quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Epílogo - Capítulo 15: Fissura

Eu não podia dizer pra ninguém. Até mesmo porque ninguém acreditaria em mim. Mabel, a professora mais temida e intocável da universidade havia acabado de me beijar na sala de aula sem o menor pudor. Fiquei uns 10 minutos congelada no fundo da sala, até que alunos de outra turma começaram a entrar, cochichando e rindo ao me ver parada como um pastel. Conseguir me mover e saí da sala, cambaleando.

Andei pelo corredor molenga. Uma noite com Lerry, e um beijo de Mabel. O que eu era? Uma papa mestre, sei lá? Ri comigo mesma, encostando na parede e deslizando até me sentar no chão. Talvez eu tenha bebido tanto na noite passada, que sonhei tudo isso. Mas não. As lembranças com Lerry eram muito fortes, e o gosto de Mabel ainda estava em minha boca. Qual era o problema deles? O que eles queriam comigo?

Na verdade, eu não estava em dúvida quanto a Lerry. Ele quis me comer e me jogou fora, ponto final. Mas, e Mabel? O que deu nela para me beijar daquela maneira? Ela vive cercada de garotas inteligentes e bonitas, a quem dá fitas negras para usarem em volta do pescoço. Será que ela beija todas essas garotas na boca? O que é isso, algum tipo de seita lésbica do direito?

A questão é que eu não era considerada inteligente por ela. Eu havia tirado zero na prova, então o que ela queria comigo?  Ela falou algo sobre motivação, mas desde quando beijar alunos na boca os motivam a estudar mais? Minha cabeça, ainda dolorida pela bebedeira, começou a girar, e meu estômago deu um nó. Comecei a sentir enjoo, então deitei a cabeça em meus joelhos, abraçando minhas pernas, me sentindo muito mal. Percebi uma sombra se aproximando, e estremeci ao ouvir sua voz:

- Kris, você está bem? - perguntou Lerry, parecendo preocupado.
- Saia daqui! - resmunguei sem erguer a cabeça.
- Kris, eu preciso falar com você... por favor, me ouça... - suplicou ele.
- Me deixe em paz! - ainda com a cabeça baixa, dei-lhe um empurrão molenga.
- Olha, você não parece bem. Vamos comigo comer algo, e assim conversamos.
- Que parte de 'me deixe em paz' você não entendeu? - olhei para ele, e minha última palavra saiu falhada quando a cor de seus olhos aqueceram meu coração.
- Me perdoe Kris, eu fui um idiota hoje cedo. Gostaria de me explicar, e não vou deixá-la jogada no corredor desse jeito como a deixei ir embora hoje cedo. - Lerry foi firme, e decidi não discurtir mais. Afinal, eu queria conversar com ele.

Fomos andando até uma lanchonete no campus. Lerry tentou me ajudar a andar, porque eu estava meio enjoada em molenga, mas o empurrei, então ele não insistiu. A lanchonete estava tranquila, haviam poucos alunos alí. Sentamos na mesa mais distante, ao ar livre, e uma moça ruiva veio marcar nosso pedido. Lerry pediu um misto quente e suco de laranja, e eu pedir apenas uma àgua com limão. Ele me olhou feio, e acrescentou mais um misto quente ao pedido:

- Se não comer, sua ressaca não vai melhorar. - Lerry me advertiu.
- Desde quando se preocupa comigo? - olhei furiosa para ele.
- Kris, sei que deve estar pensando que eu me aproveitei de você, mas sinceramente, eu tentei de todas as formas evitar essa situação. Eu... eu confesso que... eu te acho maravilhosa. Linda. E que você mexe comigo de alguma forma. Eu estava um pouco alto ontem, a bebida me desestabilizou, e você estava bem alta também, e perdemos a noção de certo e errado. Quando você me beijou, eu não consegui mais me segurar. Tinha você ali no meu apartamento, linda de morrer, querendo algo comigo... como eu poderia resistir, se eu também te queria?

A moça ruiva trouxe nossos pedidos, o que cortou brevemente a conversa. Assim que ela se afastou, dei um gole na àgua com limão, e olhei seriamente para Lerry.

