segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Epílogo - Capítulo 13: O Lado Branco

Abri os olhos pesados assim que o motor do carro de Lerry parou de roncar. Fitei com minha vista meio embaçada o costumeiro alojamento onde ele havia parado e frente. Minha cabeça, ainda sob efeito da vodka, girava freneticamente em busca de uma desculpa para permanecer naquele carro.

- Está entregue, senhorita. - sorriu ele, mais lindo que nunca.
- Estou no lugar errado. - minha boca falava sem eu comandar.
- Não é esse alojamento? - ele ficou preocupado.
- É sim, mas essa noite o lugar certo não é aqui. - continuei.
- Não estou entendendo, Kris. - ele riu, meio confuso.

Me aproximei dele, colocando minha mão direita em sua perna.

- Leve-me para o seu apartamento. - disse, suplicante.
- Não Kris... você... você está misturando as coisas. - ele foi relutante.
- Você que está... só quero conhecer onde meu professor favorito mora. - fui cínica.
- Kris, você não deveria nem estar nesse carro. Vá para seu quarto, por favor. - ele pediu.
- Prometo me comportar. -  eu ri.
- Kris!
- Não vou sair do carro. - cruzei os braços.
- Então vou tirá-la eu mesmo. - ele parecia frustrado.
- Vai me largar bêbada na rua?
- Kris...
- Minha companheira de quarto está na festa ainda. Não há ninguém para me impedir de fazer uma loucura. Vai mesmo me deixar aqui?
- Está bem racional para uma bêbada. - ele estava bravo agora.
- Descobri que minha loucura é inebriantemente racional. - sorri para ele.
- Claro... que horas sua colega de quarto volta? - ele estava um pouco nervoso.
- Não sei. Mas pode me levar para seu apartamento, me fazer um café pra que eu melhore... - olhei ardentemente em seus olhos.
- Tu-tu-tudo bem! Só um café. - ele gaguejou, acelerando o carro.

Em vinte minutos estávamos em frente de um edifício acinzentado, com os portões dourados, de muito bom gosto. Lerry me ajudou a sair do carro, pois apesar de nossa discussão, eu estava mesmo cambaleante. Entramos pela porta principal, de vidro escuro. O porteiro nos cumprimentou, e Lerry parecia ter ficado vermelho. Entramos no elevador lentamente, e se me lembro bem, ele apertou o número 3. Minha cabeça girou, e quando me estabilizei, a porta do elevador se abriu.

O corredor era claro, e haviam vasos de plantas nos cantos. Lerry me arrastou até a porta de número 25, e abriu com cuidado a porta com a mão esquerda, enquanto com a direita me segurava.Cambaleei para dentro do apartamento, e me apoiei na cômoda que ficava logo na entrada. Lerry acendeu a luz, e eu fiquei maravilhada.

Para um homem sozinho, o apartamento era maravilhoso. Luxuoso, arrumado, todo decorado em tons de amarelo pastel e branco. Na sala, um painel de vidro com cascata de àgua. Sentei-me no sofá me deliciando no ambiente. Lerry deu a volta pela mesa de vidro no centro da sala e olhou para mim um pouco arredio:

- Fique sentadinha aí. Vou ligar a cafeteira. - avisou ele.

Não resisti ao impulso e o segui até a cozinha. Ele se virou para mim com as mãos na cintura, com ar de desaprovação. Eu ri, e segui meus instintos. Me empoleirei em seu pescoço e derreti minha boca sobre a sua. De início, o senti gelar, mas em poucos instantes seus lábios rígidos se amoleceram sobre os meus, tão quentes quanto suas mãos que se moldavam à minha cintura.Me pressionei contra ele no intuito de extasiá-lo com o momento, visto que já havia notado o quanto eu o deixava sem ação. A parte de mim que ainda era razão adormecia a cada segundo a mais em que eu sentia o prazer de beijá-lo. Entre os beijos ardentes, Lerry perdia sua razão também, assim como perdia o equilíbrio, tendo que se recostar no balcão da cozinha para não cair comigo no chão.

