segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 21

Agora sim Mytrias era um país perfeito. Não só o povo vivia em paz, como também sua realeza. Nicolas tinha adoração por Micaili, que era igualmente apaixonada por ele. Juntos, eles eram invencíveis. Sua única discussão era o fato de Micaili querer estar presente nas batalhas.
- Eu tenho que estar lá! - exigia Micaili.
- Mical - era como Nicolas a chamava - faz idéia de como vou me sentir se você se machucar?
- Eu preciso estar lá, você sabe como os soldados lutam melhor quando me tem para confirmar as estratégias...
- Não gosto de ver você com aquela armadura negra e uma espada na mão... me sinto um fraco deixando minha esposa exposta assim.
- Nicolas, você sabe que só uso a espada se o exército inimigo consegue chegar até mim. E eles nunca chegam.
- Micaili...
- Por favor, me deixe ir...

Dessa vez o exército de Mitryas enfrentaria um exército de porte semelhante ao seu, da Macedônia, que tinha uma misteriosa aliança com outro país que eles não faziam idéia de quem era. Espiões e magos tentaram descobrir qual era esse país, mas a lua, diziam os magos, escondia a identidade do segundo inimigo.

Micaili não se abalava. Andava pelo saguão com seu sorriso exuberante no rosto e o mapa traçado na mão. Tinha mil e uma estratégias, e sua única dúvida era qual delas usar no dia da batalha decisiva.
- Sua fonte de idéias não acaba nunca? - perguntava Nicolas.
- Nunca! E hoje, particularmente, estou inspirada! - respondia Micaili.
- Percebo... e qual o motivo de tal inspiração?
- Seus olhos iluminados pelo sol!

O dia se aproximava como o galopar de um corcel jovem. O exército de Mytrias estava confiante. A vitória seria certa, graças as estratégias de Micaili. A identidade do país aliado a Macedônia não era mais preocupante - já havia vazado que se tratava de um país pequeno. Na manhã seguinte, os países se confrontariam na parte Oeste do ermo. Micaili estava ansiosa para ver suas estratégias em ação, e Nicolas a fitava, preocupado em por seu único objeto de afeição diante de seus inimigos.

domingo, 29 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 20

Os oficais principais do exército olhavam atônitos para Micaili, enquanto a pequena e frágil moça dominava o grande mapa na mesa e traçava retas com seriedade e convicção. Nicolas era o mais atencioso entre eles, mas sua atenção não era de todo voltada às estratégias que Micaili criava diante dos seus olhos.

De certa forma, Nicolas se sentia feliz. Feliz por passar o dia todo ao lado de Micaili, feliz por vê-la ser respeitada e admirada pela sua inteligência, feliz por vê-la feliz. Mas, por que estaria ele feliz por ela?

Os dois meses seguintes foram de glória para Mytrias. As espetaculares estratégias de Micaili deram ao país vitórias e vitórias que resultavam em terras, escravos, ouro e comemorações. O povo clamava: "Viva ao Rei Nicolas e à Rainha Micaili". Nunca Mytrias foi tão próspera.

A noite quente se passava vagarosa, enquanto as ruas iluminadas ecoavam em música e festança. Micaili estava parada na janela de seu quarto, observando o céu estrelado. Nicolas entrou no quarto, o que deixou Micaili surpresa. Geralmente, Nicolas ia dormir só depois que Micaili já estivesse no sétimo sono, e se levantava antes que ela acordasse. Mas dessa vez ele entrou mais cedo.

Nicolas passou pelo quarto e ficou de pé diante de Micaili, que o fitava confusa. Ele olhou nos olhos dela de uma forma penetrante.
- Você é o ser vivo mais incrível que já conheci! - suspirou Nicolas.
- Isso bom, fiquei feliz que ainda não me jogou no calabouço. - falou Micaili, rindo.
- Micaili, eu acredito que começamos tudo isso da forma errada. - disse Nicolas, pegando a mão de Micaili e a puxando para ele. - Acho que temos que resolver uma outra guerra.
- Do que está falando?
- Desde o início, há uma batalha em nós. De nós contra nossos corações. Estou jogando a bandeira branca, Micaili. Estou me rendendo. Meu coração venceu a mim... eu te amo...

Os olhos de Micaili se arregalaram. Ela arfou, completamente surpresa pelas palvras de Nicolas. Colocou as duas mãos no peito largo de Nicolas para afastá-lo dela, mas ele a segurou em seus braços.
- Por favor, não diga isso... - arfou Micaili.
- Por que? Está tudo tão perfeito...
- Porque não quero amar você!
- Sabe, essas palavras deveriam me magoar. Mas ao invéz disso, vejo outro significado nelas. Você não quer, mas posso ver em seus olhos que seu coração quer. Sinto muito Micaili, mas você já me ama.

Micaili olhou nos olhos de Nicolas para lhe devotar palavras depreciativas na tentativa de provar que ainda o odiava. Mas, ao encontrar os olhos doloridamente apaixonados dele, ela perdeu completamente a relutância.
- Eu... eu... odeio você... - foi o máximo que Micaili conseguiu dizer, cambalenado nas próprias palavras.
- Ódio é um amor fracassado. Mas nosso amor ainda não fracassou. Então creio que está sendo equivocada. - respondeu Nicolas.

Micaili cambaleou mais uma única vez enquanto Nicolas segurava seu olhar, e nessa pequena brecha, um beijo doce libertou seu coração de uma vez para sempre.

sábado, 28 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 19

- Andou bebendo de novo, é? - perguntou Nicolas, com um tom zombador.
- Vá pro inferno com suas gracinhas, Nicolas! Seu exército idiota está em declínio. Você sempre venceu batalhas por ter muita quantidade, mas nunca teve qualidade. É por isso que Getsêny se manteve de pé diante de Mytrias durante todos esses anos. Você perdeu muitos homens, Nicolas. Mytrias vai enfraquecer e você vai perder seu adorado trono! - gritou Micaili.
- Não vou por meu exército nas mãos de uma mulher!
- Ah, ótimo! Continue com seus conceitos antiquados! Ainda estarei aqui para assistir quando os povos da Macedônia dominarem Mytrias e cortarem sua cabeça diante do Deus da Morte!

Caliú observava a discussão entre Micaili e Nicolas, enquanto refletia. Aquele moça magra e frágil perante ele tinha dado anos de dor de cabeça para Nicolas. O motivo de toda aquela farsa inicial era o fato do talento de Micaili com estratégias ter atrapalhado a expansão de Mytrias. Ela estava certa. Com um exército poderoso e uma estrategista talentosa, Mytrias seria invencível.

- Por favor, majestade! Micaili tem razão! - interrompeu Caliú.
- Caliú, você também não!
- Viu o quanto ela atrapalhou seu exército no passado... sabe que ela é capaz!

Nicolas revirou os olhos, mas voltou a fitar Micaili, que tinha a mesma expressão carrancuda de sempre. Mas dessa vez ele observou algo diferente nela. Em vez do costumeiro fogo do ódio que seus olhos possuiam, outra chama iluminava sua íris. Era esperança. Ela arquitetava as estratégias do exército de Getsêny, o que possibilitou ao país crescer e escapar de muitas prováveis invasões. Ela amava fazer aquilo, era pra isso que havia nascido. A chama fraca da esperança nos olhos de Micaili eliminou toda a relutância de Nicolas. Ele não entendia por quê, mas a pequena chance de fazer Micaili feliz entusiasmava Nicolas. Ele desejava vê-la sorrir, e se sentia estranho por isso.

- Vou te dar uma única chance... se me decepcionar, a coloco no calabouço!- falou Nicolas, por fim.
- Está... falando... sério? - gaguejou Micaili.
- Não, só falei pra sua cara... é lógico que estou falando sério, não era o que você queria?

A chama da esperança nos olhos de Micaili se fortificou em um fogaréu estrondoso que se iluminou de repente. Um sorriso forçava seus lábios carmim, mas ela o reprimia. A luz nova nos olhos da jovem a deixava ainda mais linda. O coração de Nicolas cantou no peito por ver Micaili, mesmo que reprimidamente, feliz.

- Obrigada... - sussurrou Micaili, se virando e saindo da sala.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 18

Os dias em Mytrias eram uma rotina massante para Micaili. Ela andava pelo palácio com Madric o tempo todo em seu encalço. Nicolas tinha dado ordem severas para que seus servos nunca deixassem Micaili sozinha com o intuito de impedir caso ela quisesse se matar ou fugir.