-Ok, Lerry. Não estou te culpando por nada. Estávamos bêbados, eu te assediei, você cedeu, transamos, e ponto final. Somos adultos, temos que superar isso.
- Kris, eu peço desculpas por ter permitido que isso acontecesse. Você sabe que um professor que se envolve com uma aluna pode sofrer sérias represálias, não sabe?
- Eu sei.. eu só.. eu só imaginei que... - comecei a gaguejar.
- O que? - indagou ele.
- Nada... Olha Lerry, não vou delatar você. Você não se aproveitou de mim. Eu quis, e sou adulta pra assumir isso. Não vai mais acontecer, e peço desculpas também por toda essa situação. - as palavras saíram doloridas.

Lerry respirou fundo por uns instantes, depois pressionou os lábios encarando a realidade. Tomou três goles intensos de seu suco de laranja, e com o guardanapo de papel enrolou o misto quente.

- Kris, tenho que ir. Coma o seu misto quente, vai melhorar sua ressaca. Nos vemos nas aulas. Um bom dia, e estude. - sorriu Lerry, sendo formal e automático, deixando de lado qualquer possível sentimento.
- Ok, bom dia professor. - disse, o mais fria possível.

Enquanto Lerry se afastava, meu coração foi trincando lentamente. No fundo, eu sabia que ele estava certo. Erramos, mas isso não podia mais acontecer. Foi só uma noite de loucura. Então por que eu estava tão desapontada? Eu havia me apaixonado por Lerry?

Olhei melancolicamente para o misto quente, que com certeza já não estava mais quente assim. Decidi seguir o conselho de Lerry e tentar comer, já que meu enjoo estava me matando.Após alguns minutos, me senti melhor. Ignorei as fissuras em meu coração idiota, e me levantei. Precisava ir para casa, e estudar. Nesse instante, pensei em Mabel. Como a encararia na próxima aula, depois do que ela fez comigo?

sexta-feira, 7 de março de 2014

O Epílogo - Capítulo 14: O Lado Negro

O sol feriu meus olhos através das pálpebras. Levantei meu dorso subitamente, tentando por em ordem meus pensamentos. Em poucos segundos, a lembrança da noite passa vinha à tona, misturada com uma dor de cabeça horrível e um enjoo persistente. Eu estava na cama de Lerry, no quarto de Lerry, na casa de Lerry... e ao meu lado lá estava ele. As costas definidas e nuas perfeitas à luz do sol, uma respiração profunda acompanhando seu sono de bruços. Hesitei em acordá-lo, mas o relógio na cômoda ao lado da cama mostrava que já eram 10:20 da manhã. Lerry deveria estar na faculdade há 2 horas dando aula de Direito Civil para a minha turma. E eu deveria estar lá também.

Toquei levemente seu ombro másculo, e ele levantou num surto:
- Kris? Meu Deus, que horas são? - ofegou ele.
- Meio tarde. - quase sussurrei.
- Dez e 20, essa não, perdi a aula da manhã! Droga! Vou ouvir poucas e boas da coordenadora do curso...
- Calma Lerry, acontece, você justifica a falta dep... - tentei acalmá-lo.
- E vou justificar como? Desculpe coordenadora, eu fui a uma festa universitária ontem e acabei transando com uma aluna, e perdi hora! - ele estava um pouco descontrolado.
- Uma aluna? Tipo uma aluna qualquer? - o cortei, um pouco magoada.
- Ah Kris, me desculpe. Eu... é... isso... bom, isso não deveria ter acontecido. Eu e você temos uma relação de professor e aluna, e eu posso ter que responder por isso se souberem que tivemos algo. - Lerry tentou explicar.
- Vai pro inferno. - levantei, minha cabeça latejando.

Saí do quarto pegando minhas roupas, e quando atingi o corredor Lerry veio atrás de mim:
 - Kris, por favor, não é que não tenha significado nada. Mas eu perdi meu controle e o que nós fizemos não é certo...
- Cala a boca, você só está piorando as coisas. - resmunguei, parando na sala para me vestir.
- Eu sinto muito, só que...
- Olha Lerry, estou indo embora e vou fazer de conta que nada aconteceu ok? Eu nunca estive aqui. - falei, enquanto fechava meu corpete.
- Puxa, eu... droga... - ele estava sem palavras.

Quanto terminei de me vestir, me dirigi à porta da frente, mas ele me parou:
- Eu levo você.
- Não, obrigada. Você não pode ser visto comigo numa hora tão comprometedora num dia em que faltou da aula. Vou pegar um ônibus. - eu estava com muita raiva.