- Kris... Kris... - balbuciou Lerry na tentativa fracassada de impedir aquela loucura.
- Shhhhhhh... - o silenciei, beijando-o mais uma vez.

Quando foquei meus olhos nos dele, senti a chama que ardia em meu peito passar por seus olhos claros. A expressão preocupada e fraca passou para uma expressão decidida, forjada no desejo. Seus braço, antes hesitantes, se tornaram dominantes, me levantando em seu colo com vontade. Enquanto me beijava com o mesmo desejo que eu o beijava, ele me carregou, acredito eu, pelo corredor do apartamento. Não me lembro do corredor, nem da entrada do quarto, mas lembro da superfície macia que tocou minhas costas quando ele me deitou em sua cama. O quarto, sem luz, mas claro pela lua que reluzia cheia na noite lançava vestígios de que ele estava se despindo. Senti seus braço me apertar forte, enquanto sua outra mão deslizava o zíper de meu corpete negro. Eu caía, não em sono, mas em um sonho febril... febre que exauriu todo o àlcool em meu sangue, que fervia a cada toque de Lerry naquela noite.

terça-feira, 13 de março de 2012

O Epílogo - Capítulo 12: Carona

Sentir minha mão na dele eletrizou meu corpo por inteiro. Ele me puxou para o meio da sala, e envolveu minha cintura. Girou meu corpo, e eu senti a vodka em minha corrente sanguínea girar junto. De repente, eu não conseguia mais distinguir seu rosto. Mesmo assim, minhas mãos bobas subiram até seus ombros, e se apoiaram fortemente aquela emoção. O cheiro suave de seu perfume misturado com o shampoo doce de seu cabelo eram a coisa mais concreta em minha mente. Então algo àspero roçou em meu pescoço. Eu não via nada, mas sabia que seu queixo com a barba por fazer estava encostado em meu ombro.

De repente, as batidas do som ficaram mais baixas. Haviam nuvens em meus ouvidos. Mas eu ainda podia sentir o cheiro de Lerry. Isso significava que eu ainda estava acordada.

- Kris? - a voz grave e dócil de Lerry soou em meu ouvido falho. Ela se perdia na música.
- Ela não parece bem. - a voz familiarmente fria soou atrás de mim, congelando meus tímpanos. Mabel...
- Ela só bebeu um pouco demais. Eu a levo pra casa. - reconheci Ember entre os timbres. A voz dela parecia meio decepcionada.
- Pode ficar, eu a levo. - pediu Lerry. Minha cintura ainda estava envolvida por seus braços fortes.
- Não é nada bom um professor andar por aí com uma aluna bêbada. - Mabel foi ríspida, e senti sua mão gelada encostar em meu braço.

Embora estivesse entorpecida pelo álcool, haviam duas energias que não escapavam à minha razão: o afago quente de Lerry e o inverno sombrio de Mabel. Em minha mente falha, os dois pareciam guerrear por mim naquela noite.

- Eu só vou levá-la ao alojamento. - Lerry dizia, suplicante.
- Afaste-se dela! - senti Mabel puxar meu braço.
- O que é isso Mabel? Está me ofendendo. - reclamou Lerry.
- Você também bebeu um pouco demais, Lerry. Não sabe o que está fazendo. - cuspiu Mabel.
- Ei, eu a levo. Chega de discussão! - reclamou Ember.

Chacoalhei a cabeça tentando afastar as nuvens de meus ouvidos. Péssima ideia. O enjoo foi instantâneo, mas o contive. Abri os olhos e vi três testas vincadas numa batalha entre olhares. Ember, entre Mabel e Lerry, parecia preocupada em me afastar dos olhares dos alunos.

- Eu não quero ir embora. - disse, molenga - me deixem no sofá, logo ficarei bem.
- Tem certeza amiga? - perguntou Ember.
- Claro. - resfoleguei, tirando meu braço das mãos frias de Mabel, e me soltando do abraço quente de Lerry.