Na maior parte das vezes, Nicolas não estava em Mytrias. As batalhas de expansão continuavam. E quando Nicolas retornava, ficava tão pouco que nem dirigia a palavra a Micaili. No quarto, cansado, ele dormia, e saia logo cedo antes de Micaili acordar. Ele andava nervoso e irritado, visto que suas batalhas não eram bem sucedidas, e que ele perdia muitos homens.

Um dia, Micaili andava pela parte leste do palácio real de Mytrias. Ouvi um estrondoso baque, que se parecia com alguém dando um soco na mesa. Parou perto da grande porta monumental e espiou dentro da sala decorada de mármore que se estendia. Diante dos deuses da guerra, Nicolas esbravejava em cima de um mapa. Foi então que Micaili teve uma idéia.

- Boa tarde, meu marido e rei! - saudou Micaili, ironicamente, entrando no saguão.
- O que você quer aqui? - perguntou Nicolas, com um tom àspero.
- Ei, vamos com calma. Não precisa descontar em mim seu péssimo instinto para boas estratégias.
- Vá embora Micaili... não estou bem para discussões agora!
- Nicolas, não quero discutir. Me cansei dessa palhaçada. Eu odeio você e você me odeia... isso é um fato com o qual você insiste em nos obrigar a conviver. Mas você pode tornar meu julgo mais leve, ou mais suportável...
- Do que você está falando?
- Eu tenho um dom, Nicolas. E você tem um problema. Eu posso resolvê-lo. Minha vida é inútil nesse palácio, mas eu posso ser útil. Por favor, me permita ser a estrategista do seu exército e me dará uma única felicidade em ainda respirar.


Nicolas se levantou e olhou por um longo momento nos olhos de Micaili.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 17

A manhã calvagou pelo céu azulado do verão ardente de Mytrias. Os raios lampejaram pela janela iluminando e aquecendo as costas nuas de Micaili. A jovem despertou, esticando os braços, onde encontrou o lado da cama vazio. Se levantou e percebeu que estava sozinha no quarto.

Levantou-se da cama e olhou para o seu ninho de amor da noite passada. Foi quando viu a prova da mentira.

Nesse instante, Nicolas entrou no quarto e se deparou com Micaili de pé em frente a cama com o ódio em brasa no olhar. Foi quando ele viu a mancha de saague no lençol branco, a prova vívida da pureza de Micaili.

- Você!!! - acusou Micaili.
- Se acalme... - tentou dizer Nicolas.
- Como pode fazer isso comigo? Me humilhou perante meu povo, humilhou minha família!!! E era tudo uma mentira!!!
- Isso não tinha nada a ver com você, Micaili... era tudo um plano, mas eram negócios. Só queríamos a terra do norte...
- E agora que conseguiu, por que não passa um punhal na minha garganta? Você já acabou com a minha vida mesmo!
- Calma Micaili, por favor, não... não é assim! Você agora é rainha de Mytrias. Não vou quebrar o acordo que tenho com seu pai...
- Esse acordo é uma farsa!!! Eu te odeio! Eu te odeio! - gritava Micaili enquanto batia com os punhos fechados no peito largo de Nicolas.

A expressão de desculpas no rosto de Nicolas se fechou numa carranca. Ele segurou as mãos hostis de Micaili e a abraçou num abraço de ferro. Segurou o rosto dela perto do dele e disse asperadamente:
- Dane-se se você me odeia ou não! Agora é minha esposa, e nosso casamento é consumado! Nem pense em bancar a suicida de novo, pois colocarei vigia sobre você horas por dia. A manterei viva enquanto a quiser aqui. E não admito que me contrarie! Não está mais em Getsêny, querida... bem vinda a Mytrias.

Nicolas soltou Micaili bruscamente. Olhou para ela com um ar desafiador e saiu do quarto com passos duros e decididos. O pesadelo de Micaili estava apenas para começar.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 16

Nicolas empurrou com cuidado a grande porta de madeira. Perante a janela, Micaili olhava o céu dispersa em pensamentos. A lua prateada jogava sua iluminação sobre o rosto de boneca da princesa, dando a alusão de que sua pela era de porcelana. O pano branco que rodeava o corpo magro da jovem destacava ainda mais o cabelo negro solto caindo aos ombros. Nicolas parou onde estava, extasiado pela imagem bela que via.

Nesse instante, Micaili virou o rosto para olhar para ele. O olhar dela era de vidro, frio e duro. O belo rosto continha uma expressão amargurada. Isso fez Nicolas acordar de seus devaneios.

- Boa noite, rainha de Mytrias! - disse Nicolas, num tom debochado.
- Rainha de terra maldita, é o que sou agora! - respondeu, rispidamente, Micaili.

Nicolas se aproximou de Micaili e a envolveu com os braços fortes. Ela ainda fitou duramente o rosto de Nicolas, enquanto ele a olhava como se estivesse com sede e ela fosse uma fonte de àgua no meio do deserto.

- Isso não muda nada Nicolas. Não pode mais me machucar! Já fez tudo o que podia fazer de mal à mim! - falou Micaili.
- E quem disse que ainda quero machucá-la. A única coisa que quero agora é lhe dar um bocadinho de felicidade! - respondeu Nicolas, com uma voz galanteadora.
- Felicidade? Com você? É completamente impossível! Estou morta para a felicidade no momento em que me tirou da minha tenda no ermo!
- Não pode se negar a mim, Micaili... agora é minha esposa!
- Não estou negando nada! Já teve tudo de mim, não teve? Pois desprezo meu próprio corpo por isso, e eis que sou uma estatua de mármore vazia em teus braços. Faze de mim o que quizer, e serei para sempre como uma defunta em tua cama.

Nicolas não se deixou abalar pelas duras palavras de Micaili. A tomou sem pensar em mais nada, em beijos ardentes que combinavam com o eterno verão do país de Mytrias. O calor do local, ou talvez as chamas dos braços de Nicolas, foram o suficiente para descongelar a armagurada Micaili. Embora o ódio deixasse seu coração num inverno severo, o seu corpo jovem lampejava no corpo de Nicolas fervia sem razão alguma. Talvez ela não compreendesse como sua tenacidade havia sido vencida, mas inconscientemente ela retribuia cada beijo de seu novo marido. Adormeceu em seus braços, embriagados em seus suspiros.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 15

O sol estava forte no quente país de Mytrias. A tarde estava agitada, onde os servos corriam preparando o palácio para uma grande festa. Nicolas, triunfante, andava pelos corredores em sua túnica branca nupcial.

- Foi perfeito! Nem acredito que deu tudo certo! A região do Norte é minha... hahahaha - exultava Nicolas.
- Eu disse, senhor, eu disse que assim se daria. - concordava Caliú.
- Bom, agora vem a parte ruim da história. Você se casa com a getsênese. - cortou Madric.
- Isso não é de todo ruim. Ele põe a aliança no dedo dela, toma posse da região Norte e daqui uns dias ninguém mais se perguntará sobre a princesa, então poderás dar um fim nela. - respondeu Caliú.
- Talvez eu não queira dar um fim nela... - murmurou Nicolas.

Caliú e Madric, os sábios, olharam surpresos para Nicolas.

- Não por enquanto. Qual é, pelo menos tive a sorte de ela ser bonita. Posso tirar proveito disso. - falou Nicolas.
- Está... gostando da princesa getsênese? - perguntou Caliú.
- Sou homem, posso apreciar a beleza de uma mulher, não posso? Isso não significa que gosto dela. Ela é muito suicida pro meu gosto. Tentou se matar no quarto na manhã de ontem. Claro que vou me livrar dela, daqui uns tempos. Agora deixe-me tomar minha posição perante os deuses de Mytrias... e sorriam... hoje é meu casamento. - respondeu Nicolas.

Nicolas saiu dos corredores com um jeito alegre seguindo para um grande saguão na parte principal do castelo. Caliú e Madric se entreolharam, desconfiados da alegria de Nicolas.


O sol entrava pelas colunas do palácio real. Os raios refletiam na túnica branca longa de Micaili. O corpo magro e delicado era tão branco como a seda cintilante. Mas o rosto de Micaili parecia feito de gesso. Mantinha uma única expressão, enquanto as servas a vestiam e a preparavam, o cabelo preso em um coque perfeito, deixando cair cacho negros sob ele.

Micaili caminhou pelos corredores do castelo indo em direção ao saguão dos deuses. Nicolas estava parado diante da estátua da deusa Agnes, a deusa do matrimônio de Mytrias. Quando Micaili entrou no saguão, os olhos de Nicolas não piscavam mais. Micaili, apesar da expressão fria, parecia um anjo flutuando sobre as rosas despedaças no chão, a túnica branca esvoaçando a cada passo, os olhos inexpressivos e o cabelo negro perfeitamente arrumado.

