo para subir a escadaria.

Chegando ofegante em seu quarto, Lira atirou sobre a cama vestidos de seu guarda roupa, enquanto gritava o nome de Nadine. Quando finalmente Nadine apareceu na porta, Lira começou a lhe falar:
- Faça minhas malas, vou partir hoje mesmo!
- O quê? Mas... onde? Já avisou teu pai? - perguntou Nadine, assustada.
- Não! E você não se atreva a dizer uma só palavra. Aproveitarei hoje que ele está fora do castelo, e partirei. Levarei comigo o pequeno batalhão selecionado para me proteger. Arrume tudo Nadine, vou descer e dar algumas ordens, quando voltar, quero tudo pronto!

Lira desceu e convocou os homens que foram rigorosamente selecionados para protegê-la. Embora lhes dissesse que iam caminho ao leste, Lira não lhes contou que o objetivo era resgatar Simon. Na verdade Lira sabia que a conspiração contra Simon não vinha de seu pai, o rei Marshall, e sim dela mesma. Mas por precaução, prefiriu não contar que Simon estava vivo.

Irian, vendo a agitação no castelo, correu para Lira para saber para onde ela partiria. Se recusando a falar, Irian a ameaçou, fazendo Lira ceder:
- Está bem Irian, pode vir conosco. Mas escute bem, não quero mais saber de plano algum! Eu lhe avisei que se Simon sobrevivesse, o plano estaria acabado!
- Sim senhora, nunca mais falarei do plano. Sabes o quanto sou fiel a ti por causa de sua mãe. Só me dói o coração por ela!
- Cale a boca Irian, eu disse que acabou!

Então o pequeno exército se colocou em posição. Lira colocou o capuz da longa capa negra, celou seu cavalo e partiu direcionando seus homens para o leste a fim de buscar seu amado Simon Castella. Junto com eles estava Gwynt Droed, o índio "Pé de Vento", que ganhou um cavalo celado ao lado da princesa Lira para guiá-los até a tribo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 27

A moleza entorpecia o corpo de Simon. Ele juntou as palpebras com força para depois poder forçar seus olhos a se abrirem. Quando conseguiu deixar nítida a imagem diante de seus olhos claros, fitou uma tenda cinzenta envelhecida bem montada sobre o chão. Com dificuldade se levantou, sentindo uma pontada aguda vindo de sua barriga. Passou a mão e se deparou com um pano limpo, embora velho, enrolado em sua cintura. Um curativo, claro. Ele havia sido golpeado na barriga. Mas quem fez aquele curativo? Com certeza o mesmo dono da tenda antiga.

Enquanto Simon fitava o chão esperando a pontada aguda passar, viu dois pés femininos descalços aparecerem na pequena abertura da tenda. Levantou a cabeça e viu a bela moça da pele castanha avermelhada, cabelos negros e lisos com um enorme brinco de pena jazendo de sua delicada orelha direita. O corpo cheio de curvas era pouco coberto por panos beges. Uma índia perfeita.

- Quem é você? - perguntou Simon, de repente.
- Então já acordou... - disse a índia, dando a volta para colocar a bacia de barro em sua mãos no canto da tenda.
- Onde estou?
- Está na tenda do pajé da tribo indígena que habita nas extremidades do Leste. - respondeu a índia, se ajoelhando em frente ao príncipe.
- Então ainda estou na extremidade do leste... e você me salvou?
- Os índios guerreiros estavam fazendo a vigília noturna na floresta. Escutaram o som de luta, mas quando chegaram era tarde. Dois homens brancos mortos. Mas então escutaram o que parecia um tronco caindo o barranco... bom, não era tronco, era você.
- Obrigado, seja quem for que me fez o curativo. - disse Simon, humildemente.
- Fui eu quem fez. De nada. Respondendo a sua primeira pergunta, me chamo Taimí, filha do pajé da tribo. Você é...?
- Príncipe do Norte e primeiro oficial e herdeiro do reino do Sul, Simon Castella. - respondeu Simon, recuperando seu porte principesco.
- Mas que sorte, era justamente o que precisávamos... - disse Taimí, interessada.
- Do que está falando?
- Seu exército estava cercando a floresta. As terras de minha tribo é rica em muitos metais que vocês, homens brancos, tanto dão valor. Estavam preparando um ataque contra as tribos da extremidade do Leste. Foi por isso que te salvamos. E que bom que é o líder. Deve-nos agora tua vida. Para te deixar ir, cobraremos tua palavra que deixará nosso povo em paz. - respondeu Taimí, rispidamente.
- Atacar as trib... não... não, não, não. Não queríamos atacar os índios. - redarguiu Simon, rapidamente.
- Estavam cercando a floresta...
- Nós íamos dar a volta pela extremidade Leste. Queríamos enganar o reino do Leste, para atacar por trás. Nosso objetivo eram as terras da realeza, não dos índios. Tem a minha palavra.
- Então... preciso contar a meu pai.
- Ai... - gemeu Simon, pondo a mão em sua barriga.