Cambaleei até o sofá escuro, e desmoronei. Procurei manter a cabeça erguida para que não viessem atrás de mim. Ember sentou ao meu lado. Lerry saiu pela porta da frente e Mabel sumiu entre a multidão que voltava a dançar e a me ignorar.

- O que foi isso? - Ember estava chocada.
- Lerry estava sendo gentil. Já Mabel... não sei o que ela quer de mim. - murmurei, com a cabeça apoiada na mão.
- Mabel parece que se sente sua dona. Isso me dá arrepios. - Ember riu.
- Pior que ela estragou minha dança. - ri também.
- Quer que eu a leve pra casa? - Ember perguntou.
- Não. Vou lá fora tomar um ar. Parei de beber por hoje. E você, que sabe beber e ainda está inteira... vá se divertir. - ordenei.
- Ah amiga... - Ember tentou ainda ser solidária, mas vi seu olhar se voltar para o meio da sala buscando determinada pessoa.
- Tchau Ember. - dei um tapinha em sua perna e cambaleei para fora do sofá.

Olhei para trás de relance e vi a garota com quem Ember conversa antes se aproximar. Sorri, e cambaleei para fora, ainda zonza. A grama era macia demais, e parecia que eu não tinha mais meus pés. Tentei me apoiar em algo, mas não havia nada. De repente, senti gosto de mato. Sim, havia caído de boca no chão.

Rolei e fitei o céu me sentindo a maior babaca da faculdade. Estava torcendo para que houvessem mais bebados caídos pelo gramado. Foi então que duas mãos quentes se encaixaram debaixo de meus braços e me puxaram para cima.

- Recusou a carona pra dormir na grama? - Lerry riu.
- Achei que tivesse ido embora. - bebada como estava, não me contive e o abracei.
- Não fui. Acho que Mabel tem razão. Bebi um pouco demais hoje. Vou para casa. - suspirou Lerry.
- Não me deixe. - choraminguei.
- Calma... posso deixá-la no alojamento antes. - ele sorriu.
- Ótima ideia. - sorri também, e solucei.



O Epílogo - Capítulo 11: Febre

A orgia entorpecente vinda da música alta e dos copos cheios de alcool que logo se esvaziavam era a energia mais forte dali. Sentada no sofá azul escuro extremamente macio, eu observava Anielle e Ember dançando animadamente. O corpo magro de Anielle, ainda pálido mesmo sobre o efeito de luzes, mexia-se lentamente em torno do corpo delineado e sensual de Ember. As duas estavam em plena sintonia, e as pessoas que dançavam à sua volta pareciam refletir seus movimentos. Elas eram o centro, o foco.

Eu estava hipnotizada pela beleza de sua dança. Na verdade, não sabia se meus olhos congelados se davam pela sensualidade delas, ou pelo copo quase vazio de vodka em minha mão direita. Foi quando vi a energia escura no fundo da sala: Louise. Seus olhos, também vidrados, acompanhavam os movimentos febris de Anielle e Ember. De repente, o lampejo que passou por seu rosto me deixou meio chocada. Ela estreitou seus olhos e fitou mais assiduamente minhas duas amigas. Olhei para Anielle e Ember, e depois voltei para Louise. De repente, me senti olhando para meu reflexo no espelho. Ambas olhávamos a dança com desejo. Ember roçou o rosto lentamente no pescoço de Anielle. Fechei meus olhos firmemente... maldita vodka.

Respirei fundo e joguei a cabeça para trás, fitando o teto. Senti o sofá se mexer e um cheiro conhecido, então fiquei com raiva. Estava bêbada, e vendo coisas demais... sentindo coisas demais. Mas, quando ouvi a voz dele, percebi que a bebida não poderia ter tamanho poder.

- Não está se sentindo bem, Kris? - disse preocupado Lerry, meu professor de Direito Civil.

Eu pulei de susto:
- LERRY?
- Desculpe, não queria assustar você. - ele se assustou também.
- Pro- pro- professor? O que faz aqui? - arregalei os olhos.
- Ah... alguns professores legais são convidados para festas universitárias. - ele riu.
- Nossa... eu não esperava mesmo ver você aqui. - eu estava ofegante.
- Não sou o único docente aqui. Veja ali na mesa de bebidas. - ele sorriu.