Saí do apartamento de Lerry e demorei uns 5 minutos para me localizar. Depois de andar duas quadras, encontrei um ponto de ônibus, e me sentei. Um carro conversível passou na rua com dois babacas que, é claro, me cantaram:
- E aí gostosa! Delícia, dá uma sentada aqui!!!
- Vai tirar a mãe do puteiro. - gritei, exausta de tanta raiva e ressaca.
- Vagabunda! - gritaram de volta, típico xingamento masculino após um toco.

Depois do conversível, vi o carro de Lerry passando pela rua, e dentro do carro ele estava de camisa social e gravata, imerso demais nos próprios pensamentos para reparar que eu estava no ponto, provavelmente procurando uma desculpa pelo atrasa e pela perda da aula dessa manhã. Passou por mim sem me ver.

Cheguei no alojamento exausta, e com o estômago péssimo. Arranquei a roupa de festa e fui direto pro chuveiro. Enquanto tomava banho, era inevitável não pensar na noite de ontem. Embora estivesse alta de tanto beber, me lembrava perfeitamente do cheiro de Lerry, dos braços fortes dele me apertando contra seu corpo, da voz grossa no meu ouvido, e dos beijos entorpecentes que ele havia me dado. Mas ele era um babaca. Comeu e jogou fora. Pior, se arrependeu. 'Comi uma aluna, ai meu Deus, vou ser demitido'. Uma aluna, uma aluna qualquer. Talvez tenha sido por isso que ele tenha ido na festa ontem. Pra pegar uma aluninha e se divertir. E é claro que a idiota da Kris tinha que cair nessa.

Quando finalmente cheguei na faculdade eram 14:00 da tarde. Estava na hora da aula de Mabel, e eu fiquei com medo de não aproveitar por causa da ressaca que ainda lançava vestígios de dor de cabeça e enjoo. Entrei na sala de aula e me sentei no fundo, e percebi que Ember não estava ali.

A aula correu tranquila, e Mabel como sempre espetacular. Quando a aula acabou, os alunos foram saindo da sala aos poucos, e minha cabeça parecia doer ainda mais. Pousei a cabeça sobre as mãos, esperando uma melhora antes de me levantar, o que chamou a atenção de Mabel.

- Bebeu demais ontem? - Mabel se aproximou de mim, a sala já vazia.
- Um pouco, mas já tive ressacas piores. - respondi, me recompondo e me levantando.
- Que bom, espero que esteja estudando pra prova substitutiva da semana que vem. - ela disse, se aproximando um pouco mais.
- Ainda não comecei, tirei zero ontem. - estranhei.
- Assim como nunca é tarde, nunca é cedo pra começar. Você parece desanimada... talvez precise de algo para se motivar. - disse Mabel, próxima demais de mim.
- Zero costuma ser... desanimador. - respondi, meu coração acelerando pela proximidade dos olhos azuis gelados e hipnotizantes dela.

O perfume de Mabel golpeou minhas narinas me deixando sem fala. Seus olhos me prenderam, e eu não conseguia desviar deles. De repente, eu estava zonza e em transe. Foi quando senti a mão fria de Mabel pousar em minha nuca, puxando meu rosto para o dela. Nesse momento, me perdi completamente. Não conseguia achar meus próprios pés, só conseguia sentir a boca dela na minha. O lábios frios, mas a língua latejante em minha boca, buscando despertar em mim uma fera perdida. Uma chama tomou conta do meu peito, e minhas mãos se moveram sem meu consentimento para o rosto de Mabel. E eu a beijei de volta com um desejo ardente. Então ela me soltou.

Cambaleei sem saber exatamente o que tinha acontecido, o gosto doce e frio de Mabel dominando minha boca. Ela sorriu para mim, e saiu da sala.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Epílogo - Capítulo 13: O Lado Branco

Abri os olhos pesados assim que o motor do carro de Lerry parou de roncar. Fitei com minha vista meio embaçada o costumeiro alojamento onde ele havia parado e frente. Minha cabeça, ainda sob efeito da vodka, girava freneticamente em busca de uma desculpa para permanecer naquele carro.

- Está entregue, senhorita. - sorriu ele, mais lindo que nunca.
- Estou no lugar errado. - minha boca falava sem eu comandar.
- Não é esse alojamento? - ele ficou preocupado.
- É sim, mas essa noite o lugar certo não é aqui. - continuei.
- Não estou entendendo, Kris. - ele riu, meio confuso.

Me aproximei dele, colocando minha mão direita em sua perna.

