terça-feira, 19 de julho de 2011

O Epílogo - Capítulo 4: A Fita

- Para o direito penal norte-americano, o crime é a violação ou negligência de obrigação legal, de tal importância pública que o direito, costumeiro ou estatutário, toma conhecimento e implementa punição . A maioria dos crimes é de competência estadual . São crimes federais os que dizem respeito à propriedade do governo central, ou que se dão em âmbito de diferentes estados, ou que evoquem problemas nacionais, como o combate ao narcotráfico, por exemplo... - explicava Mabel, com tamanha autoridade que o silêncio na sala era quase tangível.

A voz dela era suave, nem alta, nem baixa. O tom perfeito. Meio doce, mas misterioso. Sua dicção impecável revelava sua classe e anos de estudo dedicado por trás dos traços lisos e esguios de seu rosto sedutor. O direito penal bailava em seus lábios grossos como um perfeito passo de dança muito bem treinado. Mas confesso que pesquei entre seu comportamento natural de professora um indício de atomaticidade. Não era ela alí por inteiro. Não que profissionais em seu ambiente de trabalho devessem demonstrar sua personalidade de forma indecentemente expositiva. Mas Mabel era disfarçada demais. Perfeita demais. Tinha autoridade demais. Nesse instante, fiquei curiosa para vê-la atuar em um tribunal.

Mabel finalizou a aula, e confesso que tive que piscar 3 vezes para sair da posição que me encontrava desde que esta mulher tinha começado a falar. Arrumei meu caderno dentro da pequena bolsa de couro. Suspirei. Sabia que logo precisaria de uma mochila de verdade, já que previa comprar trocentos livros. Caminhei vagamente para a porta da sala, fitando disfarçadamente Mabel, que conversava com uma aluna muito silenciosamente. A aluna possuía uma fita negra em volta do pescoço, fina, mas não pouco chamativa. Seus olhos eram escuros, e ela parecia um teatro em pessoa, como se escondesse algo dentro de si assim como Mabel. Foi nesse momento que percebi a presença colorida ao meu lado. Ember...

- Hey novata! Que aula você tem agora? - riu ela.
- Ahn... Introdução ao Direito Civil. Sala dezessete. - respondi, meio incomodada com o jeito intruso dela.
- Outch! É uma pena. Eu já fiz essa matéria. Não vou poder te acompanhar. Mas gostei de você. Aposto que sua terceira aula, após o almoço, é Sociologia. - sorriu ela, inquisitiva.
- Sim, como sabe? - dei um passo para trás.
- Eu já fiz seu horário, meu bem. Não sou uma caloura não. Mas Direito Penal não é fácil ser aprovado não. Com Mabel, ou você sabe, ou você vai tomar no seu...
- Ember, eu preciso ir... - cortei ela.
- Tudo bem. Até a aula de sociologia. - sorriu ela novamente.

Parei por um minuto, e voltei a ela:
- Ember - cochichei - quem é aquela garota estranho conversando com a professora?
- Louise? É estranha mesmo. Assim como a maioria das garotas que tiram 10 com Mabel. - já tagarelou ela.
- Dez?
- É... as melhores da sala usam essa fitinha preta idiota no pescoço. O engraçado é que são sempre mulheres. Nunca vi um rapaz ganhar essa fita. Elas também nunca deixam de acompanhar Mabel no tribunal. Viram discipulas. É hilário. Mas que se dane. Não quero uma fita idiota! - resmungou Ember, meio ressentida.
- Você não tira dez? - eu ri.
- É, você vai ver como é. Ri agora, bonitinha. - ela ficou meio infeliz.
- Okay Ember. Também gostei de você. Até a aula de Sociologia. - dei dois tapinhas nas costas dela.