Trajada de um tubinho negro, Mabel estava sombriamente linda. Meus olhos pegaram fogo assim que a foquei, e percebi que a vodka libertava um lado meu que eu mesma desconhecia. Esperta como uma gata, Mabel sentiu meu olhar febril sobre ela, e me focou sorrindo. Senti meu rosto queimar, e resolvi virar o restante de vodka em meu copo.

- Está linda hoje. - disse Lerry.
- Mabel é sempre linda. - respondi.
- Não ela... você. - ele disse, meio confuso.
- Ah, eu? Nossa, obrigada. Desculpe, acho que bebi demais.
- Tudo bem, eu também bebi um pouco. - ele riu.

Notei que ele estava bem solto naquela noite. A camisa branca estava com os primeiros botões abertos, e ela descia por cima de um jeans claro. Nos pés, haviam tênis, e não os costumeiros sapatos sociais. Ele estava sexy... e eu estava bêbada... maldita vodka.

- Você está sexy hoje. - eu disse sem querer, e depois mordi a lingua.

Lerry riu alto:
- Acredito que todo mundo está sexy pra você hoje.

Eu sabia que devia estar vermelha, mas não conseguia encontrar minha vergonha.
- Provavelmente. Juro que senti a mesma coisa olhando você e Mabel. - disse, fechando os olhos.
- Agora estou ficando com medo. - Lerry riu novamente.
- Acho que vodka é a bebida do diabo. - eu ri.
- Bem vinda ao inferno. - Lerry colocou outro copo em minha mão.
- Oh não... - eu quis rejeitar.

Lerry apontou para Anielle e Ember.
- Ninguém está rejeitando nada esta noite.

Anielle estava dançando ainda mais febrilmente com um rapaz do segundo ano. Já Ember, estava entretida com uma garota que eu nunca tinha visto. Ambas pareciam completamente eufóricas e sem se importar com a manhã seguinte. Resolvi tomar mais um gole. Afinal, meu professor másculo, lindo e loiro estava me oferecendo. E o que eu mais queria era relaxar.


domingo, 15 de janeiro de 2012

O Epílogo - Capítulo 10: Raiva

Eu tinha que me soltar mais... essa era a questão. Desde que começara a fazer direito, eu havia me fechado num casulo de incerteza. E o medo estava em tudo: medo do que iam pensar de mim, medo de pagar mico, medo de tirar uma nota baixa, medo de não conseguir amigos, medo de não aprender nada... medo de Mabel. Infelizmente, eu não tinha ideia de como ia criar um conceito critico próprio sobre o estudo do Direito Penal, como Ember havia sugerido. Mas em meu âmago, eu sabia que precisava melhorar.

A verdade é que eu não sabia atacar meus problemas de frente. Precisava abordá-los pelos cantos, estudá-los, e só agir quando eu os envolvia por completo. Dessa forma, sabia que não ia ser de proveito algum enfiar a cara em cinco livros de autores diferentes, e criticar comparando um ao outro. Eu precisava primeiro comer pelos cantos, abordando meu problema menos significante: Louise.

Louise e seu grupinho de mal amadas realmente me irritava. Nove? Não sabia se essa puxa saco merecia realmente uma nota assim. O que importava com respeito a ela é que eu não podia mais permitir que isso me afetasse a ponto de me impedir de ir a uma festa. Eu iria ao Lado torto do direito... e Ember iria comigo. Enfrentaríamos juntas qualquer medo ou receio em relação a essas garotas que não passavam de umas lambe chão.