Uma mancha avermelhada apareceu no trapo que estava enrolado no dorso de Simon. Taimí se aproximou, colocando a mão macia cor de madeira em cima da de Simon:
- Não deveria ter se esforçado tanto. Vamos ter que trocar este curativo. Deite-se. - falou a índia.
- Espere. Devem achar que estou morto. Preciso avisar minha esposa que estou vivo. - falou Simon.
- Esposa? Então é casado... - disse Taimí, baixando os olhos.
- O quê?
- Nada... todos os homens brancos bonitos que eu curo são casados... é brincadeira. - riu Taimí, dando um tapinha leve no braço de Simon.- O que quer? Papel e tinta?
- É, boa idéia. Vou escrever uma carta. Mas... como essa carta vai chegar até meu reino?
- Temos índios velozes aqui. São como o vento. Amam voar por aí. Gwynt Droed, pé de vento na língua de vocês. Ele levará a sua carta.
- Obrigado, novamente. Mas vou precisar que este índio entregue a carta nas mãos de minha esposa, a princesa Lira. Fui golpeado por soldados do meu próprio exército. Há uma conspiração contra mim. A carta não pode cair em mãos erradas!
- Pode confiar em Gwynt Droed! - respondeu Taimí.

A índia Taimí era doce como as romãs, a pele de veludo cor da terra, os cabelos tão negros que era fácil se perder observando-os. Sua beleza exótica enxia os olhos de Simon. Mas a índia não era indiferente à beleza de Simon. Diferente dos índios guerreiros da tribo, ele era branco como leite, dos olhos claros da cor do céu, corpo esbelto e porte de príncipe.

Algo mais forçava Simon a gostar da índia. Ela salvou sua vida, e ainda cuidava de seu ferimento com cuidado e carinho. Sim, ele devia muito à Taimí. Mas uma nuvem vinha e trovejava em seu coração: Lira.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 26

Lira andava de um lado para o outro, com passos preocupados arrastados pelo chão do grande saguão principal, onde era observada por seu pai, o rei Marshall, e seu servo, Irian. Desde que Simon partira, 3 semanas atrás, Lira não comia e nem dormia direito. Marshall estava preocupado com o estado emocional da filha e também com o fato de não ter recebido notícia nenhuma do exército. Irian andava pelo castelo apreensivo, esperando ancioso pela notícia fatal, enquanto Lira rezava para que nunca viesse.

Um mensageiro entrou correndo pelo saguão. Era um rapaz novo, de estatura baixa e magra, roupas sujas e rasgadas e uma sacola de pano atravessada no dorso. Ele correu e se ajoelhou perante o rei Marshall:
- Majestade, trago uma carta urgente do exército! - disse o rapaz.
- Oh Deus, o que será? Me entregue! - respondeu Marshall.

Lira, ouvindo isso, sentiu o coração disparar. Os olhos de Irian se iluminaram e sua boca se contorceu num sorriso maléfico, o que apavorou ainda mais Lira. Ela correu até perto de onde seu pai estava junto com o mensageiro. Desesperada, ela balançava as mãos:
- Anda pai, abra essa carta logo! Por Deus!- reclamou Lira.
- Se acalme Lira, por favor! - disse Marshall, afastando Lira de si.

Ele abriu a carta que dizia:

"Ao rei do Sul, Marshall Antonny Amasis.