- Leve-me para o seu apartamento. - disse, suplicante.
- Não Kris... você... você está misturando as coisas. - ele foi relutante.
- Você que está... só quero conhecer onde meu professor favorito mora. - fui cínica.
- Kris, você não deveria nem estar nesse carro. Vá para seu quarto, por favor. - ele pediu.
- Prometo me comportar. -  eu ri.
- Kris!
- Não vou sair do carro. - cruzei os braços.
- Então vou tirá-la eu mesmo. - ele parecia frustrado.
- Vai me largar bêbada na rua?
- Kris...
- Minha companheira de quarto está na festa ainda. Não há ninguém para me impedir de fazer uma loucura. Vai mesmo me deixar aqui?
- Está bem racional para uma bêbada. - ele estava bravo agora.
- Descobri que minha loucura é inebriantemente racional. - sorri para ele.
- Claro... que horas sua colega de quarto volta? - ele estava um pouco nervoso.
- Não sei. Mas pode me levar para seu apartamento, me fazer um café pra que eu melhore... - olhei ardentemente em seus olhos.
- Tu-tu-tudo bem! Só um café. - ele gaguejou, acelerando o carro.

Em vinte minutos estávamos em frente de um edifício acinzentado, com os portões dourados, de muito bom gosto. Lerry me ajudou a sair do carro, pois apesar de nossa discussão, eu estava mesmo cambaleante. Entramos pela porta principal, de vidro escuro. O porteiro nos cumprimentou, e Lerry parecia ter ficado vermelho. Entramos no elevador lentamente, e se me lembro bem, ele apertou o número 3. Minha cabeça girou, e quando me estabilizei, a porta do elevador se abriu.

O corredor era claro, e haviam vasos de plantas nos cantos. Lerry me arrastou até a porta de número 25, e abriu com cuidado a porta com a mão esquerda, enquanto com a direita me segurava.Cambaleei para dentro do apartamento, e me apoiei na cômoda que ficava logo na entrada. Lerry acendeu a luz, e eu fiquei maravilhada.

Para um homem sozinho, o apartamento era maravilhoso. Luxuoso, arrumado, todo decorado em tons de amarelo pastel e branco. Na sala, um painel de vidro com cascata de àgua. Sentei-me no sofá me deliciando no ambiente. Lerry deu a volta pela mesa de vidro no centro da sala e olhou para mim um pouco arredio:

- Fique sentadinha aí. Vou ligar a cafeteira. - avisou ele.

Não resisti ao impulso e o segui até a cozinha. Ele se virou para mim com as mãos na cintura, com ar de desaprovação. Eu ri, e segui meus instintos. Me empoleirei em seu pescoço e derreti minha boca sobre a sua. De início, o senti gelar, mas em poucos instantes seus lábios rígidos se amoleceram sobre os meus, tão quentes quanto suas mãos que se moldavam à minha cintura.Me pressionei contra ele no intuito de extasiá-lo com o momento, visto que já havia notado o quanto eu o deixava sem ação. A parte de mim que ainda era razão adormecia a cada segundo a mais em que eu sentia o prazer de beijá-lo. Entre os beijos ardentes, Lerry perdia sua razão também, assim como perdia o equilíbrio, tendo que se recostar no balcão da cozinha para não cair comigo no chão.

- Kris... Kris... - balbuciou Lerry na tentativa fracassada de impedir aquela loucura.
- Shhhhhhh... - o silenciei, beijando-o mais uma vez.

Quando foquei meus olhos nos dele, senti a chama que ardia em meu peito passar por seus olhos claros. A expressão preocupada e fraca passou para uma expressão decidida, forjada no desejo. Seus braço, antes hesitantes, se tornaram dominantes, me levantando em seu colo com vontade. Enquanto me beijava com o mesmo desejo que eu o beijava, ele me carregou, acredito eu, pelo corredor do apartamento. Não me lembro do corredor, nem da entrada do quarto, mas lembro da superfície macia que tocou minhas costas quando ele me deitou em sua cama. O quarto, sem luz, mas claro pela lua que reluzia cheia na noite lançava vestígios de que ele estava se despindo. Senti seus braço me apertar forte, enquanto sua outra mão deslizava o zíper de meu corpete negro. Eu caía, não em sono, mas em um sonho febril... febre que exauriu todo o àlcool em meu sangue, que fervia a cada toque de Lerry naquela noite.

terça-feira, 13 de março de 2012

O Epílogo - Capítulo 12: Carona

Sentir minha mão na dele eletrizou meu corpo por inteiro. Ele me puxou para o meio da sala, e envolveu minha cintura. Girou meu corpo, e eu senti a vodka em minha corrente sanguínea girar junto. De repente, eu não conseguia mais distinguir seu rosto. Mesmo assim, minhas mãos bobas subiram até seus ombros, e se apoiaram fortemente aquela emoção. O cheiro suave de seu perfume misturado com o shampoo doce de seu cabelo eram a coisa mais concreta em minha mente. Então algo àspero roçou em meu pescoço. Eu não via nada, mas sabia que seu queixo com a barba por fazer estava encostado em meu ombro.