- Mas nem MORTA! - Ember gritou quando lhe contei sobre minha reflexão.
- Ember, você tem que enfrentar seus medos. - ressaltei.
- Não é medo, é amor próprio. Não preciso passar algumas horas num local barulhento com gente que se acha e me ignora. Cai na real, Kris! - ela foi clara.
- Acho que Kris tem razão. - soou a voz doce do comodo ao lado.
- Anielle, você não faz Direito, não sabe o que essas vadias são. - Ember choramingou.
- Ember, elas são apenas garotinhas populares. Mas elas só se mantém nesse patamar porque garotas lindas de verdade não sabem impor presença ao lugar que merecem. - Anielle discursou, enquanto entrava na sala.
- Vocês são masoquistas, sabem disso. - Ember revirou os olhos.
- Se vocês forem, vou com vocês. - Anielle disse solenemente, antes de espirrar.
- Então temos um acordo. Iremos à festa! - vibrei.


As luzes eram fascinantes. Eu, Ember e Anielle conseguimos encontrar o endereço da festa facilmente. Disseraam que o convite podia ser comprado na hora, só que mais caro. Isso não importava. Os que importava é que estavamos as três de arrasar.

Anielle, com toda sua doçura e delicadeza, trajava um vestidinho tomara que caia rosa florido, que revelava seus ombros brancos e magros. O cabelo louro liso bem penteado adornado com uma fita rosinha que desenhava um laço próximo a orelha esquerda. Ember estava com uma camisetinha colada vermelha, e uma calça jeans que definia seu corpo sensualmente. Se cabelo ruivo repicado parecia estar pela primeira vez realmente penteado. Nunca havia visto Ember tão bonita.

É claro que eu não ficava para trás. Realcei meus olhos azuis com uma sombra preta, que me deixava com um aspecto de gata. Meu cabelo negro estava solto, liso, com a franja jogada. O corpete preto realçava meus seios, e afinava minha cintura. O jeans escuro se colava aos meus quadris, que entravam em sintonia com minha silhueta fina. O salto agulha do pé me deixava mais clássica. Quando saí do carro de Ember e chequei meu visual no vidro do carro, me toquei que estava sombria. Linda, mas sombria.

Chegamos na porta, e Louise, vestida de um roxo fúnebre, me fuzilou com os olhos assim que me viu. Possuía alguns convites na mão, e os amassou raivosamente em sua mão esquerda, enquanto caminhava em nossa direção.

- Kris... o que faz em minha casa? - cuspiu ela.
- Sua casa? E como sabe meu nome? - fiquei impressinada.
- Todos estão comentando sobre a nota vergonhosamente baixa que tirou na avaliação de Direito Penal. - Louise riu alto.

Rangi os dentes, mas me recompus.
- Viemos para a festa.
- Bom, acabaram os convites, sinto muito. - Louise foi fria.
- Esses amassados na sua mão já tem dono? - Ember foi rápida.
- Estão amassados, não valem mais. - Louise fuzilou Ember.
- Isso não existe. Aqui não é uma boate. É apenas uma festinha na sua casa. Largue a mão de inventar desculpas esfarrapadas. - Anielle disse já sem paciência.
- Louise... pare com isso. Deixe as meninas entrar. - uma voz sem vida soou atrás de Louise.

A bela negra caminhava em nossa direção com um sorriso sombrio, mas quase simpático. O cabelo encaracolado batido para ganhar volume dava a ela um aspecto africano. Mas isso só a deixava mais bonita. A roupa cinza tinha um desing único, mas combinava com o mesmo perfil frio que as discípulas de Mabel possuíam. A fita em seu pescoço era mais negra que sua pele.

- Elas não tem convite, Raika! - Louise estava realmente com raiva.
- Louise, lembre o que Mabel disse. - sussurrou Raika, mas eu pude ler seus lábios.
- Por isso mesmo eu a quero fora daqui! - exclamou Louise.
- Talvez tenha que aturar a presença dela mais assiduamente. Por que não começar agora? - Raika tentou apaziguar.
-Grrrrrrrrr! - rangeu Louise, jogando os convites no chão.