Vossa majestade, quem vos escreve é o 2° oficial do exército, Leonidas Trunker. É com muita tristeza que lhe comunico o desaparecimento do príncipe do Norte e 1° oficial do exército real do Sul, Simon Castella. Na noite de quarta feira, dois corpos de soldados que usavam a armadura real foram encontrados na floresta próxima de nosso acampamento. Os corpos estavam perfurados à espada. Não identificamos ainda os nomes dos soldados. As espadas caídas no chão estavam ensaguentadas. Há suspeita de que o reino do Leste desconfie de nossas intenções e tenha mandado espiões. Assim, acreditamos que foram soldados do Leste que mataram os soldados e talvez também Simon Castella. Não encontramos o corpo do príncipe, mas há vestígios de passos na floresta. Continuaremos a procurar pelo corpo dele, mas a suspeita de que também esteja morto é evidente. Esperamos a resposta de vossa majestade para que possamos retornar ao Sul. Não podemos avançar sem um 1° oficial.


Assinado: 2° oficial do exército do Reino do Sul Leonidas Trunker."


Ao ler a carta o rosto do rei Marshall se congelou. A expressão de Marshall fez Lira colocar as mãos no rosto de tanto desespero. Com um olhar de agonia, ela cobrou o pai do que a carta dizia:
- O 2° oficial, Leonidas... ele pede para retornar ao sul... - murmurou doloridamente Marshall.
- Sem terminar a expedição ao Leste? - perguntou Naim, escudeiro do rei.
- Quem liderava era Simon. Sem ele, não podem continuar. - falou Marshall, com uma pontada de agonia.
- Sem... Simon...? - falou Lira, com a voz distorcida e em pranto.
- Simon desapareceu. Foram encontrados sangue, espadas, corpos de dois soldado e vestígios de espiões pela floresta. Evidências fortes de que Simon está morto. Eu sinto... muito Lira... - falou Marshall, enfim, doloridamente.

Irian estava triunfante, mas não podia demonstrar. Se retirou da sala antes que vissem seu rosto em festa, enquanto Lira se contorcia e ajoelhava no chão. Seu rosto de boneca se distorceu na expressão agoniada mais cheia de dor que Marshall já tnha visto. As lágrimas turvaram seus olhos redondos, e um grito agudo escapou de sua garganta. Marshall correu até Lira e a puxou nos braços. Enquanto ela chorava, ele se virou ao escrivão:
- Escreva uma carta para Leonidas dizendo que eles tem permissão para retornar. Comunique o 3° oficial, Morrison, que ele deve separar um pequeno batalhão para levar a carta até a extremidade do leste, onde meu exército está. Escreva um comunicado com meus sentimentos ao rei do Norte, pai de Simon. Ah, e assim que souber o nome dos dois soldados que apareceram mortos, comunique a família deles com meus pêsames... NADINE! - gritou Marshall
- Sim majestade! - falou Nadine, a costureira, aparecendo na entrada do saguão.
- Prepare tudo e providencie um vestido negro para Lira. - respondeu Marshall, passando a mão nos cabelos de Lira, ainda em pranto.

Marshall virou-se para Jequibeth, que espiava no canto da entrada do saguão:
- Você! Serva! Peque o rapazinho que trouxe a carta e dê a ele algo para comer. Vá com ela rapaz. - disse Marshall, olhando para o mensageiro.

E os servos, com suas ordens, deixaram o saguão, deixando, ajoelhados em sua dor, a realeza. A princesa viúva e seu pai cheio de culpa.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 25

O vento soprava congelante do Leste. Os cavalos trotavam em perfeita ordem. O céu cinza dava mensão de que a noite vinha com urgência. Simon Castella deu o sinal para que os soldados parassem:
- Soldados! O vento vem trazendo nuvens. A chuva é iminente. Estamos muito perto do reino do Leste. Vamos acampar aqui esta noite. Assim que o sol estalar no céu, nos colocaremos a caminho do contorno da àrea Leste. Dispensados! Descanssem.