De repente, as batidas do som ficaram mais baixas. Haviam nuvens em meus ouvidos. Mas eu ainda podia sentir o cheiro de Lerry. Isso significava que eu ainda estava acordada.

- Kris? - a voz grave e dócil de Lerry soou em meu ouvido falho. Ela se perdia na música.
- Ela não parece bem. - a voz familiarmente fria soou atrás de mim, congelando meus tímpanos. Mabel...
- Ela só bebeu um pouco demais. Eu a levo pra casa. - reconheci Ember entre os timbres. A voz dela parecia meio decepcionada.
- Pode ficar, eu a levo. - pediu Lerry. Minha cintura ainda estava envolvida por seus braços fortes.
- Não é nada bom um professor andar por aí com uma aluna bêbada. - Mabel foi ríspida, e senti sua mão gelada encostar em meu braço.

Embora estivesse entorpecida pelo álcool, haviam duas energias que não escapavam à minha razão: o afago quente de Lerry e o inverno sombrio de Mabel. Em minha mente falha, os dois pareciam guerrear por mim naquela noite.

- Eu só vou levá-la ao alojamento. - Lerry dizia, suplicante.
- Afaste-se dela! - senti Mabel puxar meu braço.
- O que é isso Mabel? Está me ofendendo. - reclamou Lerry.
- Você também bebeu um pouco demais, Lerry. Não sabe o que está fazendo. - cuspiu Mabel.
- Ei, eu a levo. Chega de discussão! - reclamou Ember.

Chacoalhei a cabeça tentando afastar as nuvens de meus ouvidos. Péssima ideia. O enjoo foi instantâneo, mas o contive. Abri os olhos e vi três testas vincadas numa batalha entre olhares. Ember, entre Mabel e Lerry, parecia preocupada em me afastar dos olhares dos alunos.

- Eu não quero ir embora. - disse, molenga - me deixem no sofá, logo ficarei bem.
- Tem certeza amiga? - perguntou Ember.
- Claro. - resfoleguei, tirando meu braço das mãos frias de Mabel, e me soltando do abraço quente de Lerry.

Cambaleei até o sofá escuro, e desmoronei. Procurei manter a cabeça erguida para que não viessem atrás de mim. Ember sentou ao meu lado. Lerry saiu pela porta da frente e Mabel sumiu entre a multidão que voltava a dançar e a me ignorar.

- O que foi isso? - Ember estava chocada.
- Lerry estava sendo gentil. Já Mabel... não sei o que ela quer de mim. - murmurei, com a cabeça apoiada na mão.
- Mabel parece que se sente sua dona. Isso me dá arrepios. - Ember riu.
- Pior que ela estragou minha dança. - ri também.
- Quer que eu a leve pra casa? - Ember perguntou.
- Não. Vou lá fora tomar um ar. Parei de beber por hoje. E você, que sabe beber e ainda está inteira... vá se divertir. - ordenei.
- Ah amiga... - Ember tentou ainda ser solidária, mas vi seu olhar se voltar para o meio da sala buscando determinada pessoa.
- Tchau Ember. - dei um tapinha em sua perna e cambaleei para fora do sofá.

Olhei para trás de relance e vi a garota com quem Ember conversa antes se aproximar. Sorri, e cambaleei para fora, ainda zonza. A grama era macia demais, e parecia que eu não tinha mais meus pés. Tentei me apoiar em algo, mas não havia nada. De repente, senti gosto de mato. Sim, havia caído de boca no chão.

Rolei e fitei o céu me sentindo a maior babaca da faculdade. Estava torcendo para que houvessem mais bebados caídos pelo gramado. Foi então que duas mãos quentes se encaixaram debaixo de meus braços e me puxaram para cima.

- Recusou a carona pra dormir na grama? - Lerry riu.
- Achei que tivesse ido embora. - bebada como estava, não me contive e o abracei.
- Não fui. Acho que Mabel tem razão. Bebi um pouco demais hoje. Vou para casa. - suspirou Lerry.
- Não me deixe. - choraminguei.
- Calma... posso deixá-la no alojamento antes. - ele sorriu.
- Ótima ideia. - sorri também, e solucei.