Raika pegou três, desamassou, e deu em nossas mãos:
- Perdoem o comportamente de Louise. Ela é meio... ciumenta.
- Que maluca, está com ciume de que? - Anielle estava perplexa.
- Mabel gosta de Kris. E Louise quer ser a aluna preferida. Bobagem universitária. - Raika deu de ombros.
- Gosta de mim? Qual é, ela me deu zero virgula cinco na prova. - bufei.
- É, ficamos sabendo. Mas Mabel só quer incentivá-la a melhorar. Isso enfurece Louise. Mabel acredita que percebeu em você grande potencial. - Raika explicou.
- É por isso que ela fica me secando a aula toda? - perguntei, meio efusiva.
- Talvez. Mabel sente quando alguém tem talento. Ela dá a fita negra quando a pessoa atinge seu àpice de melhora. Quando você evoluir até onde pode chegar, é capaz de também ganhar uma. - Raika sorriu novamente.
- Não quero nenhuma fita. - fiquei tensa.
- Que seja. Se você tiver talento, Mabel vai conseguir fazer com que o desenvolva. Enfim, entrem, aproveitem a festa. Só tentem desviar o caminho de Louise. Ela anda meio desestabilizada. - Raika riu.
- Faremos isso. - garantiu Ember.
- Quanto é o convite? - lembrou Anielle.
- Pra vocês nada. Sejam bem vindas. Encarem como um presente meu. - Raika sorriu uma última vez, se distanciando.

Nos entreolhamos e respiramos fundo. Uma festa nos esperava.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Epílogo - Capítulo 9: Conceito Próprio

"O LADO TORTO DO DIREITO"

O grande cartaz dourado colado na parede amadeirada era bem chamativo. As letras menores traziam horário e endereço. Virei para Ember animada:

- Finalmente uma festa na faculdade! - cantarolei.
- Pra que tanta animação? Essas festas são um saco. - ela deu de ombros.
- Como assim?
- Ah Kris, legal mesmo é a festa da engenharia. Muita bebida, homens ricos e sarados. Direito é um saco. - ela revirou os olhos.

Eu estranhei seu repentino desânimo. Geralmente, ela era entusiasmada com tudo.
- O que tem de tão chato nessas festas do pessoal do direito?

Ember suspirou:
- Você já sabe o que tem de tão ruim. Olha lá quem vende os convites. - ela apontou.

Na bancada dourada, enfeitada pelo mesmo papel usado no cartaz, estavam Louise e a bela garota negra que também possuía uma fita no pescoço. As duas, belamente trajadas de preto, o rosto esculpido em uma expressão séria e sensual, entregavam os convites aos interessados. No mesmo instante que as vi, murchei.

- Entendi. - sussurrei, desanimada como Ember.
- É. A festa do direito gira em torno delas. Os carinhas mais gatos ficam babando por elas a festa toda. Qualquer garota que não possua uma fita negra no pescoço fica no canto observando as discípulas de Mabel serem idolatradas. É um saco! Vamos pra aula. Mabel vai passar as notas hoje.

Olhei de relance uma última vez para Louise. Seu rosto superior, e a forma como se locomovia a fazia parecer mesmo uma deusa. Mas nada em seus gestos impecáveis se parecia com a grandeza que Mabel possuía.



Sentei na minha cadeira de sempre, anciosa pelas notas. Mabel, que já estava na sala, repassava entre as mãos magras as provas, anotando algo em cada uma. Em poucos segundos, a sala se encheu de alunos, todos tensos aguardando o resultados das provas. Meu coração vacilava, mas respirei fundo e disse a mim mesma "relaxe, sua boba... você estudou feito louca... sabe que vai tirar uma boa nota".

Mabel flutuava pela sala, entre as carteiras, num silêncio mortal, entregando as provas, deixando a maioria com um rosto que passava de aflito para decepção. Ember bufou, e sussurrou para mim:

- Quatro e meio, eu sabia. Substitutiva, aí vou eu.

Isso me deixou nervosa novamente. Entre os rostos decepcionados, estava o sombrio sorridente de Louise. Vi de relance um nove redondo. Revirei os olhos. Puxa saco idiota!

Finalmente, Mabel parou diante de mim. Seu olhar pairou sobre o meu, hipnotizador. Ela balançou a cabeça negativamente, e me estendeu a prova, dizendo duramente:

- Esperava mais de você.