Os cavalos foram amarrados nas àrvores e as barracas foram montadas. A noite fria engoliu o céu em poucos instantes. Mas ainda não chovia. A maioria dos homens, cansados pela viagem, se puseram dentro das barracas beges para dormir, visto que o amanhecer trazia mais cançasso. Simon ainda estava perto da fogueira, sentado com um mapa na mão. Dois homens altos e robustos se aproximaram dele:
- Com licensa alteza, mas precisamos da sua atenção um instante. -disse um dos homens.
- Claro, fale soldado!- respondeu Simon, num tom disposto.
- Vimos algo estranho atrás das àrvores, acho bom verificarmos.- falou o outro homem.
- Hum! Vou chamar outros homens... - falou Simon.
- Não senhor, não creio que seja necessário. Vimos o que parecia ser um homem. Acreditamos que seja um espião do Leste. Nós três podemos com ele. - falou o primeiro homem.
- Bem, se é apenas um... vamos lá verificar.- respondeu Simon.

O três entraram na floresta escura. Andaram um tempo, vasculhando.
- Parece não haver nada aqui. - disse Simon finalmente.
- Senhor, vi um vulto correndo alí. Se formos rápidos, pegamos o maldito espião. - falou urgente um dos homens.

Os dois soldados dispararam a correr. Como era o líder, Simon sabia que tinha que acompanhar os dois. Correu atrás deles, com a mão na espada. Depois de uns intantes Simon parou de correr. Viu que os dois homens tinham sumido. Olhou em volta e percebeu o quão longe do acampamento ele estava. O vento gelado trazia um som suave e congelante, e a escuridão revelava apenas uma espessa neblina. Dois vultos se aproximavam de Simon. A adrenalina começou a correr no sangue, e Simon pousou a mão na espada da bainha.

Num estalo, uma espada golpeou o ar. Sim, aquilo era uma armadilha. Simon se desviou, empunhando sua espada. Na escuridão, vultos se altercavam. Anos em guerra, Simon tinha excelentes reflexos, mas dois contra um o deixavam em desvantagem. Um dos homens feriu Simon no braço direito, enquanto o outro ainda golpeava o ar tentando alcançar o príncipe. Quanto mais lutavam, mais se distanciavam do acampamento.

Simon feriu um dos homens no pescoço. Este caiu por terra e estribuchava enquanto o sangue lhe esvaía da jugular. O outro continuava atacando e acertou Simon num ferimento mais fundo na barriga. Arrancando a espada de si antes que lhe atingisse um orgão vital, Simon cravou a espada dourada no peito do outro homem, que também caiu por terra, morto.

Simon deu uns passos para trás, olhando os dois homens que lhe haviam atacado. Por que fizeram isso? Com certeza alguém lhes havia contratado para o serviço. Mas quem? Zonzo e perdendo muito sangue, Simon continuou andando para trás, sem perceber que atrás de si havia um barranco. Quase desmaiando, Simon rolou morro abaixo, caindo inconsciente na grama seca.

domingo, 4 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 24

A partida parecia um funeral. Lira tinha o rosto tão vazio que estava começando a atormentar Simon. Quando chegaram à grande frente do castelo, ele sussurrou no ouvido dela:
- Lira, vai me matar de preocupação enquanto eu estiver longe. Por favor, não fique assim!
- Me prometa de novo!
- O quê?
- Que vai voltar vivo. Me prometa!

Simon olhou especulativamente para Lira. Mas assentiu:
- Já dei minha palavra e dou de novo. Vou voltar pra você Lira, vivo! Eu prometo!
- Acredito em você.- disse Lira, permitindo-se um sorriso.

Quando saíram, aplausos rasgaram o silêncio. A voz grossa de Marshall tomou o local.
- Meus súditos. Hoje vamos dar um grande passo no reino do Sul. Estamos numa parceria monumental com o reino do Norte. Simon Castella, príncipe do Norte, liderará vocês contra o Leste. Conquistem, sejam bravos, homens, e voltem com a vitória borbulhando em teus olhos. O Leste é nosso!

O gritos de júbilo contagiavam. Simon beijou Lira mais uma vez, que mantinha uma expressão deseperadoramente desolada. Ajoelhou-se diante do rei Marshall em reverência, que pousou a mão na cabeça do príncipe.
- Vai meu filho, traga aos teus futuros reinos a glória!
- O Leste já te pertence majestade, tens minha palavra! - respondeu Simon, triunfante.

