quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A Última Traição - Parte 28

Duas semanas haviam se passado desde que o rapaz magro em trapos trouxera a carta com a notícia do desaparecimento de Simon. Lira usava o vestido negro e andava como sombra pelo castelo, com o rosto apagado e os olhos obscuros como o vestido de luto.

Irian vivia atrás de Lira tentando tirá-la da tristeza. Afinal, se ela morresse de melancolia, não seria rainha nunca, e ele não teria absoluto controle sobre os reinos Sul/Norte através dela:
- Lira, minha princesa. Você fez o que era certo. Falta tão pouco para cumprir a promessa à sua mãe. Por favor, volte a comer... - implorava Irian.
- Me deixe Irian. Ao menos me permite desfrutar meu luto por ter assassinado o homem que amo! - falou Lira, em sua voz apagada.
- Lira, Lira... precisamos formular a conclusão do pla...
- Não me venha falar da morte de meu pai! Acabo de matar meu marido... será que minha alma condenada ao inferno merece um pouco de tempo antes de se condenar ainda mais? - interrompeu Lira, rispidamente.
- Claro, princesa... tenha seu tempo... - falou Irian, amargamente se afastando.

Lira desceu a escadaria como um fantasma. Passou pelo saguão principal e chegou à entrada do castelo. O sol estava fraco, lutando contra as nuvens cinzas que traziam consigo um vento frio em plena primavera. Lira fechou os olhos e permitiu que o vento congelante golpeasse seu rosto sem vida. De repente uma altercação incomum a tirou do momento vazio. Dois soldados se altercavam com um homem robusto, cor de madeira e com o rosto pintado.

Lira desceu a escadaria até o jardim, andando imperiosamente até os homens:
- O que está havendo aqui? - perguntou Lira.
- Alteza, esse índio imundo invadiu o castelo dizendo que tem uma mensagem urgente para a princesa. - respondeu um dos soldados.
- Mensagem para mim? E por que não o deixaram entregá-la?
- Alteza, ele é um índio. Não são confiáveis. Ele não quis nos entregar a mensagem para que levássemos até vossa alteza. Ele disse que tinha ordens de entregar somente em suas mãos. Ficamos receosos de que ele quisesse machucá-la, princesa Lira.
- Segurem ele! - disse Lira se aproximando, e olhando para o índio. - Qual é seu nome?
- Gwynt Droed! Em vossa língua significa "pé de vento". - respondeu o índio.
- Claro... é difícil dizer seu nome. Pois bem, Pé de Vento... quem me mandou a carta?
- Um homem branco. Olhos cor do céu. Ele se diz príncipe, e falou que a princesa Lira é esposa dele.
- Oh meu Deus! - gritou Lira, correndo em direção ao índio - Soltem-no, é uma ordem! Pé de Vento, não é? Por favor, me dê a carta.
- É a princesa?
- Sim, sou eu! - disse Lira, agitada, com lágrimas nos olhos.
- Aqui está alteza. - disse Gwynt Droed, dando a carta a Lira.

A carta dizia:

"Meu anjo.

Há uma conspiração no exército. Dois soldados com a armadura real tentaram me matar. Fui gravemente ferido, mas consegui matá-los. Os índios da extremidade do Leste me encontraram, e me salvaram da morte. Devo a eles minha vida.

Temo que seu pai esteja envolvido nessa conspiração. Preciso que você venha me buscar na tribo indígena com um pequeno exército, pois o caminho é perigoso. Mas venha em paz, pois temos uma dívida com os indígenas pela hospitalidade que me prestaram. Não conte nada a seu pai, parta sem lhe dizer que estou vivo. Quando voltarmos, sei o que fazer. Amo você, e não deixei de cumprir minha promessa. Eu disse que ia ficar vivo, e estou vivo!

Simon Castella."

Os olhos de Lira ganharam um brilho sem comparação. Seu rosto se iluminou de uma forma que contagiava. Inesperadamente, Lira abraçou o índio "Pé de Vento" clamando um "obrigada" abafado pelo choro de felicidade. "Pé de Vento" olhava para a princesa assustado pela reação dela, que para ele não era comum. Então Lira se virou para os guardas do castelo e gritou:
- Rápido homens! Esse índio veio de longe e deve estar com fome. Ele é meu convidado, meu hóspede de honra. Tratem-no como tal, é uma ordem! - ordenou Lira, correndo para subir a escadaria.

Chegando ofegante em seu quarto, Lira atirou sobre a cama vestidos de seu guarda roupa, enquanto gritava o nome de Nadine. Quando finalmente Nadine apareceu na porta, Lira começou a lhe falar:
- Faça minhas malas, vou partir hoje mesmo!
- O quê? Mas... onde? Já avisou teu pai? - perguntou Nadine, assustada.
- Não! E você não se atreva a dizer uma só palavra. Aproveitarei hoje que ele está fora do castelo, e partirei. Levarei comigo o pequeno batalhão selecionado para me proteger. Arrume tudo Nadine, vou descer e dar algumas ordens, quando voltar, quero tudo pronto!

Lira desceu e convocou os homens que foram rigorosamente selecionados para protegê-la. Embora lhes dissesse que iam caminho ao leste, Lira não lhes contou que o objetivo era resgatar Simon. Na verdade Lira sabia que a conspiração contra Simon não vinha de seu pai, o rei Marshall, e sim dela mesma. Mas por precaução, prefiriu não contar que Simon estava vivo.

Irian, vendo a agitação no castelo, correu para Lira para saber para onde ela partiria. Se recusando a falar, Irian a ameaçou, fazendo Lira ceder:
- Está bem Irian, pode vir conosco. Mas escute bem, não quero mais saber de plano algum! Eu lhe avisei que se Simon sobrevivesse, o plano estaria acabado!
- Sim senhora, nunca mais falarei do plano. Sabes o quanto sou fiel a ti por causa de sua mãe. Só me dói o coração por ela!
- Cale a boca Irian, eu disse que acabou!

Então o pequeno exército se colocou em posição. Lira colocou o capuz da longa capa negra, celou seu cavalo e partiu direcionando seus homens para o leste a fim de buscar seu amado Simon Castella. Junto com eles estava Gwynt Droed, o índio "Pé de Vento", que ganhou um cavalo celado ao lado da princesa Lira para guiá-los até a tribo.

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