Isso fez seu sorriso voltar ao rosto. Ela talvez só quisesse uma amiga. E eu estava precisando de uma que não fosse caloura e pudesse me dar uma luz com respeito a tanta novidade. Talvez Ember fosse útil. Sorri para mim mesma, olhando de relance uma última vez para Mabel, e saí da sala.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O Epílogo - Capítulo 3: A Sombra

Eu podia jurar que seria diferente. Queria que fosse diferente, então por quer raios estava tudo igual? Eu queria ver carros lindos, pessoas esculturais, bebidas e convites de festas por toda a parte. No entanto, já fazia mais de 24 horas que eu estava nesse campus e além de minha companheira doente de quarto, todos eram monotonamente iguais. Jeans opacos e livros, pessoas que nem se entreolhavam. Chão... era o máximo que eu podia sentir.

É claro que havia um papel ou outro colorido chamativo em algum canto perdido, mas não eram o foco. O marrom doente dos livros nas mãos das pessoas era muito mais chamativo, embora não houvesse cor alguma. Acho que isso se dava pelo fato de que os livros eram muito mais importantes que qualquer festa alí. Revirei os olhos. Ótimo! Eu havia escolhido o curso mais patético do universo. Resperei fundo - e me senti dez anos mais velha - e tomei coragem para me dirigir a minha sala.

Se eu havia achado a cor do enorme pátio lá fora patético, era porque eu não havia colocado meus olhos sobre os componentes de minha sala. Pessoas cinzas por toda parte. Óculos no rosto da maioria, cabelos presos, roupas de pouco cor, mal escolhidas para uma manhã de sol. Ninguém olhou para mim quando entrei, o que eu estranhei, pois me sentia uma luz de neon com minha sexy blusa azul e minha calça branca leve. Sentei na cadeira ao fundo, que rangeu. Mesmo assim, ninguém pareceu perceber minha existencia. Bufei. Por que não fiz algo na àrea de exatas? Devia ser mais divertido. Pelo menos as pessoas tinham que tirar os olhos dos livros para mexer na calculadora, não é mesmo?

Foi quando ela entrou na sala. Tudo mudou. O calor do sol fraco lá fora parecia ter deixado de existir. O silêncio dominado pelo som intenso de seu salto agulha. Os olhos que devoravam os livros sobre as mesas eram só dela naquele momento. A sala era de um breu inacreditável, mas eu ainda podia ver. Ainda era dia, ainda havia luz. Mas algo em mim dizia que estava escuro. Era ela. Uma alma negra que havia dominado o clima com sua presença.

Ela era linda, claro, e eu sabia admitir quando via uma mulher bonita. Quando pousou a bolsa clara sobre a mesa de madeira à frente da sala, percebi que se tratava de nossa professora. Seu rosto era quadrado, mas delicado. Os labios inacreditavelmente perfeitos e carnudos. Os olhos azuis quase cinza combinavam com os cabelos castanhos claros que pendiam no coque bem penteado. A pele era lisa, mas madura. Ela devia ter mais de trinta anos. E isso acrescentava mais ao seu charme misterioso. Mas havia algo na forma como ela se movia. Era lentamente intelectual mas ligeiramente sombrio. Aquela mulher era um ser profundo que eu não conseguia ler, e isso me deixou completamente curiosa sobre ela. Foi quando sussurrei:

-Mas... quem é você?
- Mabel Dowtchervick, a promotora de justiça mais sanguinária dos EUA. - respondeu uma voz suave e doce ao meu lado.
- Desculpe... - sussurrei de volta.
- Nunca ouviu falar de Dowtchervick?
- Ah... o sobrenome me é familiar, mas...
- Ela é uma lenda. Nunca perdeu um caso no tribunal. Eu não sei se todos os réus que ela colocou atrás das grades realmente eram culpados, mas sabe como é. Ela é boa e convincente, é só o que importa. Cometeu um crime? Reze pra não cair nas mãos dela. - explicou a garota ruiva desleixada.
- Uau. Eu sou Kris, prazer. - sorri.
- E eu sou Ember, o prazer é meu. Seja bem vinda a aula de Direito Penal. - sorriu ela de volta.
- Legal, pelo menos vamos começar com uma disciplina emocionante. - vibrei.
- Você não faz ideia. - suspirou ela, os olhos distantes.