Então o príncipe desceu a escadaria e montou em seu cavalo negro na frente do grande exército. A trombeta soou, e Simon olhou Lira uma última vez. Os olhos dela, vazios, ainda o atormentavam. Numa disparada, Simon começou a cavalgar em direção ao horizonte, e o exército o seguiu ao som das trombetas. Marshall pousou a mão nos ombros de Lira:
- Filha minha, te acalmes. Ele vai voltar. - disse o rei, num tom amigável.
- Eu odeio você! - respondeu Lira, se virando e entrando no castelo.

Marshall deixou-se estar a observar a filha amargurada entrar no castelo. Na entrada, Irian fitava Lira. Ela desprezou completamente o fato de sua presença e passou reto por ele. Irian, petulante, pois-se a acompanhar Lira.

- Pensa em tua mãe, e o ódio que sente por si mesma amenizará! - disse Irian.
- Tenho algo para lhe dizer Irian. Essa é a última traição que participo contigo. Se meu Simon voltar vivo, eu desisto da promessa!
- Ele não vai voltar, alteza!

Uma dor percorreu Lira, fazendo-a encolher. Ela se virou para Irian, o ódio ardendo em seus olhos.
- Eu vou rezar todos os dias para que ele volte. Se voltar, nossos planos estão desfeitos. Isso é uma ordem SERVO! Minha palavra final. Fique longe de mim daqui por diante.
- Como quiser, vossa alteza.

Lira subiu as escadas, enquanto Irian fitava o vazio com um sorriso maléfico:
- Não se iluda, Lira, sua idiota. Ele não vai voltar. - sussurrou Irian para si mesmo.

sábado, 3 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 23

A noite assombrava em uma lua tomada pelas nuvens espessas. Estava escuro lá fora, desconsiderando os lampiões. Na manhã seguinte o exército real partiria para uma batalha àrdua contra o reino do Leste. Todos estavam tensos, mas Simon Castella mantia no rosto ilumano um sorriso confiante.

O vento soprava e o tempo parecia estar virando. Lira fechou as janelas do grande quarto branco e dourado. Estava em uma camisola roxinha clara, e andava descalça de um lado para o outro. Quando Simon entrou no quarto, Lira refez seu rosto de preocupação num sorriso tentador. Ela prometera para si mesma que aproveitaria a última noite com Simon, antes que ele partisse, porque assim que amanhecesse o dia, ela poderia não vê-lo nunca mais:
- Boa noite príncipe Castella! - disse Lira, em um tom doce e sedutor.
- Não acho que seja tão boa noite assim, afinal, está ficando frio. Detesto o frio. - disse Simon, se fazendo de bobo.
- Eu adoro o frio! - exultou Lira, se aproximando de Simon - Porque tenho comigo um marido que amo muito para me aquecer.
- Hahahahaha está estranha essa noite. Está me assustando! - disse Simon sarcasticamente, puxando a fita cetinada da camisola comprida de Lira.
- Diga que me ama... a noite toda eu preciso ouvir que você me ama! - falou Lira, num tom de dependência, entrelaçando os braços em volta do pescoço de Simon.
- Como se você já não soubesse o quanto a amo.- respondeu Simon, abraçando sua princesa.- Eu deveria querer dormir bem essa noite, mas na verdade não quero dormir. A única coisa que realmente me assusta é ter que ficar longe de você por um tempo. Então preciso levar comigo o máximo de você que eu puder. E eu quero amar cada pedaço seu a noite inteira para ter comigo o gosto doce dos seus lábios até voltar.

Ele a pegou no colo e a levou consigo até a grande cama acetinada.

A manhã cavalgava pelo céu em disparada, se acelerando com as nuvens. Era uma manhã nublada e fria, estranha para a estação que ainda era primavera. Os exércitos se alinhavam na frente do grande castelo. Marshall já aguardava Simon para a partida.

No quarto branco e dourado, Lira acordou primeiro que Simon dessa vez. Na verdade, ela nem dormira a noite, ficou o tempo todo velando o sono de seu marido. Pela aurora, o corpo cansado da princesa cedeu a um cochilo, mas logo acordou, aliviada em ainda ter Simon na cama. Ela beijou docemente os lábios sonolentos de Simon, passou os braços em volta dele e sussurrou:
- Acho que hoje é uma boa idéia realmente acorrentá-lo na cama!
- Ora Lira, não me tente a ficar. - redarguiu Simon, acordando - Sabes bem o quanto eu quero ficar com você mais horas e horas, dias e dias. Mas tenho que ir. Estarei em paz enquanto teu perfume for a doce lembrança que embriaga meu coração.

