sexta-feira, 7 de março de 2014

O Epílogo - Capítulo 14: O Lado Negro

O sol feriu meus olhos através das pálpebras. Levantei meu dorso subitamente, tentando por em ordem meus pensamentos. Em poucos segundos, a lembrança da noite passa vinha à tona, misturada com uma dor de cabeça horrível e um enjoo persistente. Eu estava na cama de Lerry, no quarto de Lerry, na casa de Lerry... e ao meu lado lá estava ele. As costas definidas e nuas perfeitas à luz do sol, uma respiração profunda acompanhando seu sono de bruços. Hesitei em acordá-lo, mas o relógio na cômoda ao lado da cama mostrava que já eram 10:20 da manhã. Lerry deveria estar na faculdade há 2 horas dando aula de Direito Civil para a minha turma. E eu deveria estar lá também.

Toquei levemente seu ombro másculo, e ele levantou num surto:
- Kris? Meu Deus, que horas são? - ofegou ele.
- Meio tarde. - quase sussurrei.
- Dez e 20, essa não, perdi a aula da manhã! Droga! Vou ouvir poucas e boas da coordenadora do curso...
- Calma Lerry, acontece, você justifica a falta dep... - tentei acalmá-lo.
- E vou justificar como? Desculpe coordenadora, eu fui a uma festa universitária ontem e acabei transando com uma aluna, e perdi hora! - ele estava um pouco descontrolado.
- Uma aluna? Tipo uma aluna qualquer? - o cortei, um pouco magoada.
- Ah Kris, me desculpe. Eu... é... isso... bom, isso não deveria ter acontecido. Eu e você temos uma relação de professor e aluna, e eu posso ter que responder por isso se souberem que tivemos algo. - Lerry tentou explicar.
- Vai pro inferno. - levantei, minha cabeça latejando.

Saí do quarto pegando minhas roupas, e quando atingi o corredor Lerry veio atrás de mim:
 - Kris, por favor, não é que não tenha significado nada. Mas eu perdi meu controle e o que nós fizemos não é certo...
- Cala a boca, você só está piorando as coisas. - resmunguei, parando na sala para me vestir.
- Eu sinto muito, só que...
- Olha Lerry, estou indo embora e vou fazer de conta que nada aconteceu ok? Eu nunca estive aqui. - falei, enquanto fechava meu corpete.
- Puxa, eu... droga... - ele estava sem palavras.

Quanto terminei de me vestir, me dirigi à porta da frente, mas ele me parou:
- Eu levo você.
- Não, obrigada. Você não pode ser visto comigo numa hora tão comprometedora num dia em que faltou da aula. Vou pegar um ônibus. - eu estava com muita raiva.

Saí do apartamento de Lerry e demorei uns 5 minutos para me localizar. Depois de andar duas quadras, encontrei um ponto de ônibus, e me sentei. Um carro conversível passou na rua com dois babacas que, é claro, me cantaram:
- E aí gostosa! Delícia, dá uma sentada aqui!!!
- Vai tirar a mãe do puteiro. - gritei, exausta de tanta raiva e ressaca.
- Vagabunda! - gritaram de volta, típico xingamento masculino após um toco.

Depois do conversível, vi o carro de Lerry passando pela rua, e dentro do carro ele estava de camisa social e gravata, imerso demais nos próprios pensamentos para reparar que eu estava no ponto, provavelmente procurando uma desculpa pelo atrasa e pela perda da aula dessa manhã. Passou por mim sem me ver.

Cheguei no alojamento exausta, e com o estômago péssimo. Arranquei a roupa de festa e fui direto pro chuveiro. Enquanto tomava banho, era inevitável não pensar na noite de ontem. Embora estivesse alta de tanto beber, me lembrava perfeitamente do cheiro de Lerry, dos braços fortes dele me apertando contra seu corpo, da voz grossa no meu ouvido, e dos beijos entorpecentes que ele havia me dado. Mas ele era um babaca. Comeu e jogou fora. Pior, se arrependeu. 'Comi uma aluna, ai meu Deus, vou ser demitido'. Uma aluna, uma aluna qualquer. Talvez tenha sido por isso que ele tenha ido na festa ontem. Pra pegar uma aluninha e se divertir. E é claro que a idiota da Kris tinha que cair nessa.

Quando finalmente cheguei na faculdade eram 14:00 da tarde. Estava na hora da aula de Mabel, e eu fiquei com medo de não aproveitar por causa da ressaca que ainda lançava vestígios de dor de cabeça e enjoo. Entrei na sala de aula e me sentei no fundo, e percebi que Ember não estava ali.

A aula correu tranquila, e Mabel como sempre espetacular. Quando a aula acabou, os alunos foram saindo da sala aos poucos, e minha cabeça parecia doer ainda mais. Pousei a cabeça sobre as mãos, esperando uma melhora antes de me levantar, o que chamou a atenção de Mabel.

- Bebeu demais ontem? - Mabel se aproximou de mim, a sala já vazia.
- Um pouco, mas já tive ressacas piores. - respondi, me recompondo e me levantando.
- Que bom, espero que esteja estudando pra prova substitutiva da semana que vem. - ela disse, se aproximando um pouco mais.
- Ainda não comecei, tirei zero ontem. - estranhei.
- Assim como nunca é tarde, nunca é cedo pra começar. Você parece desanimada... talvez precise de algo para se motivar. - disse Mabel, próxima demais de mim.
- Zero costuma ser... desanimador. - respondi, meu coração acelerando pela proximidade dos olhos azuis gelados e hipnotizantes dela.

O perfume de Mabel golpeou minhas narinas me deixando sem fala. Seus olhos me prenderam, e eu não conseguia desviar deles. De repente, eu estava zonza e em transe. Foi quando senti a mão fria de Mabel pousar em minha nuca, puxando meu rosto para o dela. Nesse momento, me perdi completamente. Não conseguia achar meus próprios pés, só conseguia sentir a boca dela na minha. O lábios frios, mas a língua latejante em minha boca, buscando despertar em mim uma fera perdida. Uma chama tomou conta do meu peito, e minhas mãos se moveram sem meu consentimento para o rosto de Mabel. E eu a beijei de volta com um desejo ardente. Então ela me soltou.

Cambaleei sem saber exatamente o que tinha acontecido, o gosto doce e frio de Mabel dominando minha boca. Ela sorriu para mim, e saiu da sala.

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