Quando Nicolas deu por si, ela já estava diante dele, e então ele percebeu que os olhos de Micaili brilhavam. Os olhos brilhavam, mas não era de emoção boa. O ódio dela fervilhava em lágrimas de repulsa e sede de vingança. O dorso de Nicolas se arrepiou ao ver tanto ódio dentro dos olhos da princesa getsênese. Depois do susto inicial, Nicolas relaxou e sorriu para ela com uma expressão sarcástica, apanhando sua mão e a colocando perante Agnes.

O deus do matrimônio do país de Getsêny era outro. Martires era o nome dele. Para Micaili era doloroso demais se casar diante da estátua de uma deusa que nada significava para ela.

O mago Flértipas selou o compromisso de Nicolas e Micaili debaixo da estátua de Agnes. O pacto entre Getsêny e Mytrias estava selado. Nicolas cumprira sua parte se casando com Micaili, e então Icarus teria de oficializar sua parte, dando à Mytrias a região do Norte.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 14

- Rei Icarus! Tenho uma proposta para lhe fazer! - exclamou Nicolas, deixando o povo surpreso e curioso.
- O que quer, Nicolas?- arfou Icarus, derrotado - O que mais quer tirar de mim?
- Faz mal juízo de mim, rei de Getsêny. Sou um homem bom, dotado da virtude da sabedoria e do bom proceder. - escarneceu Nicolas - Tenho pena da fraqueza de sua filha, Micaili, que sucumbiu ao vinho, e tenho pena da humilhação de sua família...
- Diga logo o que quer e vá embora! - gritou Icarus.
- Nos estatutos das leis de Getsêny conheço bem o fato de que está escrito que , quando uma moça é desonrada por vontade, só há uma forma de sua honra ser devolvida perante a família. Que ela se case com o homem que a desvirtuou, correto?
- Onde quer chegar? - perguntou Icarus, perturbado.
- Salvarei tua honra, rei Icarus. Me caso com tua filha Micaili! - exclamou Nicolas, alto e claro.

Os murmúrios de surpresa fervilharam. Os olhos do oficial Armandis arderam em ódio. Icarus ficou paralisado. Nioki, ajoelhada, se levantou lentamente fitando Nicolas boqui-aberta. Micaili, no chão, virou o rosto em pânico para Nicolas.
- Conheci teu pai, e conheço a ti. Os mytrienses não dão ponto sem nó. Jamais faria isso por bondade. O que você quer, na verdade? Chega de joguinhos, Nicolas! - falou Icarus, imperiosamente.
- Caso com Micaili, salvo tua honra... se... me entregares a região Norte! - falou Nicolas, enfim.

Os murmúrios entre o povo aumentaram em reprovação e blasfêmias odiosas. O rosto perturbado de Icarus se contorceu em um riso dolorido. O rosto de Nioki se fechou numa expressão de ódio. Ficou clara a real situação diante de todos.
- Mas é óbvio! Como não percebi antes! É tudo um plano... perfeito. Você é patético Nicolas! Patético! - gritou Icarus.
- Um plano? Observe bem, Icarus. Tua filha não fez nenhuma objeção contra minhas acusações. Se fosse um plano, ela estaria participando dele. - falou Nicolas.

Todos sabiam, naquele momento, que Nicolas tramara contra Icarus. Mas ninguém conseguia achar falhas no plano de Nicolas. Não havia como argumentar, nem como salvar Micaili diante de tantas testemunhas. Tudo apontava que ela estava desonrada. Não havia saída.

Icarus olhou, torturado, mais uma vez para sua amada filha, humilhada ajoelhada no chão, os olhos assustados e em pânico. Se ele não aceitasse a proposta de Nicolas, seria obrigado a banir Micaili, visto que ela tinha sido exposta dessa maneira. Não havia como salvá-la. Ele não podia fazer nada, a não ser tomar a única atitude que seria o melhor destino para Micaili.

- Eu te amo, filha minha. - disse Icarus, passando fraternalmente a mão na cabeça de Micaili. - A ti, digo o seguinte... - disse Icarus, agora se voltando para Nicolas - Ao amanhecer, a região do Norte pertencerá a Mytrias. Temos um novo pacto! Casa com Micaili e toma posse da tua terra! Mas apenas terás a região Norte. Não existe paz entre Mytrias e Getsêny. Agora, mais do que nunca, serão inimigas em ódio extremo. Se nos encontrarmos em uma batalha futura, será vida ou morte.

O povo esbravejou em sua ira. O exército de Mytrias ficou rígido em volta de Nicolas, para que ninguém o ferisse. Os olhos de Micaili se arregalaram mais ainda. Nioki olhou para Icarus, depois para Micaili. Ela também sabia que essa era a única saída. Deixou o choro tomar conta de si e correu para dentro do palácio. Armandis observava sem acreditar no que ouvira.

A terra que tanto lutaram para proteger, sua maior fonte de riqueza, agora era dada de mão beijada para Mytrias. Micaili não podia aguentar aquilo:
- Prefiro morrer, meu pai! Por favor, faça qualquer coisa comigo, mas não dê a Nicolas o que ele quer!!! - implorou Micaili.

Icarus olhou para Micaili com o rosto retorcido de dor:
- Não tem outra saída. Sou rei, e já dei minha palavra. Não voltarei atrás no que disse.

Nicolas, explodindo de alegria pela vitória, disse triunfante:
- Pacto! Temos um acordo. Me caso com tua filha. Ela estará honrada o quanto antes. A casa de Icarus tem sua honra outra vez. E a região Norte pertence a Mytrias! Não há paz entre nossos países. Vida ou morte! Homens! Retirada! Tobias, pegue a princesa... minha futura esposa! - ordenou Nicolas.

Micaili olhou para Icarus uma última vez. Os olhos perdidos do pai e da filha possuiam uma dor inexplicável. O exército de Mytrias bateu em retirada, enquanto era vaiado pelo povo getsênese. Palavras como "covarde", "canalha" e "maldito" ecovam sem efeito sobre Nicolas.

domingo, 15 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 13

A fúria de Icarus se desfez na confusão. Seus olhos procuraram os de Micaili, que ainda fitavam o chão. A voz entorpecida pelo turbilhão de emoções exigia:
- Do que ele está falando Micaili? Por que não se levanta e diz que ele está mentindo? - perguntou Icarus.
- Ela sabe do pecado que cometeu. Dei hospedagem e boa comida a princesa, pelo nosso pacto de paz. Coloquei a disposição dela todo meu palácio. Mas ela cuspiu na face de nós dois. Tomou vinho como uma beberrona e perdeu o controle de suas emoções. Se jogou nos meus braços e na minha cama, implorando que a possuísse...
- Cale a boca! - gritou Nioki, se voltando para Micaili - Diga, minha filha, diga! Alto e claro que é mentira... que este maldito cantarola blasfêmias para derrubar o reino de Getsêny! Diga apenas uma palavra que o desminta, e acreditaremos em você!
- Eu... eu... não posso... - murmurou Micaili.

O sorriso de Nicolas se alargou ainda mais. As mão de Nioki caíram ao chão, derrotadas. Icarus ofegava em decepção e ódio. Seus olhos deixaram o rosto de Micaili, e fervilharam novamente para Nicolas.
- Você embebedou ela! - acusou Icarus
- Como é difícil os pais enxergarem a filha que tem! Ela bebeu porque quis! Ela me seduziu porque quis! Ela se jogou em minha cama! Ela quis cada momento! Ela implorou por isso! Eu sou homem, não tenho culpa se sua filha não vale nada! - berrou Nicolas.

Icarus estava derrotado como Nioki. Não havia como argumentar se Micaili se mantinha calada diante das acusações de Nicolas. O povo observava a humilhação de seu reino absortos em espanto. Armandis, o oficial do exército de Getsêny, ainda mantinha a posição de ataque em frente ao oficial de Mytrias.

Micaili estava destruída por dentro. Nunca um ser vivo ansiou tanto pela morte quanto ela ansiava naquele momento. O peito da princesa se rasgava num incontrolável desespero. Ela se jogou aos pés de Icarus:
- Eu sou menos que o pó deste chão, meu pai. Nunca quis causar dano a tua casa. Me livra de meu desespero e me dê alívio. Crava tua espada em mim e me deixe morrer! Me mate! Por favor, me mate! - implorou Micaili.