Num delicado levantar, Simon afastou Lira de si. Beijou sua testa e pôs-se de pé. Caminhou até a sala ao lado, onde iria se banhar, enquanto os olhos de Lira o acompanhavam. Os olhos da princesa já não eram mais de desejo e êxtase como na noite passada. Agora eles tinham um vazio intenso, um buraco negro onde a alma de Lira se perdia para sempre.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 22

Com um esforço gigantesco para um corpo pesado de culpa, Lira subiu até o grande quarto branco e dourado. Deixou seu corpo cair na cama cintilante, arrumada. As lágrimas ainda jaziam de seu olhar perdido que fluía do coração ferido. Pela primeira vez pensou em como seu pai se sentiu ao ser culpado pela morte de Laura, sua mãe. Claro que a vida toda ela viu seu pai como um animal sem sentimento sedento por sangue e guerra. Mas Irian cuspiu em seu discurso que Laura e Marshall se amavam como ela e Simon se amavam. E ela, assim como seu pai, ia matar quem ama. Por um breve instante, pela dor corroendo seus ossos, Lira sentiu pena de seu pai. Pena pela culpa que carregou por todos esses anos. E então o ranger da porta alertou Lira:

- A serva Jequibeth estava subindo para lhe chamar para almoçar, e como estava passando resolvi eu mesmo vim lhe buscar... podemos descer juntos meu bem? - disse Simon, em seu costumeiro tom alegre.

Quando Lira fitou Simon com seus olhos vermelhos, não resistiu a enorme pressão em seu peito e voltou a chorar. Simon, ao perceber o estado de Lira, ficou desesperado, fechou a porta e correu para a cama acudir sua esposa:
- Meu Deus Lira, o que aconteceu... por que está chorando?
- Simon, Simon - disse Lira, em meio aos soluços, passando as mãos no rosto de Simon - me perdoe, eu preciso fazer isso. Eu sei, eu serei eternamente condenada, talvez eu vá pro inferno. Mas eu preciso fazer isso. Mas... mas... mas eu amo você, me perdoe.
- Do que está falando meu anjo? - disse Simon, preocupado, enxugando as lágrimas de Lira.
- Eu não queria perder você...
- Ei, você não vai me perder, já conversamos sobre isso. Caramba! Se eu soubesse que todo esse assunto de guerra te deixava tão perturbada assim, teria tomado cuidado pra que nada dessa história de expedição ao leste chegasse aos teus ouvidos. - disse Simon, calorosamente abraçando Lira.
- Simon...

Antes que Lira pudesse falar, Irian entrou no quarto:
- Ora, desculpe incomodar... mas os senhores não vão almoçar? - perguntou Irian.
- Então a criadagem desse reino entra e sai dos quartos reais quando bem entendem? - perguntou Simon, rispidamente.
- Não meu senhor. Me perdoe o vacilo... - Irian colocou olhos frios em Lira - a senhora está bem?
- Estou... - disse Lira repentinamente, percebendo o tom de Irian.
- Saia! - disse Simon, imperiosamente.
- Sim, vossa alteza. - disse Irian se retirando do quarto.

Simon voltou-se para Lira com seu olhar carinhoso.
- Meu amor, vou descer. Assim que se sentir melhor, venha comer um pouco. Amo você. - disse Simon beijando a testa de Lira.

Ele saiu da porta, deixando no lugar da dor de Lira um vazio gelado. A princesa se recompôs e enxugou os olhos. Saiu do quarto em direção as escadas, quando uma mão masculina a puxou bruscamente para a parede:
- O que pensa que está fazendo? - perguntou Irian, sussurrando num tom brusco.
- Nada... foi apenas uma fraqueza. Ainda estou aprendendo a lutar contra meu coração. - respondeu Lira, assustada.
- Alteza, já falei com os homens. Está tudo combinado. É tarde demais para voltar atrás. Se contar a seu marido, nós dois perdemos a cabeça. Nunca teríamos o perdão real. É TARDE DEMAIS! Pode entender isso?
- Eu sei Irian, me solte... não vou abrir minha boca!
- Senhora Lira Castella. Já que ama tanto teu marido a aconselho a aproveitar os dias que tem com ele. Não desperdisse com choramingos e arrependimentos. Bom almoço.