Voltei meu olhar para Mabel, que tirava um livro negro da bolsa clara. O Código Penal. De repente me senti tão entusiasmada pela voz dela, que me apoiei sobre a mesa. Nesse instante Mabel olhou direto nos meus olhos e sorriu. Foi tão consciente que minha espinha congelou. O sorriso dela não era simpático. Parecia inquisitivo. Com muito esforço pisquei três vezes, e fingi procurar algo em minha bolsa. Mas o gelo na espinha continuava a me incomodar. Sabia... sentia... ela ainda olhava para mim.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O Epílogo - Capítulo 2: Aparência

Era um universo particular. Com certeza, quem vivia naquele maravilhoso campus estava pouco ligando para qualquer coisa ou pessoa fora dele. É lógico que fiquei deslumbrada. Mas o fato de eu estar deslumbrada não anulava meu torpor inicial em relação a novidade. Eu podia admirar aquilo, mas ainda não conseguia me expressar.

Meu pai deixou minhas malas na porta do novo quarto. Assim que as soltou, dei-lhe um beijo e me despedi. Ele arregalou os olhos:

- Já está me mandando embora, Kris?
- Ah... ah não papai. É que... achei que o senhor já quisesse...
- Eu não quero nada. Anda, bata na porta. Quero conhecer sua colega de quarto. - reclamou ele.
- Tudo bem.

Dei dois socos leves na porta escura de madeira, e uma figura peculiar saiu de dentro do quarto, que parecia muito pequeno e simplório. Ela era menor que eu, tinha cabelo curto, meio encaracolado, e era muito magra. Cheirava a ervas, assim como o ar que se esvaía do ambiente onde ela estivera. Olhei de relance para meu pai, e seu rosto de reprovação foi imediato. Revirei os olhos.

- Oi! Você deve ser Kris. Desculpe, o quarto está uma bagunça, achei que você só chegava amanha, dia doze. - riu ela, numa voz molenga e meio baixa.
- Ahn... hoje é dia doze. - eu respondi.
- Oh, desculpe-me. Jura? Bom, eu tenho uma péssima noção de tempo. Outch! Meu nome é Annielle, prazer! - ela estendeu a mão pálida meio desajeitada.

Estiquei meu braço de má vontade, e apertei suavemente sua mão pequena, fria demais na minha. Senti o impulso inevitável de limpar a mão na minha blusa, mas felizmente meus pais tinham me dado educação. Ótimo, moraria pelos próximos cinco anos com uma garota estranha a beça. Meu humor neutro pendeu rapidamente para a irritabilidade. Agora daria patadas em qualquer um que falasse comigo.

Meu pai também cumprimentou a moça, mas olhou apelativo para mim, como se quisesse me tirar dalí e me levar de volta para casa. Franzi as sobrancelhas para ele. Já tinha passado da hora dele ir embora. De repente, percebi que só o veria novamente depois do fim do semestre. Nessa hora, o mau humor passou, e a compaixão bateu nos meus braços, que se esticaram, envolvendo o pescoço grosso de meu pai. Ele retribuiu ternamente o abraço, e sussurrou em meu ouvido:

- Por favor, não se deixe influenciar por essa gente. Confiamos em você. - o plural na voz dele que refletia a confiança de minha família toda colocava mais peso no alerta.
- Eu também confio em mim. - sussurrei de volta, confiante.

Enquanto meu pai de afastava contristado, peguei minha mala e entrei no quarto. Anielle fechou a porta atrás de mim:
- Hey Kris, gosta de chá? - perguntou a loira magrela.
- Oi? - me surpreendi.
- Chá... de ervas verdes. Estava preparando antes de você chegar. Tem erva sidreira, até limão. É uma receita que minha avó fazia. Adoro chá. É que eu to gripada também. Sabe como é. Mudanças de clima acabam com minha saúde. Olha como eu to pálida. Enfim, um chazinho alegra meu dia. Tá servida? - tagarelou ela.

O cheiro de ervas vinha da pequena chaleira que assoviava. Sorri para Anielle menos apática agora. E o cheiro do chá estava ótimo.

- Eu vou aceitar uma xícara, obrigada. - falei por fim.