Armandis, o oficial, olhou preocupado para Icarus. Ele mataria sua filha pela desonra que causara? Mas como podia ele impedir o rei se fizesse tal coisa sendo que essa desonra tinha magoado a ele também? Armandis tinha interesses românticos em relação a Micaili, mas agora ela não significava mais nada perante o povo. Armandis deixou a mágoa dominar sua alma e relxou a posição de ataque, deixando que as coisas fluíssem como tinha de ser.

A mão de Icarus se apertou em volta da longa espada. Fitou Micaili, diante dele, de joelhos ansiando pela morte. Uma mistura de ódio e decepção lutavam contra o instinto de pai que lhe impulsionava a abraçar a filha e tirá-la do meio daquela gente. Mas na verdade não havia nada que Icarus pudesse fazer:
- Não posso matá-la! - disse Icarus, por fim - Conheces bem a lei, Micaili! Você compactuou com o ato, então nem a morte pode honrá-la outra vez. O que posso fazer, senão baní-la? Banir a ti, minha própria filha... - as ultimas palavras eram afogadas em um sussurro torturado que dava alusão à lágrimas que Icarus segurava para não demonstrar.

Os olhos de todos se arregalaram. Icarus baniria Micaili, que passaria a viver na cidade da vergonha que ficava ao Sul de Getsêny, onde as moças desonradas jaziam como prostitutas. Lá, Micaili teria de viver desonrada para sempre, entre a miséria e a luxúria, proibida do privilégio da morte até que a velhice lhe imposse seu destino final. E a casa de Icarus ficaria em vergonha para sempre. A família real de Getsêny parecia estar destruída.

Foi nesse momento que Nicolas, com um sorriso de vitória, pediu a palavra.

sábado, 14 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 12

A marcha do exército de Mytrias pelo deserto em direção à Getsêny soava como uma canção fúnebre. As armaduras negras dos soldados eram como sombras obscuras na areia. Entre elas, uma única mancha marrom era puxada diretamente por uma corda pelo carro de Nicolas.

Micaili vestia sua roupa de guerra getsênese, e estava amarrada com a mão nas costas, com o pescoço envolvido numa corda amarrado ao carro dourado de Nicolas, que ele conduzia controlando o andar de seu cavalo lentamente, porque seu objetivo era humilhar e não matar a princesa. No carro, ao lado de Nicolas, Caliú sorria. O plano estava perfeito. Agora tudo dependia da reação de Icarus.

O sol ainda estava alto, deviam ser umas 3 e meia da tarde, quando o exército real de Mytrias chegou diante à entrada de Getsêny. O povo getsênese aguardava um tratado de paz. Por isso haviam decorado a entrada para a recepção honrosa do rei Nicolas e haviam reunido todo o povo diante do castelo de Icarus para ter Micaili de volta.

Os rostos tranquilos dos getsêneses se transformaram em uma mistura de espanto e ódio quando o exército negro de Nicolas passou entre eles arrastando Micaili como uma escrava. Icarus, que aguardava na entrada do castelo, ficou com a boca escancarada sem acreditar no que Nicolas estava fazendo. Como Nicolas esperava ter paz humilhando a princesa de Getsêny daquela forma?

- Maldito! - arfou Icarus.

Nicolas parou o carro diante de Icarus, desceu e pegou Micaili pela corda que prendia seu pescoço. Olhou imperiosamente para Icarus, e jogou Micaili perante ele. O povo mantia um silêncio único. Os olhos de Icarus enxergavam vermelho, o ódio comendo-lhe as entranhas:

- Está pedindo para morrer, Nicolas! - falou Icarus, alto e grave.
- Não, apenas estou devolvendo a prostituta que roubei da tua casa! - respondeu Nicolas.

Os sons de espanto e furia foram uníssonos. Os guardas getsêneses cercaram os guardas mytrienses, em posição de ataque. Nioki, a rainha getsênese, correu para Micaili segurando seu rosto.
- Prostituta é a mulher que te pôs no mundo, animal! - gritou Nioki.
- Vejo que todas as mulheres getsêneses são indomáveis, rei Icarus. Não falo contigo, rainha, e sim com o homem de tua casa! - respondeu Nicolas.

Icarus empunhou sua espada e desceu a escada fitando Nicolas. Os soldados getsêneses aguardavam o menor sinal de Icarus para o ataque. Micaili mantinha-se em silêncio. Nicolas sorriu para Icarus:
- Tua filha não merece sua indignação, Icarus. Na noite passada, aproveitou da distância das leis de teu país e seduziu ao rei de Mytrias. Por vontade própria, ela jogou sua virtude ao vento. A casa de Icarus está desonrada! - falou Nicolas finalmente.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 11

Micaili ainda fitava Nicolas completamente paralisada. Em sua cabeça ela havia se tornado a mais miserável entre as mulheres. Como poderia ter seduzido Nicolas? Ela odiava Mytrias e odiava o rei desse país. Nunca imaginou que o vinho a transformaria numa mulher desfrutável.

Não importava o quanto de veneno, corrupção e mentira houvesse nessa história. Micaili acreditou nela. Agora sentia nojo de si mesma. Sentia que merecia a morte. Seus olhos, obedecendo a adrenalina em seu coração percorreram o ambiente em busca daquilo que a salvaria de sua própria indignação. Foi quando o objeto prateado brilhou reluzente em meio a todo o ouro do quarto de Nicolas.

As mãos de Micaili voaram para pegar sedentas a adaga afiada sobre a cômoda de madeira trabalhada em frente a cama. Implorando pelo alívio prórpria da deturpação, Micaili levou a adaga ao seu próprio pescoço. Um par de mãos másculas impediram as mãos fracas de Micaili de impor a adaga contra o pescoço, segurando seu cabelo pela raíz próximo ao rosto do homem que ela odiava.
- Nem pense em fazer isso! - disse Nicolas, agora com a voz cruel - Isso não vai resolver seus problemas. Seu eu a tivesse forçado a alguma coisa, seu sangue limparia sua honra. Mas você concordou com tudo, Micaili, você quis aquilo. Vocês suspirava meu nome e implorava pelo meu beijo.

Duas lágrimas caíram dos olhos perturbados de Micaili. Sua mão se afroxou sobre a adaga, que caiu no chão. Frio e impiedoso, Nicolas soltou Micaili, deixando cair perto da adaga, arrasada. Olhou para ela com o perfil superior.
- O reino de Getsêny está desonrado! A filha de Icarus é uma prostituta!
- Não! - arfou Micaili, fitando o chão.
- Bom, como prometido, a devolverei a seu pai hoje, antes do pôr do sol. O reino de Mytrias cumpre seus acordos, porque é um país honrado, diferente de Getsêny. Vista-se! Partiremos em meia hora.

Nicolas saiu do quarto com um sorriso presunçoso, sem olhar para Micaili. A princesa, no chão, fitava o vazio. Nem ao privilégio da morte ela não tinha mais direito. Sua honra estava roubada, e sua lembrança mancharia a dinastia de Getsêny para sempre. Qual seria a reação de Icarus?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 10

A manhã cavalgou pelo céu expulsando qualquer mancha de escuridão, impondo o azul do céu iluminado pelo sol ardente. Os raios fortes das manhãs quentes do país de Mytrias entrou pela janela do quarto do rei Nicolas, atravessando as pálpebras dos olhos de Micaili, que, pela iluminação, começou a despertar.

Micaili contorceu seu pequeno corpo num espreguiçar dolorido. Ao abrir os olhos, levou a mão à cabeça, pela tontura que isso lhe provocou. Um pouco atordoada, levantou a cabeça e esfregou as pálpebras para melhor distinguir as formas diante de si. Olhou em volta e deparou-se com um quarto luxuoso trabalhado a ouro perfeitamente iluminado pela posição das janelas.

Não que Micaili não estivesse acostumada com luxo. Mas aquele quarto era estranho para ela. No primeiro olhar já sabia que nunca havia estado alí, e pior, não se lembrava de como havia chegado até lá. Foi quando percebeu que a seu lado a luz do sol reluzia sobre uma superfície dourada. Os cabelos louros de Nicolas brilhavam nos raios de sol, e o rei ainda dormia recostado no travesseiro de plumas próximo à Micaili.

Num arfar confuso, Micaili percebeu que debaixo do lençol de seda ela estava nua. Assustada, levantou-se puxando o lençol consigo, cobrindo o corpo. A cama rangeu com o movimento de Micaili, o que acordou Nicolas.