Foi quando fitei minha vergonhosa prova. ZERO VIRGULA CINCO???? COMO ASSIM???

Baixei imediatamente a prova para que ninguém visse aquela bola vermelha gigante desgraçando completamente meus esforços. Olhei em pânico em volta, mas ninguém parecia olhar para mim. Ergui vagarosamente a aba inferior da prova, para ler a anotação final de Mabel. Lá, numa letra impecável, quase medieval, estava escrito: "Quero saber sua opinião sobre os fatos. A opinião dos autores eu sei de cor e salteado. Você não é computador, mas sabe fazer um belo Ctrl c+Ctrl v".

Amassei aquela prova no meu peito como se fosse uma faca bem afiada. Eu queria morrer. Fiquei vermelha, roxa, azul tentando segurar o choro da derrota. Ember, que logo percebeu meu estado de epírito, ficou preocupada:

- Relaxa Kris, foi sua primeira prova. Você não sabia o estilo de escrita que Mabel curtia. Um zero é perfeitamente comum...
- SHIIIIIIIIIIIIIIIU!!!!!! Cala a boca! Ninguém precisa saber que tirei ZERO! - cortei ele, sussurrando freneticamente.
- Não foi um zeeeeero. Eu vi, era virgula alguma coisa... - ela riu.
- Está tentando me animar? - fiquei possuída.
- OK, relaxe. Eu tirei zero na minha primeira prova com a Mabel. Zero virgula um na segunda... e deu que reprovei o semestre todo. Mabel odeia que o aluno sirva de reprodução de conceitos já existentes. Ela exige que sejamos renovadores. Que tenhamos base, mas que criemos nossos próprios conceitos. Veja, tirei quatro. Isso prova que ainda não tenho um conceito só meu. Mabel reprova muito. Não ligo se eu reprovar uma terceira vez. Não é vergonha nenhuma. Tem gente nessa sala que reprovou três vezes. Bem vinda ao mundo real! - Ember foi direta.
- E Louise? Reprovou três vezes também? - eu ainda estava estérica.
- Não... mas reprovou uma. Essa é a segunda vez que ela cursa direito penal com Mabel. - Ember deu de ombros.
- Ah... - isso me acalmou.
- Sabe, fiz o semestre passado com Louise. Ela não usava fita negra. Na verdade, ela não usava na preto. Ela adorava rosa... azul... Um dia, ela tirou oito e meio na prova de Mabel, e eu vi a senhora Dowtchervick fitá-la a aula toda. Enrolei pra sair da sala, e vi ela convidar Louise pra fazer algo depois da aula. Não sei bem o que era... só sei que depois desse dia, Louise mudou... - Ember parecia séria.
- Todo mundo consegue tirar nota alta com Mabel quando aprende o método dela? - fiquei curiosa.
- Não. A maioria é aprovada com seis, sete... até sete e meio. Oito, nove... é pras paquitonas das fitas negras. Não me pergunte do dez... é lenda. Nem as discípulas dela tiram. - Ember deu de ombros.
- Que legal. Então devo estudar pra tirar até sete e meio na substitutiva? - eu ri com desprezo.


Ember puxou a cadeira mais para perto:
- Olha, você tá estudando no método de decorar os conceitos. Não pode fazer assim. Direito penal é muito mais que isso. Leia o conceito do autor e o critique. Sente-se com o livro na sua frente, compare os autores e tente criar um conceito seu. Você pode usá-los de base, mas nunca repita o que eles dizem na sua prova. Mabel tem nojo disso. - explicou Ember.
- Ora, eu tirei um dez com Lerry fazendo dessa forma. - fiquei ferida com isso.
- Bom, Lerry não é Mabel...
- Não sei... você tirou quatro e meio apenas. - fui grossa.
- E você tirou zero. Acho que meu conceito tá melhor que o seu. - ela riu.
- Desculpe... - murchei - você está certa. Vou tentar me soltar mais nessa substitutiva.
- Boa sorte. - Ember sorriu, afastando a cadeira para prestar atenção na aula.