Irian se direcionou pelo corredor, deixando Lira pasma. Mas de certa forma Irian tinha razão, não tinha mais volta, era tarde demais.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 21

Lira cambaleou um pouco, então encostou-se na cadeira perto da mesa. Seu coração palpitava, e o sorriso era involuntário em seu rosto. Ela estava feliz, realmente feliz. Mas uma sombra roubou o sorriso de seus lábios carmim.

Irian entrou na sala de jantar com um saquinho vinho aveludado nas mãos. Andou em direção à Lira e parou em frente dela. Olhou para os lados:
- Bom, não há ninguém por perto agora. Posso lhe falar, alteza?
- O que é Irian?
- Quanto rispidez minha senhora. O que um pouco de galanteio não faz ao coração feminino, não é?
- Irian, eu estive pensando...
- Senhora Lira, aqui algumas jóias tuas que tomei a liberdade de separar. Sou mais atencioso à promessa que fez a tua mãe do que a senhora mesmo. Se não amasse tua mãe, minha falecida senhora, como amo, teria deixado ela morrer em teus pensamentos também. Mas não posso permitir que a alma de sua mãe fique eternamente atormentada pela filha desnaturada que tem. - Irian abriu o saco e depejou dois colares de diamante e brincos e anéis de ouro puro e safira. - Com tua permissão entregarei as jóias como pagamento inicial aos dois homens que já contatei para se infiltrar no exército real na expedição ao Leste.
- Irian, me escute!
- O que é, alteza?
- Não acha que minha mãe ia querer me ver feliz? Simon é um bom homem. Seria um rei perfeito. Indiretamente, seria o cumprimento de minha promessa. Em breve meu pai não será mais rei.
- Ah, Simon é um bom homem, não? Foi por isso que quando entrei no gabinete de teu pai, seu marido estava debruçado sobre a mesa traçando estratégias de guerra deliciado pela batalha vigente. Lira, acorde! Teu pai também amava tua mãe. Tua mãe era ensandecidamente louca de paixão por teu pai. Mas isso não o impediu de matá-la quando ela quis controlar o desejo de guerra que ele tinha. Diante dos meus olhos a história se repete. Você ama um guerreiro assassino. Sim, acredito que Simon te ama, MAS ELE AMA MAIS A GUERRA!!! Ele pode te fazer mil promessas, mas nunca as cumprirá quando entrar em conflito com o desejo de sangue que ele tem. O que você vai esperar? Esperar ele oprimir o povo e matar milhões por mais alguns anos até que ele se canse de você tentar impedí-lo e a mate como seu pai matou sua mãe?

Depois desse discurso de Irian algo se ascendeu nos olhos de Lira. Era o sangue de sua mãe escorrendo pelo chão naquela tarde de primavera, anos atrás. A flecha mergulhada no peito ofegante de Laura, e nas mãos de Marshall o arco que atirara a flecha. De repente Marshall se tornou Simon, e em suas mãos em vez do arco, havia uma longa espada. No chão, quem sangrava era Lira, enquanto Simon corria e matava pessoas inocentes, pessoas humildes, camponeses. Na mente de Lira, o retrato era vívido. E o ódio reinou novamente em seu coração:

- Pague os homens, e lhe dê todos os detalhes. Você esteve servindo o reino do Sul por muito tempo. Sabe exatamente como são as formações militares do exército do sul. Dê a eles a capa e a armadura real. Não deve haver o menor sinal de erro. Depois de cumprirem a parte no acordo, combine um local longe daqui para pagar-lhes o restante. Vá Irian! - disse Lira, numa voz dura como gelo.
- Essa é a Lira que eu conheço! Não vou decepcioná-la minha senhora. Tua mãe sorri no seu túmulo.

Irian saiu pela porta exultante, em seu olhar malicioso. Lira sentou-se na cadeira e a dureza em seus olhos derreteram-se em lágrimas. Debruçou na mesa e deixou o pranto arrebentar seu peito.