Nicolas esfregou os olhos e ergueu o corpo da cama. Ele estava vestido com uma túnica cinza clara, própria para o sono. Levantou-se e jogou um sorriso irônico para Micaili:
- Por que está tão assustada? - perguntou Nicolas.
- O que... como ... onde... - arfou Micaili, respirando fundo para conseguir falar - Por que estou sem roupas? - finalmente perguntou, a voz aspera.
- Hahahahaha, você é mesmo incrível! - zombou Nicolas - Pra uma princesa que exagera no vinho, não consegue se controlar e seduz o rei do país inimigo, até que você parece bem envergonhada, não?
- Do que... do que está falando?
- Você não se lembra? - perguntou Nicolas, com uma inocência forçada.
- E-eu... - Micaili fitou Nicolas, sem palavras.
- Qual é a última coisa de que se lembra?
- Eu estava... - falou Micaili, colocando a mão na cabeça, que doía - ... na sala de jantar. Eu comi pouco, porque a preocupação me tirou a fome. E o... vinho. Você disse que era a melhor safra. Eu me lembro que tomei uma única taça. Na verdade, nem acabei de tomar a primeira taça e minha cabeça ficou zonza. Eu senti um sono enorme e minha cabeça pesou sobre as mãos. E eu lembro... da sua voz me perguntando se eu estava bem.. e ... algo tocou meu ombro mas então... tudo ficou... escuro.
- Eu vou lhe dizer o que aconteceu, já que não lembra. Se você é tão fraca para bebida, não devia ter tomado vinho. Já que diz que não se lembra de nada na primeira taça, é porque já havia sucumbido ao líquido inebriante. Eu me aproximei para ajudá-la, compassivo de minha hóspede de honra. Quando a toquei, você me olhou nos olhos e se lançou no meu pescoço. Começou a tentar me beijar, mas eu a tentei afastar. Mas, cá entre nós, princesa, és muito bonita e eu sou homem, e também havia bebido vinho, então minha tenacidade não estava nas mais perfeitas condições. Você insistiu em me seduzir em seus sussurros sórdidos e beijos com gosto da uva que dominava teus lábios. Fiquei tão perdido, e quando dei por mim estavamos entrelaçados em minha cama. Adormeci com seu gosto inebriante...
- É MENTIRA!!! - gritou Micaili - Você está mentindo... eu nunca faria isso!
- Já havia ficado bêbada antes?
- Não, mas...
- Mas nada! Não sabe o quanto fica desfrutável e pervertida sob o efeito do vinho. O pior está feito, princesa. Eu a possui... já não tens mais a tua valiosa virtude.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 9

Nicolas dispensou as servas, que hesitaram por ele nunca fazer isso. Com uma ordem severa, todas elas deixaram a sala de jantar, deixando a pequena Micaili diante de Caliú, Madric e Nicolas.

Enquanto os três a fitavam, Micaili pousou a cabeça nas mãos, deixando pesar sobre elas. Caliú assentiu para Nicolas, que se levantou e perguntou:
- Está se sentindo bem, princesa?
- Sim, sim... apenas estou... cansada. Me bateu uma tontura muito forte. - respondeu Micaili.
- Talvez eu deva ajudá-la a se levantar. - disse Nicolas, indo para perto de Micaili.
- Não, eu estou bem... - murmurou Micaili, num tom fraco.

Nicolas não ouviu Micaili e ficou de pé ao lado dela esticando a mão por cima de seu ombro magro. Nesse mesmo instante, Micaili tombou e Nicolas a pegou antes que caísse da cadeira.
- Ela apagou? - perguntou Madric, friamente.
- Acho que sim... - disse Nicolas fitando o rosto sereno de Micaili - A respiração dela está profunda, está completamente... dopada...
- Ótimo. Ela não lembrará de nada ao amanhecer. - disse Caliú indo para perto de Nicolas.

Caliú estendeu os braços para ajudar Nicolas a levantar Micaili, mas Nicolas afastou as mãos de Caliú e pegou Micaili no colo sem o menor esforço.

- Eu a carrego. É tão pequena e tão ... delicada... não sei como o pai dela tinha coragem de levá-la para as guerras... - murmurou Nicolas enquanto observava Micaili em seus braços.
- Claro, claro. Vamos levá-la para seu quarto, está bem. - disse Caliú, preocupado.

Subiram as escadarias chegando a um quarto belíssimo, decorado com ouro. A grande cama no centro era iluminada pelo brilho da noite na seda fina que a cobria. Nicolas deitou Micaili na cama delicadamente.
- Primeira parte do plano feita. A princesa está dormindo e não se lembrará de nada na manhã seguinte. Agora, para que o plano siga seu curso corretamente, precisamos tirar as roupas dela. - falou Caliú de modo frio.

O próprio sábio despiu Micaili, cobrindo o corpo delicado com o grande lençol de seda. Branco sobre branco, a pele delicada e macia de Micaili se perdia na seda fina. Nicolas ainda a fitava, admirado pela beleza da jovem getsênese.

- Agora, majestade... - disse Caliú, interrompendo os devaneios de Nicolas. - Tens de dormir ao lado dela. Desejo-te uma boa noite de sono ao lado da getsênese que tanto odeio. Pela manhã, quando ela acordar, o senhor já sabe o que fazer. Permissão para me retirar...
- Vá, sei qual é minha parte nisso. - respondeu Nicolas.

Caliú saiu do quarto e fechou a grande porta de madeira trabalhada. Nicolas deitou-se ao lado de Micaili, mas não tocou nela, apenas adormeceu admirando os doces traços do seu rosto de anjo iluminado pela luz da lua que entrava pela janela.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 8

A iluminação na grande sala de jantar era fraca, com velas posicionadas de modo oportuno sobre a grande mesa de madeira coberto pela toalha carmim. Os pratos tão bem feitos deliciosamente apresentáveis ocupavam os espaços devidos na superfície, e dois pratos de pura porcelana jaziam nas extremidades da mesa.

Nicolas se sentou na cabeceira na grande cadeira de madeira trabalhada a ouro, estofada por um veludo vermelho. Micaili, guiada por Madric, sentou-se na outra ponta da mesa, sobre a cadeira menor, trabalhada também em ouro e veludo, exibindo luxo. Duas servas então serviram os pratos, enquanto uma terceira serva se direcionava para o interior a fim de buscar as taças para o vinho. Caliú segurou o braço da serva e sussurrou:

- Pode deixar, eu servirei o vinho. - disse Caliú.
- O que? - perguntou a serva, surpresa - És o sábio do rei, não um servente.
- Me obedece e volte pra sala de jantar. Eu sirvo o vinho! - insistiu Caliú.
- O rei Nicolas não vai gostar disso. - implorou a serva.
- São ordens dele. A hóspede é muito especial. Agora saia daqui! - ordenou Caliú.

A serva, contrariada, voltou a sala de jantar e postou-se perto do batente hesitante esperando que Nicolas berrasse com ela por não trazer o vinho. Mas ao ver que Nicolas nada dizia, relaxou e tomou a mesma postura das outras servas que já haviam servido os pratos.

Caliú olhava por cima do próprio ombro enquanto tirava da capa azul clara um frasco com um pó branco. Pegou a taça trabalhada em pura prata e despejou o conteúdo do frasco no vinho que continha. Deu uma pequena chacoalhada e serviu uma segunda taça de vinho, trabalhada em ouro, diferente da primeira. Colocou ambas na bandeija e andou em direção à grande mesa de jantar. Madric observava, de pé ao lado de Nicolas.

- Saúde! - saudou Caliú, enquanto colocava a taça prateada diante de Micaili.
- Obrigada... - murmurou Micaili, sem vontade alguma.
- Precisa se alimentar, princesa... - disse Madric, enquanto Caliú colocava a taça de ouro em frente de Nicolas. - Prometemos a seu pai que a entregaríamos em perfeito estado. Já és tão magra... se não comer, tua aparência poderá provocar uma guerra.
- Não se preocupe, vou comer. - disse Micaili, novamente de má vontade.
- E beba o vinho. A melhor safra de Mytrias! - insistiu Nicolas, sarcasticamente.

