segunda-feira, 27 de julho de 2009

Os Ladrões de Vidas - Parte 7

A febre não cedia. Seu corpo estava em chamas, e nada podia fazer. Ela gemia, e agarrava com força os lençóis. Afastava de si as roupas, mas o calor era tão intenso que nada o abrandava. Queria correr, sair daquela cama. Podia ouvir, apesar das vertigens, a chuva lá fora, fria e úmida. Se ela conseguisse se arrastar até a porta, se conseguisse ao menos ir até a janela pra sentir um pouco da brisa daquela tarde de inverno. Mas seu corpo estava fritando e as vertigens não a deixavam nem ao menos pensar. De repente, um estalo na porta ao ranger da maçaneta...

-Bom dia Alison! - disse Madison ao abrir a porta.
Num susto, Alison levantou o corpo da cama. Seus olhos vermelhos aguçados, e sua pele acizentada ainda mais pálida do que o normal. Madison percebeu os pequenos rasgos nos lençóis, que traziam claramente a alusão de terem sido arranhados por mãos humanas.

-Então a fome já a está dominando não é?
-Do que está falando? - retrucou Alison, ofegante.
-Já começou a ter pesadelos sentindo seu corpo queimar, uma fome incompreensível e uma vontade de correr pra fora, não é?
-O que isso quer dizer?
-Não é simples minha cara... seus instintos estão dominando você. Se eu fosse um apetitoso humano, você teria me atacado nesse momento sem ao menos pensar. Tome, beba isto... não é o que seu corpo quer, mas vai ajudá-la a se acalmar.

Madison entregou a Alison um frasco com lítio, e num intenso impulso, Alison o bebeu com sede acreditando que aquele gole a aliviaria daquele necessidade de roubar a vida de alguém. Mas o máximo que o pequeno frasco fez foi deixa-la mais avidamente forte e com os sentidos mais aguçados, com mais tato pra caçar. Jogou o frasco no chão e se jogou contra a parede:

-Não... isso não é possível... é um inferno!!! - exclamou chorosamente desesperada com o rosto contra a parece.
-Alison, sinto muito. Juro que por mim, Harrison nunca a teria transformado nisso. Mas agora você é o que é, e é doloroso demais conseguir morrer. Essa sua vontade de caçar vai aumentar cada vez mais, a cada dia. Você não vai suportar... vai enlouquecer...
-Madison... saia daqui... me deixe...

Contristado, Madison se dirigiu a porta, mas antes de sair disse:
-Estamos indo ao campo procurar mais lítio para fazer o nosso precioso líquido. Não saia, fique no quarto. Feche os olhos e descanse, essa vontade não vai passar, mas vai acalmar um pouco.

Alison postou-se na cama e fechou os olhos. Mas sua alma ainda estava atormenta pelo desejo maligno. Seus sentidos estavam tão aguçados, que ela pode ouvir os passos no velho casarão saindo pela porta do saguão. Sim, todos os seres haviam saído da casa. E pela primeira vez desde que havia se tornado esse monstro, Alison sentiu paz por estar só. E a fome intensa cedia espaço para o sono.

Foi então que sentiu uma mão quente descendo pelo seu rosto cinza. Abriu os olhos num pulo, e quando deu por si, estava em posição de ataque segurando com força o punho de alguém. Antonny olhava com sarcasmo para a perigosa garota dos olhos vermelhos:

-O que está fazendo aqui seu maluco?
-Vim ver-te mau agradecida... pode soltar minha mão?
-Desculpe, mas esse é meu instinto agindo. Se não fosse tão equilibrada, você podia estar morto agora. - Resmungou Alison, soltando o pulso de Antonny, e se sentando à sua frente.
-Não me mataria pequena Alison... eu sei...

Entre olhares facilmente decifráveis, Alison e Antonny ficaram desconcertados com a situação. Era incrível como o coração de Alison batia inocentemente forte quando Antonny estava presente, e o mesmo se dava com o coração do rapaz que fazia o sangue arder na pele ao correr pelas veias. O estranho era imaginar se podiam ambos chamar isso de amor. Afinal, Alison era uma predadora perigosa, e Antonny um humano, embora alvo, jovem e forte, se tornava frágil e mortal perto da sobrenaturalidade da mutante à sua frente. Mas para Antonny, Alison não era um ser abominante. Era uma moça com sérios problemas, e que pela sua estatura mediana aparentava ser um ser frágil, e atá mesmo sua pela acizentada lhe dava o aspecto de delicadeza. Alison era um demônio com traços de anjo. Como podia ele se sentir em perigo perto de um ser que lhe despertava ternura? Talvez pela unicidade de Alison, Antonny tivesse realmente caído de amores pela perigosa menina.

-Alison - disse enfim o rapaz- falei com seu pai. Ele já deu por tua falta, e clama de tristeza pela lenda dos ladrões de vidas. Diz que tem a vida amaldiçoada, porque perdeu a filha e a esposa da mesma forma. O rei... meu pai... tirou o seu pai do cargo e lhe mandou ficar em casa. Ele não tinha mais condições de guiar o exército real deprimido como estava. Ontem à tarde foi encontrado morto. Tomou um frasco de veneno e dormiu para sempre.

Alison derramou-se em lágrimas ajoelhando-se no chão. Pobre de seu pai.
-Tenho que ver meu pai...
-Já foi enterrado - cortou Antonny, ajoelhando-se ao lado de Alison abraçando-a com ternura
-O enterraram sem mim?
-Você está desaparecida e dada como morta já.
-Não há salvação para mim.
-Estive esse tempo todo com meus sábios, magos e cientistas. Estamos estudando essa mutação em segredo. Acharemos uma cura para você Alison...
-Não sonhe Antonny... não há salvação para mim...
-Mesmo que não haja, não vou abandonar você aqui. Vamos tirar você daqui e te levar pro meu reino. Vai ficar comigo lá, vou te protejer de tudo e todos...

Nesse instante, a porta do saguão rangeu. Os Ladrões de Vidas haviam voltado. Antonny correu para janela, enquanto Alison o encorajava a ir embora apressadamente. Mas antes de descer pela sacada, ele a puxou ternamente e beijou seus lábios:
-Amo você... sua baixinha esquista... - e as últimas palavras cortaram o clima e o choque de Alison, e ela o empurrou e fechou a janela na sua frente.

Antonny riu e foi embora. Os ladrões de vidas estava lá embaixo, conversando sem ao menos se importar em ver se Alison ainda permanecia no quarto. Ela voltou a se deitar e percebeu que a fome que a queimava por dentro havia abrandado quase por completo. Talvez Antonny fosse a sua cura.

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