O Epílogo - Capítulo 11: Febre

A orgia entorpecente vinda da música alta e dos copos cheios de alcool que logo se esvaziavam era a energia mais forte dali. Sentada no sofá azul escuro extremamente macio, eu observava Anielle e Ember dançando animadamente. O corpo magro de Anielle, ainda pálido mesmo sobre o efeito de luzes, mexia-se lentamente em torno do corpo delineado e sensual de Ember. As duas estavam em plena sintonia, e as pessoas que dançavam à sua volta pareciam refletir seus movimentos. Elas eram o centro, o foco.

Eu estava hipnotizada pela beleza de sua dança. Na verdade, não sabia se meus olhos congelados se davam pela sensualidade delas, ou pelo copo quase vazio de vodka em minha mão direita. Foi quando vi a energia escura no fundo da sala: Louise. Seus olhos, também vidrados, acompanhavam os movimentos febris de Anielle e Ember. De repente, o lampejo que passou por seu rosto me deixou meio chocada. Ela estreitou seus olhos e fitou mais assiduamente minhas duas amigas. Olhei para Anielle e Ember, e depois voltei para Louise. De repente, me senti olhando para meu reflexo no espelho. Ambas olhávamos a dança com desejo. Ember roçou o rosto lentamente no pescoço de Anielle. Fechei meus olhos firmemente... maldita vodka.

Respirei fundo e joguei a cabeça para trás, fitando o teto. Senti o sofá se mexer e um cheiro conhecido, então fiquei com raiva. Estava bêbada, e vendo coisas demais... sentindo coisas demais. Mas, quando ouvi a voz dele, percebi que a bebida não poderia ter tamanho poder.

- Não está se sentindo bem, Kris? - disse preocupado Lerry, meu professor de Direito Civil.

Eu pulei de susto:
- LERRY?
- Desculpe, não queria assustar você. - ele se assustou também.
- Pro- pro- professor? O que faz aqui? - arregalei os olhos.
- Ah... alguns professores legais são convidados para festas universitárias. - ele riu.
- Nossa... eu não esperava mesmo ver você aqui. - eu estava ofegante.
- Não sou o único docente aqui. Veja ali na mesa de bebidas. - ele sorriu.

Trajada de um tubinho negro, Mabel estava sombriamente linda. Meus olhos pegaram fogo assim que a foquei, e percebi que a vodka libertava um lado meu que eu mesma desconhecia. Esperta como uma gata, Mabel sentiu meu olhar febril sobre ela, e me focou sorrindo. Senti meu rosto queimar, e resolvi virar o restante de vodka em meu copo.

- Está linda hoje. - disse Lerry.
- Mabel é sempre linda. - respondi.
- Não ela... você. - ele disse, meio confuso.
- Ah, eu? Nossa, obrigada. Desculpe, acho que bebi demais.
- Tudo bem, eu também bebi um pouco. - ele riu.

Notei que ele estava bem solto naquela noite. A camisa branca estava com os primeiros botões abertos, e ela descia por cima de um jeans claro. Nos pés, haviam tênis, e não os costumeiros sapatos sociais. Ele estava sexy... e eu estava bêbada... maldita vodka.

- Você está sexy hoje. - eu disse sem querer, e depois mordi a lingua.

Lerry riu alto:
- Acredito que todo mundo está sexy pra você hoje.

Eu sabia que devia estar vermelha, mas não conseguia encontrar minha vergonha.
- Provavelmente. Juro que senti a mesma coisa olhando você e Mabel. - disse, fechando os olhos.
- Agora estou ficando com medo. - Lerry riu novamente.
- Acho que vodka é a bebida do diabo. - eu ri.
- Bem vinda ao inferno. - Lerry colocou outro copo em minha mão.
- Oh não... - eu quis rejeitar.

Lerry apontou para Anielle e Ember.
- Ninguém está rejeitando nada esta noite.

Anielle estava dançando ainda mais febrilmente com um rapaz do segundo ano. Já Ember, estava entretida com uma garota que eu nunca tinha visto. Ambas pareciam completamente eufóricas e sem se importar com a manhã seguinte. Resolvi tomar mais um gole. Afinal, meu professor másculo, lindo e loiro estava me oferecendo. E o que eu mais queria era relaxar.