Um sorriso se abriu no rosto de Nicolas quando Micaili levou a taça prateada até os lábios. Quando olhou para Madric e Caliú, o sorriso de Nicolas se alargou ainda mais.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 7

- HAHAHAHAHA!!! Mas esse Icarus é mesmo uma piada! - zombava Nicolas, sentado no trono de Mytrias.
- E então, o que diz a carta? - perguntou Caliú, curioso.
- O rei getsênese patético EXIGE que Micaili seja entregue até amanhã ao pôr do sol, sem nenhum arranhão, caso contrário Getsêny atacará Mytrias. Hahahahahaha!!! Essa é a melhor parte: "o reino de Getsêny não terá piedade de Mytrias"... puff! Hahahahaha!!!
- Majestade, não cuspa para cima. O senhor sabe muito bem que um confronto direto com Getsêny vai enfraquecer muito Mytrias. - aconselhou Madric, o primeiro conselheiro, sentado à direita de Nicolas.
- Ah vocês são tão pessimistas. Madric, Caliú... eu sei, vocês sabem e até Icarus sabe que Mytrias ganharia a batalha. - zombou Nicolas, novamente.
- Sim, mas Mytrias tem tantos inimigos quanto o céu tem estrelas. Atacarão Mytrias em sua fraqueza, e não restará nem a sola da sandália de teus pés! - falou Caliú, sempre sábio.
- Eu só estava me divertindo um pouco. O plano ainda está de pé, não está? - perguntou Nicolas, ainda sorrindo.
- Sim... falando nisso, Micaili deve estar subindo para cá agora mesmo. - falou Madric.
- Ah! Ótimo. Momento "rei bonzinho" não é? - zombou Nicolas, dessa vez se desanimando. - Não garanto que conseguirei ser tão gentil com aquele getsênese!
- Bom, parece muito animado para sua noite de amor com a princesa... - dessa vez, quem zombou foi Madric.
- Cale a boca! - retrucou Nicolas - Não vou encostar um dedo naquela esquisita! Espero que dê logo o pó do sono pra ela...
- Onde está a virilidade, majestade? - riu novamente Madric.
- Alguém nesta sala está querendo perder a cabeça... - falou Nicolas sombriamente.
- Eu só estava brincando, senhor. - disse Madric, perdendo a face risonha.

Duas jovens servas mytrienses entraram no saguão para anunciar a entrada da princesa Micaili. Nicolas revirou os olhos, demonstrando tédio para seus conselheiros, depois ajeitou a postura para recebê-la.

Nesse instante, uma figura esbelta, mas pequenina, o corpo delicado coberto por uma túnica negra delineando sua estatura de fada, os cabelos negros presos com pequenos aderecesos de prata, deixando os traços puros de ninfa transparecerem, onde se destacavam os olhos negros como os cabelos numa indiferença que contrastava com tanta beleza entrou pelo grande corredor. Nicolas observou a jovem princesa entrar no saguão com os olhos espantados e a boca escancarada. Aquela beldade era Micaili? Mas, a garota magra com o rosto manchado pelo sangue seco da ferida na cabeça, o cabelo despenteado pelo sobressalto e o corpo obscurecido pela amardura marron de soldado getsênese não podia ser a mesma deusa que estava diante de seus olhos.

Nicolas fitava Micaili congelado na posição de surpresa e admiração. A princesa entortou a sombrancelha escura e fina numa expressão de questionamento.
- E então? Que palhaçada é essa? - perguntou Micaili, asperadamente.
- Hã...er... er... - gaguejou Nicolas, saindo do transe inicial.
- Bem vinda ao reino de Mytrias, princesa de Getsêny! - saudou Caliú, enquanto Madric olhava sugestivamente para Nicolas.
- Há algumas horas atrás levei uma pancada na cabeça, fui amarrada como um bicho, esbofeteada e insultada, e agora vocês me vestem com seda e prata e me dizem que sou bem vinda? - falou Micaili, frustrada.
- Nossa pretensão é devolvê-la ao seu reino... - falou Nicolas, depois de dar um pigarro, saindo da paralisia.
- Me... devolver... assim... fácil? Não acredito! Pra que me raptariam então?
- Para fazer uma acordo com Icarus, que já foi aceito por ele. - enfatizou Madric.
- Oh não! A terra do N...
- Seu pai a ama, mas não daria a terra do Norte por você. É uma realidade. - interviu Caliú.
- Então, o que é?
- Um acordo de paz entre Mytrias e Getsêny. - falou Caliú novamente.
- Paz? Mas vocês nos atacam frequentemente! Pra que fim iriam querer paz conosco?
- Perdemos muito tempo com Getsêny. Seu país tem nos enfraquecido. Queríamos matá-la, de início, mas vimos que seria útil devolvê-la pela paz.


Micaili encarou o rei e os dois sábios por um longo instante. Aquilo era verdade. Seria mais vantajoso se o reino de Mytrias estabelecesse a paz com Getsêny. Devolvendo Micaili, a paz ficaria estabelecida. As sombrancelhas finas e negras se desfranziram sobre a testa branca como porcelana. O rosto, no inícia desconfiado, agora trazia uma expressão de tranquilidade.

- Muito bem, e quando posso ir para casa? - perguntou Micaili, a voz doce sem aspereza.
- Bom... - respondeu Nicolas, admirado com a voz aveludada de Micaili. - ... seu pai exigiu que a devolvêssemos antes do pôr do sol de amanhã. Decidimos partir na manhãzinha e entregá-la sem nenhum arranhão. Creio que passará esta noite em Mytrias.
- De certo... assim seja. - respondeu Micaili, calmamente.

Nicolas ainda fitava Micaili, quando uma das servas mytrienses entrou no saguão.

- Majestade! O jantar está servido! - avisou a jovem serva.
- Ótimo! Janta comigo, princesa de Getsêny? - perguntou Nicolas.
- Não... estou com fome... obrigada. - respondeu Micaili, hesitante.
- Hahahaha, não vamos envenená-la, princesa! - exclamou Nicolas.
- Não é isso... é que...
- Se não aceitar, é uma desfeita como hóspede de Mytrias. - interviu Madric.
- Bem... certo... - cedeu Micaili.

Micaili foi conduzida para a sala de jantar. Logo atrás, Caliú olhou para Nicolas mostrando na face a expressão de que o plano seria posto em prática naquele momento.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 6

Icarus estava desesperado. Ele e o exército de Getsêny haviam percorrido todo o perímetro traçado para a batalha que tinham previsto atrás dos mytrienses, mas se depararam apenas com o vazio do deserto. Icarus tinha esperança de encontrar Micaili junto ao exército de Nicolas, mas sua esperança foi levada com o vento do ermo, deixando no lugar o desespero de não saber o que aconteceu com sua filha.

O exército de Getsêny estava de volta à cidade. Icarus chegou ao trono do palácio, onde sua esposa aguardava, aflita. Ele olhou para ela com o rosto dilacerado pela dor, e ao ver que Micaili não estava com ele, Nioki caiu de joelhos no chão, o peito se rasgando em choro.
- Ela sumiu na madrugada... pela manhã, não havia nem ao menos rastro dela. Não havia sinal dos mytrienses... nada, Nioki... NADA! - choramingou Icarus.
- Eles a pegaram, Icarus, eles vão matá-la!!! - gritou Nioki.
- Ah, Nioki... nossa... nossa filhinha... - arfou Icarus, caindo de joelhos diante de Nioki.

Rei e rainha lamentavam o destino de Micaili, quando um mensageiro chegou.
- Majestade Icarus, rei de Getsêny. Mensagem do rei de Mytrias, Nicolas! - disse o mensageiro entregando o papel enrolado numa fita com símbolo real de Mytrias.
- Mensagem daquele... maldito! - arfou Icarus, se levantando e pegando o rolinho.

A mensagem dizia:

"Ao estimado rei de Getsêny

Vossa Majestade, rei Icarus. Acredito que de certa forma está atormentado querendo saber o que ocorreu com vossa filha, a princesa de Getsêny, Micaili. Devo tranquilizá-lo em informar que a princesa está em perfeito estado, hospedada de maneira digna em Mytrias, sob os cuidados mais dedicados do reino Mytriense. Queremos propor um acordo com vosso reino. Devolveremos a princesa Micaili em segurança se entrarmos num acordo. O reino de Getsêny tem sido um problema para o reino de Mytrias. Queremos vossa promessa de que não haverá mais guerras entre Mytrias e Getsêny. Queremos um pacto de paz, pois as batalhas entre nossos países tem enfraquecido tanto a nós como a vocês. Juramos que não mais atacaremos Getsêny, e tendes de jurar o mesmo. Como prova do nosso pacto, devolveremos Micaili intacta.


