sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O Palco de Agatha - Parte 22

A música era como uma névoa expessa que dominava as ruínas e penetrava na alma apertando os corações que ainda batiam. Andrew sempre tocou piano como um anjo, mas agora seu toque parecia mais uma marcha fúnebre. Os olhos dele estavam fixos nas teclas do piano, tristes.

Agatha ainda estava diante de Tomas com a faca na mão. Tomas olhou desconfiado e deu um passo para trás demonstrando sua desconfiança. Mas Agatha apenas sorriu; um sorriso melancólico sem expressão, com os olhos pesarosos:
- Eu fui feliz Tom. Tive o casamento mais lindo do mundo, e realizei meu sonho de ser bailarina. Ah Del Bellis. Eu fui o alfa deste lugar, e meu fiel amigo Andrew, o beta... - riu triste consigo - Sabe Tomas, na noite em que eu acordei, desesperada e confusa, só havia uma coisa em minha mente. Você! Minha vida é você, sempre foi. Você não estava certo quando disse que sua bailarina se perdeu para sempre. Eu vou estar sempre viva em seus olhos. Não importa que você ame Antonella, ou que se lembre de mim só de vez em quando. A única coisa que me importa é que sou parte do seu passado feliz, parte da sua vida, e isso me torna um eterno reflexo singular, mesmo que suavemente fraco, em seus olhos castanhos. E hoje, diferente daquele dia em que este teatro caiu sobre a minha cabeça... hoje você pode me dizer adeus...
- Agui... - suspirou Tomas, com os olhos vermelhos derramando duas lágrimas pesadas que correram até seu queixo quadrado.
- ... adeus meu amor... -respondeu Agatha ao suspiro triste de Tomas.

Com a faca que Gerard levou até lá, Agatha passou a lâmina prateada vagarosamente em seu pulso direito. Seu rosto era perfeito em traços brancos e frios de porcelana. Uma perfeita boneca, com o rosto sereno. A lâmina abriu uma fenda em seu pulso de porcelana, deixando derramar um líquido florescente que corria em suas veias. Enquanto o fluído macabro que dava vida à Agatha escorria de seu pulso direito, ela passou a mesma lâmina no esquerdo. Largou a faca ao chão, suspirou e tombou. Antes que caísse, Tomas segurou seu corpo, tão forte, mas com aparência tão frágil de que quebraria se atingisse o chão. Os lábios de Toma tremiam, e o desespero em seus olhos ardiam:
- Agui... Agui... minha... minha bailarina, me perdoe... - choramingou Tomas
- Ah Tom, é bom te ver olhar assim pra mim outra vez. - murmurou a voz fraca e evanecida de Agatha - É bom adormecer em seus braços uma última vez.
- Eu não acredito que estou perdendo você de novo... eu... Agatha, não era verdade o que eu disse, mas eu precisava dizer... eu amo você, nunca superei ter te perdido... nunca vou superar... eu amo, e a parte de mim que restou depois do acidente agora está se quebrando também, junto com cada suspiro seu.
- A vida é engraçada... às vezes ela nos dá coisas apenas para ter o prazer de tirar depois. - ainda suspirou Agatha, usando as mesmas palavras que Tomas disse quando descreveu a ela a dor de perder sua bailarina - Ou talvez a vida tenha se zangado com a morte por ter passado a perna nela e me roubado de você cedo demais... e para zombar da morte, a vida me trouxe de volta de forma diferente só pra que eu tivesse a chance de lhe dizer adeus...
- Não Agui... a...
- Shhhhhhh ... adeus Tomas...
- A-adeus Agui... - Tomas murmurou com dificuldade, enquanto as lágrimas caíam de seus olhos.

Agatha tombou a cabeça e seus olhos verdes cintilantes se fecharam para sempre. Em volta de Agatha e Tomas havia uma poça do líquido verde que se esvaiu das veias da bailarina. Nesse momento Andrew parou de tocar o piano. Levantou-se, e agora seu rosto não continha mais a expressão dolorida como quando tocava. Olhou ternamente para sua amiga sem vida nos braços de Tomas.
- Adeus Agui. Para sempre no sono eterno... e o cisne mais gracioso de todos adormeceu na morte em nosso lago, que agora são apenas ruínas. -sussurrou Andrew, docemente para sua melhor parceira de dança.

Andrew e todos os zumbis restantes se cortaram com o objeto perfurante mais próximo, deixando o líquido maligno jorrar para sempre, levando consigo suas vidas estranhas. Os cipós que antes ligavam Agatha às ruínas, murcharam, e o local ficou mais escuro, como se também perdesse a sua vida.

Gerard ainda estava com os olhos arregalados. Antonella só fiatava Tomas, que ainda segurava Agatha em seus braços, passando a mão suave em seu rosto de porcelana sem vida.

- Wow, caaaara. Que maluquice toda foi essa! - exclamou Gerard.
- Tomas, vamos sair daqui! - reclamou Antonella.

Tomas não respondeu. Parecia ainda estar em transe com a morte de sua amada. Afinal, era a segunda vez que ele a perdia. Mas um som quebrou seu transe; um som impertinente.

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