Aguardamos a resposta do rei de Getsêny

Atenciosamente, o rei de Mytrias, Nicolas Afonsus Atarmetics "

- Isso é um absurdo!!! - esbravejou Icarus.
- Oh Zeus, Icarus, o que foi? - se assustou Nioki, entrando em pânico novamente.
- Se acalme, minha rainha, segundo esta carta, Micaili está viva e sendo bem tratada.
- Graças aos deuses! Mas então, essa carta, é do rei Nicolas?
- Exato. Ele é um irônico sarcástico. Acredita que pede um pacto de paz entre Mytrias e Getsêny para devolver Micaili?
- Isso é maravilhoso, Icarus! Paz e nossa filha de volta! É tudo que queremos...
- Mas Nioki, esse cretino tem ultrapassado os limites de Getsêny, provocado batalhas entre nossos povos, e agora vem com esse pedido como se nós atacassemos Mytrias sempre?
- Não importa Icarus, só quero minha Micaili de volta, por favor.
- Tenho medo que isso seja um plano.
- E o que vai fazer?
- Que saída tenho, senão concordar? Mas se Micaili tiver um único arranhão que seja, eu o mato diante do meu trono! Na carta diz que ele a devolveria intacta, não é? Pois bem, vou por minhas condições na carta-resposta!
- Tenha cuidado com as palavras, Icarus...

Icarus pegou o papel amarelado e a grande pena negra e começou a escrever. Enrolou a carta e pôs na mão do mensageiro.

- Diga a Nicolas que quero Micaili no reino de Getsêny até o pôr do sol de amanhã. - ordenou Icarus com sua voz grossa e imperial.

O mensageiro assentiu e correu pelo saguão, deixando o castelo com a carta em mãos. Icarus voltou-se a Nioki, pegando-a nos braços em um abraço triste e preocupado.
- Mytrias é mais forte... se Nicolas quiser, matará Micaili. - sussurrou Nioki em meio a uma lágrima.
- Getsêny cresceu muito, minha rainha. Não somos mais tão inferiores a Mytrias. Nicolas sabe que a essa altura um confronto direto traria muitas perdas aos dois países. E, mesmo vencedor, Nicolas ficaria fraco demais para lidar com seus outros inimigos que anseiam por sua queda. Não Nioki, ele não vai matar Micaili... ele não é idiota o bastante pra isso. Mas temo que ele tenha um trunfo guardado. Temos de nos preparar, porque não sinto cheiro de coisa boa no ar. -murmurou Icarus, com o olhar ainda preocupado.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 5

Nicolas entrou pelo grande saguão bufando em sua fúria. Caliú postou-se atrás dele, paciente e muito sábio como sempre:

- O que é, Caliú? Diga! - exigiu Nicolas.
- Majestade, olhe as coisas com a visão da mente, e não do coração. A raiva está turvando sua inteligência!
- Do que está falando?
- Pretende matar a jovem getsênese?
- De certo... era o plano inicial... matar a estrategista!
- Não, não... veja o trunfo que tem nas mãos. Icarus daria qualquer coisa em troca dela. É sua única filha!
- Ora, Caliú. Até parece que você não conhece aquele velho teimoso. Está querendo trocar a princesa Micaili pela terra do norte?
- E por que não? Ele a daria, com certeza...
- Achei que conhecesse o getsêneses melhor do que eu. O que mais importa para eles é a honra. Se a princesinha impertinente soubesse que queremos trocá-la pela terra do Norte, ela mesma se mataria para não tirar a honra de Getsêny pela fraqueza de trocar sua maior fonte de riqueza por uma vida humana. Não daria certo! E ela ainda receberia uma tremenda consagração por ter se matado pela honra de Getsêny.
- Sim, tem razão. Mesmo assim, a menina é um trunfo. Deve haver como tirar proveito disso. Eles resolvem questões como essas com a morte, não? Tem que haver alguma forma de mantê-la na desonra... mesmo que morresse...
- Do que está falando, Caliú?
- Pense bem Nicolas... existe uma lei entre o getsêneses, que se uma moça perde a virtude, sua virgindade, é uma desonra, sim?
- Sim, mas nem pense em desonrar a princesinha idiota. As getsêneses são estranhas, em caso de violência, ou estupro, elas se honram novamente com a própria morte... em vez de matar o meliante que lhes fez mal. A princesa se mataria, e morreria honrada. Novamente, é uma besteira!
- Mas, se ela compactuasse com o ato, nem a morte a honraria novamente!
- É, tem isso na lei deles. Se ela perde sua virtude antes do casamento por vontade própria, nem a morte a honra novamente. A única forma de honrar-se é casando-se com quem a desonrou. Caso contrário, ela é banida e humilhada.
- Sim, perfeito!
- Espere, perfeito nada... a princesa getsênese nunca concordaria em ir para cama com alguém... está tendo devaneios, velho Caliú!
- Ela não precisa estar consciente disso...
- Caliú... está me deixando confuso!
- É o plano perfeito, majestade. Escute! Mandamos uma mensagem real ao rei Icarus, dizendo que queremos um acordo de paz entre Mytrias e Getsêny, e que devolveremos a princesa Micaili como prova do pacto. Damos a Micaili acomodações como hópede, tratando-a como tal. Ela e o pai caem na conversa, e nós damos a Micaili o pó do sono em seu vinho. Ela acordará pela manhã despida em tua cama. Acusarás a princesa de vos seduzir, por estar tomada pelo vinho. Ela não se lembrará de nada, e acreditará. Não poderá se matar, pois será desonrada da mesma forma. E a levaremos como uma mulher desfrutável perante Icarus, a acusaremos perante todo o povo getsênese. Mas tu, como bom homem, dirá a Icarus que se casa com a princesa pela honra da família real de Getsêny... SE Icarus lhe der em troca a terra do Norte!

Os olhos de Nicolas se estreitaram. De certa forma, Caliú tinha razão. O plano era perfeito. Icarus faria qualquer coisa pela honra, sendo um getsênese legítimo como era. Micaili também concordaria, tudo pela honra. Não havia erros, a não ser por...

- Ei! Epere aí, Caliú! Por que eu tenho que me casar com aquela princesinha? Nunca na minha vida quis uma getsênse! Seria uma desonra pra mim me casar com uma mulher vinda de uma terra inimiga... dê ela a um dos soldados! - reclamou Nicolas.
- Não, não meu senhor! - falou Caliú - Não podemos dar essa tarefa a um dos soldados. Primeiramente, porque não haveria explicação para Micaili beber vinho com um dos subalternos se ela estará hospedada como convidada real. E segundo, porque seria mais difícil convencer Icarus a dá-la em casamento a um dos seus meros e insignificantes soldados, mesmo que por honra. Não estrague o plano rei Nicolas!
- Ah, ótimo! Eu caso com a getsênese, tomo posse da terra do Norte, e aí? Fico com a praga pra sempre presa aos meus pés? Como vou viver com uma getsênese sendo rainha de Mytrias? - reclamou Nicolas novamente.
- O senhor está limitado demais hoje, majestade. Pense bem. Depois que se casar com a princesa e receber a posse da terra do Norte, não tem porque dar explicações a Icarus. Ele não virá a Mytrias visitar a filha, e ela não irá a Getsêny vê-lo. Pode fazer o que quiser com ela. Se não a suportar, mate-a! Ninguém dará por falta dela mesmo.
- Hahahaha! Agora vejo o quanto és frio e calculista meu sábio Caliú. Tem razão. É perfeito. E eu poder matá-la depois, mais perfeito ainda. Você venceu! Vamos dar início ao plano... me caso com Micaili!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 4

Um raio de sol bateu no rosto de Micaili. Isso a fez despertar. Com a visão embaçada, Micaili tentou se mecher, mas uma dor dolorida passou por todo seu dorso. Foi quando viu que não estava em sua tenda no acampamento getsênese.

Suas pequenas mãos estavam atadas para cima, sustentando seu corpo magro em posição vertical. Já devia fazer um bom tempo que ela estava pendurada daquela forma, o que explicaria a dor nas costas. Olhou atordoada em volta, a visão ainda embaçada e na testa uma mancha se sangue seco, que havia saído do ferimento no alto de sua cabeça, feito pela pancada dada na noite anterior para deixá-la inconsciente.

Quando distinguiu as formas diante de si, os soldados vestindo seus uniformes negros, guardando a entrada do grande calabouço escuro onde se encontrava, percebeu que estava em território inimigo. Como havia parado alí? O que estava acontecendo?

Uma figura alto, dos cabelos dourados, com a roupa negra detalhada em ouro, entrou pela abertura na tenda. Fitava Micaili com olhos surpresos, mas um grande sorriso ofuscava qualquer expressão em seu rosto. Micaili se encolheu tanto quanto podia, amarrada daquela forma, dando um passo para trás, as sombrancelhas unidas numa mistura de frustração e ódio:
- Inacreditável! Uma mulher? - falou a figura alta bem adornada.
- Nicolas! - cuspiu Micaili, ao reconhecer os traços do rei de Mytrias.
- Isso é fantástico! Ela me conhece... bom dia, princesa de Getsêny! - disse Nicolas, fazendo uma reverência cheia de ironia.
- O que quer comigo? - falou Micaili, ainda em sua posição de raiva.
- Meu objetivo aqui hoje era ter comigo o estrategista de Getsêny... alguns diziam que era um deus, outros que era um demônio... mas eu nunca acreditei nessas fantasias, sabe. Mas também não esperava que fosse uma... uma... uma mulher!
- Não importa! Logo os exércitos de Getsêny estarão aqui! Vão me salvar!
- Ah sim! Sua estratégia de emboscada, não é? Tobias, meu soldado de confiança, se infiltrou em seu exército e me contou da estratégia. Foi ele quem descobriu que você era a estrategista, sabia? Hahahaha, enfim... era tudo uma estratégia MINHA! Sim, princesinha, eu forjei esse ataque repentino para atrair Icarus para o ermo. Saberíamos onde seu exército acamparia, pois Tobias nos deixou bem informados. O mais interessante é que seu pai é muito confiante. Não deixou guardas vigiando na noite, pois achou que não sabíamos onde vocês estavam. Foi fácil raptar você, enquanto meu exército partia em retirada do nosso acampamento no ermo na madrugada. Não estamos mais no ermo, minha querida. Você está nos limites do reino de Mytrias!
- No... reino... de Mytrias?
- Sim! E papai não vai passar os limites para te salvar...
- Pode me matar, Nicolas! Eu não me importo! Era o que queria, não era? Acabar com o estrategista de Getsêny? Seja um covarde então, mate-me! Ainda assim Getsêny não cairá aos seus pés, e a região do Norte nunca será sua!

Um estalo ardido calou os gritos de Micaili. Nicolas lhe dera um tapa na face, com força. Micaili só não caiu por ainda estar amarrada e pendurada.

- Você é patética, princesa Micaili. Não acredito que tantas estratégias inteligentes que me tiraram o sono saíram dessa cabecinha - disse Nicolas, segurando o rosto de Micaili perto do seu - Olhe pra você... apertada nessa roupa de soldado... cor de couro... aposto que Icarus adoraria que fosses um filho homem. Mas não! É uma mulherzinha frágil e indefesa, que eu poderia matar facilmente apenas apertando um pouco mais minhas mãos em seu pescocinho de porcelana...
- Uma mulherzinha frágil e indefesa que há anos vem derrotando seu grande exército cheio de homens vigorosos... quem é o patético aqui, rei Nicolas? - murmurou Micaili, presunçosamente.
- Já chega! - falou Nicolas, tomado pelo ódio, empunhando a adaga - Vou matar você agora mesmo... melhor! Vou cortar a sua língua!
- Majestade! Por favor... seja... - interviu Caliú, um dos sábios de Nicolas
- O que é Caliú?
- Tenho algo urgente para lhe falar...
- Qualquer coisa pode esperar. Não vê que estou mandando uma garotinha impertinente pro inferno?
- Senhor, é algo de seu interesse! Escute-me, por favor!
- Está bem! - disse Nicolas, largando Micaili - Eu volto, e quando voltar, vou mandar fazer sua lápide!

Nicolas e Caliú saíram do calabouço.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A Estrategista - Parte 3

O sol rasgava o horizontes e já iluminava o grande exército de Icarus que marchava em direção à região montanhosa, onde ficariam acampados para a emboscada contra o exército de Nicolas. A cavalaria altamente equipada trazia na frente Icarus e sua filha, Micaili:

- Estou ansiosa para ver a cara de Nicolas quando se deparar com o exército! - falou Micaili, com um sorriso no rosto.
- Calma, muita calma, minha filha. Nosso foco, dessa vez, é dar uma boa lição em Nicolas. Se for possível capiturá-lo, vamos libertá-lo com o acordo de que não mais nos tentará tirar a paz.
- Pai, eu não gosto dessa idéia de libertar Nicolas. Ele não vai cumprir acordo algum! Ele quer Getsêny e só vai parar se for morto!
- Você é muito dramática Micaili. Nicolas não quer especificamente Getsêny...
- Não?
- Não... ele quer na verdade a grande região que fica ao Norte. É uma das nossas fontes de riquezas. É dispensável, caso haja algum problema, mas nos dá muito lucro. Boa terra, muitos rios e muitas plantações. Dado ao caminho que ela traça nos mapas, se liga ao deserto que está no território de Nicolas. O avô de Nicolas guerreou por essa terra com meu pai. Nós vencemos, logicamente. Mas pelo mapa, bem que poderia pertencer ao reino de Mytrias. É essa terra que Nicolas quer, e não daremos a ele! Porque temos esse trunfo... minha Micaili, uma gênia!
- Hahahaha. Essa é nova pra mim... enfim, ele não vai ter a região do Norte nunca!
- Assim que se fala! Mas tenho certeza de que Nicolas também tem surpresas para nós. Temos de estar preparados para o que vier...
- Com certeja majestade - falou Armandis, se aproximando com seu cavalo à frente do exército - mas com o plano da bela Micaili, Nicolas não terá nem chance de se recuperar da surpresa e usar seus trunfos!
- Obrigada pela bajulação, Armandis, mas meu pai tem razão. Quando se trata do rei de Mytrias nunca é o bastante apenas tomar cuidado. Esse ataque repentino dele... ainda me deixa intrigada...
- Como disse minha filha... a região do Norte. Não me surpreenderia se um dia ele quisesse fazer um acordo por ela...
- Mas nenhum acordo o faria entregar a região Norte, não é pai?
- Nunca diga nunca, já ouviu isso? Pois bem, nada é impossível. A vida é uma caixinha de surpresas.

Icarus era um senhor sábio. Nunca apostava alto demais, nem mesmo na capacidade estratégica de sua filha, Micaili. Sua sabedoria também era grande responsável pela paz e riqueza de Getsêny.

A noite afluía sobre o céu, consumindo os últimos raios de sol do fim de tarde. Entre os extremos das rochas, o exército de Getsêny montava acampamento. Pela manhanzinha, desceriam a grande curva para o ermo próximo onde estavam apostos o exército de Mytrias, pegando-os de surpresa numa emboscada que parecia trazer uma vitória sem dúvidas. Mas as sombras da noite traziam outra realidade.

Deviam ser umas três da manhã. As sombras se rastejavam por entre as barracas cinzas, procurando entre elas uma última sombra. A luz da lua refletia no chão o que pareciam ser cinco homens, com espadas e movimentos rasteiros, onde a única ordem era o silêncio. Diante de uma tenda, as cinco sombras se depararam diante de uma sexta, que já aguardava sua chegada:
- Vocês demoraram! Estou aqui desde à 1 e meia da madrugada... - sussurrou a sombra que aguardava.
- Shhhhhhh!!! Chegamos até aqui, e vai ficar dando chilique agora? - sussurrou uma das cinco sombras.
- Tudo bem, tudo bem. Vocês me tratam como se eu fosse insignificante, mas fiz o trabalho mais importante dessa missão! Me infiltrar no exército de Getsêny não foi fácil, tá bem! Ficaram olhando pra mim, acho que alguns desconfiaram... sem contar esse uniforme amarronzado de soldado getsênese... é horrível... olha como estou parecendo ralé... espero que tenham trazido meu uniforme negro de soldado mytríaco!
- Cale a boca! Quem se importa com vestimentas quando estamos prestes a por a mão no tal estrategista... e então, descobriu quem é esse semi-deus da inteligência?
- Vocês não vão acreditar!!!
- Fale logo!
- Tá bem! É a princesa Micaili, filha de Icarus!
- Ótimo, acabaram as brincadeiras! Não estamos com senso de humor hoje, Tobias! Será que é porque estamos na calada da noite no meio de mais de mil soldados inimigos? - disse rispidamente uma das cinco sombras.
- Eu não estou brincando! Querem tirar a prova? Vejam, a segunda tenda avermelhada com o selo real... a maior é a de Icarus, o rei, mas a menor é de sua filha. Por que, afinal, Icarus traria sua filhinha única para uma batalha? É ela, ela é o gênio... não é semi-deus, é uma mulher!
- Uma... mulher... ? Nicolas vai arrancar a cabeça dela... Anda! Vamos pegá-la!

As seis sombras entraram sorrateiramente na segunda tenda avermelhada com um selo dourado em sua entrada. Em alguns sussuros e gemidos, num estalo, sete figuras saíram do meio do acampamento getsênese: seis soldados carregando um corpo de estatura pequena.